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A ordem das notícias é um caos propagandístico

27-06-2014 - Raquel Varela

Estou parada no aeroporto de Lisboa por cancelamento do meu voo, fruto da greve dos controladores aéreos em França que gerou, dizem as notícias, o “caos na Europa”. Os jornalistas habituaram-se, sempre com o cutelo dos editores em cima, a explicar que os resultados de uma greve são o caos, mas cortar salários, diminuir direitos sociais, fazer do trabalho um lugar de tortura e ansiedade, “é a austeridade”, tão natural como o vento e a chuva. Mais, habituaram-se a não explicar porque há uma greve, portanto, a esta altura já sabemos das famílias ansiosas que aguardavam os filhos para almoçar, das viagens de negócios interrompidas, já conhecemos a cara, humana, de todos os queixosos, “prejudicados pela greve”, do “caos na Portela”, mas ainda não sabemos porque esta greve foi convocada, não foi entrevistado nenhum dirigente sindical, ainda não conhecemos a cara, a face humana, a vida, de um único controlador aéreo em greve. Os sindicatos em geral têm maus assessores de comunicação, quando os têm, e abdicaram de construir uma informação alternativa de qualidade.

Também por isso, a ordem das notícias é um caos propagandístico: os controladores aéreos são apresentados como “privilegiados”, a austeridade é “cumprir os compromissos assumidos”, mesmo que a diferença entre um trabalhador médio e um rico na Europa tenha passado de 1 para 12 em 1947 para 1 para 532 em 2012!

A greve na verdade não é notícia, a notícia são os passageiros aborrecidos. Por isso passa também ao lado aquilo que creio ser o mais importante nesta greve – ela mostra a extraordinária dependência que existe não só a nível nacional, não só entre sectores produtivos mas em toda a Europa. Uma greve de controladores aéreos pode parar a Portela e a Europa, e pode parar muito mais coisas, porque o modelo produtivo just in time depende dos transportes. Lamentam-se os sindicatos que a deslocalização produtiva enfraquece-os mas esquecem-se de lembrar que as organizações de trabalhadores hoje, com a dependência produtiva, fruto dessa deslocalização, têm mais força se se articularem. E que um sindicato não é uma organização de análise da realidade para constatar fraquezas mas uma organização de trabalhadores para lutar e encontrar soluções impossíveis contra o pragmatismo da hegemonia dominante. Na verdade, hoje, parar um sector, como o dos transportes, é virtualmente parar uma parte da sociedade porque tudo depende da entrega na hora de peças, alimentos, energia. E não são só os transportes que têm esta força porque o grau de complexidade das sociedades europeias torna impossível aguentar uma greve de médicos, ou professores ou enfermeiros, porque toda a vida da sociedade é paralizada por esse movimento. A força gera o seu inverso, e essa contradição tem sido esquecida por alguns, talvez muitos, sindicatos, que encontraram na deslocalização produtiva uma desculpa para a sua inação e burocratização.

Da minha parte, como passageira, agradeço a greve. Fui prejudicada, claro, mas uma greve é mesmo isso, uma forma de organização colectiva que para a produção mostrando que somos dependentes de quem trabalha. Isso não tem nada de assustador. Preocupante era sermos dependentes de quem não trabalha, e, por exemplo, vive de rendas fixas como juros da dívida pública, fundos imobiliários, saque fiscal ou parcerias público-privadas.

Raquel Varela

 

 

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