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CHÁ PARA UM LOBO IMORTAL

20-09-2019 - Armando Alves

Existe nesta realidade quem negue desejar a eternidade. Pela solidão, pelo tédio, por todas as razões que a que o espírito humano conseguir apelar para se convencer por breves momentos que não teme a morte. Eu, eu poderia viver para sempre sem nunca me ocorrer um único momento de tristeza.

De entre incontáveis nomes pelos quais fui designado ao longo de cinco séculos, existe um que jamais será esquecido, aquele que todos concordarão indiscutivelmente tratar-se do meu nome… Azrael Mephisto. Doce contradição, doce melodia, ouçam como canta nas profundezas da mente, Azrael Mephisto. O nome de um anjo que contamina de beleza o de um demónio, o nome de um demónio que confere o encanto da noite ao de um anjo. Deste ponto em diante, peço que seja notado como emprego as minhas inofensivas palavras, pois a ninguém será atribuída culpa, quando dominado o uso do adequado vocabulário. A aplicação de certos conectores será o suficiente para ilibar toda a responsabilidade das ofensas ou verdades (estes dois adjectivos são frequentemente sinónimos) contidas numa frase. Dominando esta arte, um poderá dizer o que lhe aprouver sem que qualquer sombra de sentença que lhe possa refrear.

Naquela época o meu nome era mais simples. Num mundo indescritivelmente pintado de tons sinistramente belos, uma beleza que, para os meus refinados olhos, olhos do rosto, olhos da alma, se perdeu com os séculos, eu era um jovem com todos os prazeres inimagináveis ao alcance dos meus finos e delicados dedos. Mas não era o meu corpo que ansiava ser saciado e não era em prazeres boémios que encontraria a satisfação. Abençoado com uma mente fora do comum, amaldiçoado pelo insano desejo de saber, de compreender. Durante anos, dezenas de livros esgotaram informação para alimentar o meu faminto cérebro. Cada nova descoberta é acompanhada pela doce amargura de uma nova dúvida. Cada resposta me conduzia inevitavelmente a um incontável leque de novas perguntas.

O pensamento assombrou-me com tal fúria que apenas o assombro da morte se lhe poderia equiparar: a vida é tenebrosamente curta e a curiosidade infinitamente crescente... Desesperado e sem vontade de continuar, enlouquecido pela dor e pela injustiça, dominado por uma melancolia letárgica, amaldiçoei a incompatibilidade intrínseca do meu ser.

Armando Alves

 

 

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