Kamasutra financeiro
18-07-2014 - Sandro Mendonça
Qual é o sector, qual é ele, que não se reforma nem se deixa reformar?! É claramente o financeiro.
A quantidade de situações de corrupção, manipulação e cartelização mostra que este sector é patologicamente disfuncional. O escândalo continua a desenrolar-se sete anos já avançados na ainda actual crise financeira do mundo ocidental. Isto não são meros defeitos de mercado. É o feitio da finança.
Os "mercados", com agências de ‘rating' e ‘offshores' à mistura, revelam-se um bunga-bunga financeiro, em que tudo o que é possível de inventar é praticado. A sucessão permanente de casos de estupro a clientes, accionistas e Estado mostra isso até à náusea. São exemplos de indecência instituições como a JP Morgan, UBS, Citygroup, Deutsche Bank, Barclays, Banco do Vaticano (a lista é muito longa), ou mercados como a Libor, a Euribor e a fixação dos preços do ouro ou de divisas (a lista é mesmo muito longa).
E junta-se depois a diversidade de personagens que amiúde trocam de posições e acrescentam a sua pimenta à situação. São banqueiros centrais que vão para altos cargos na banca privada (desde a Áustria até aos EUA), são financeiros que assomam às autoridades monetárias (há melhor exemplo que Mario Draghi vindo da banca de investimento? ou caso mais próximo que Carlos Costa vindo da banca comercial?), etc.
E eis nisto o BES. Enquanto nos distraíam do essencial, atirando culpas para cima do Estado, trata-se de um choque de realidade. O desregramento dá nisto.
Problemas sistémicos exigem soluções sistémicas. É preciso cravar a estaca da reforma no coração de um macabro sector produtor de crise e poluição moral. Para isso é preciso agir em três frentes: 1) restruturar a governação das instituições financeiras, 2) reconfigurar as operações nas arenas de transacção, 3) criar ‘firewalls' entre reguladores e regulados. É preciso repensar holisticamente com vista a resultados sustentáveis.
Em primeiro lugar, a regulação começa dentro das organizações. Esta tem-se mostrado persistentemente ineficaz. Se o sector é desviante e tem impactos sistémicos, então, tem de haver uma internalização de "externalidades". Isso pode implicar o regresso das ‘golden shares', agora por via prudencial, em negócios demasiado irresponsáveis para serem deixados à solta. Em segundo lugar, é preciso tratar as ‘offshores' como se fossem santuários de terrorismo económico. Nestes casos sim, justifica-se o empenhamento das novas armas da ciber-segurança no ataque pro-activo à conspiração criminosa financeira.
Em terceiro lugar, é necessário investir nos quadros do Estado, dotando-os de carreiras dignas; é também altura de impor uma nova "taxa Tobin" ao capital humano especulativo que tente usar a porta giratória público-privada; e tempo de instalar ainda regras duras, apoiadas em tribunais próprios "via verde", que impeçam que os regulados acabem sempre por mandar no regulador.
Económico.pt
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