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Quinta-feira 25 de Abril de 2024  
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Um dia em Almeirim…

25-04-2019 - Francisco Pereira

…durante a tarde que seguia calma, no gabinete, eu discutia, saudavelmente com um colega de trabalho, as questões triviais do momento, batem à porta entretanto, – Entre! – respondo. A porta abre-se e entra uma senhora, vem entregar um documento, para tal, à boa maneira da burocracia oca deste pardieiro de tontos, tem que preencher um formulário, enquanto a senhora se senta e começa a preencher o malfadado papel, eu prossigo a conversa com o colega.

É num momento que olho para o que a senhora está a escrever, como faço sempre, para evitar eventuais erros no preenchimento da papelada, vejo cair uma lágrima, que ensopa o papel, finjo que não dou por isso, retomo a conversa com o colega que olha pela janela lá para fora para o horizonte onde o sol brilha, onde gostaríamos de estar.

Entretanto a senhora, termina de preencher o papel, estendendo-mo para que verifica se está tudo correcto, coisa que faço maquinalmente, verificando os locais certos para o preenchimento, o diabo é que a letra é miúda e eu estou cada vez mais pitosga.

- O senhor veja lá se está tudo bem preenchido – diz-me enquanto se assoa a um lenço de papel amarrotado que tira do bolso de um casaco de malha, muito coçado e com borboto.

- Está sim senhora – respondo.

- É a última baixa que lhe entrego… – diz-me aquela senhora de mãos sovadas pelo duro trabalho do campo, com unhas estragadas, nada parecido com essas aberrações de unhas de gel que por aí se vêem e nos deixam a pensar como é que alguém pode trabalhar no que quer que seja com unhacas daquele comprimento.

- Ora muito bem – digo-lhe sorrindo – é sinal que está melhor!

- Antes fosse – diz-me com um olhar que me pede ajuda, compreensão, compaixão, arrisco até dizer dó, é no entanto um olhar estranho, há nos seus olhos tristes qualquer coisa que me escapa.

- Então? – pergunto-lhe franzindo o sobrolho naquelas expressões que fazemos misto espanto e desconfiança. A senhora está olhar para mim, no momento que lhe faço a pergunta a máscara de jovialidade despreocupada que exibia acaba por ruir, começa a lacrimejar, vejo-lhe as lágrimas a rolar pela face marcada por rugas, apesar de ser dois anos mais nova que eu, ao lado um do outro ela parece infinitamente mais velha, prova de que o trabalho duro do campo envelhece precocemente as pessoas.

- Tenho de me ir embora… – diz-me entre um ténue soluçar, por esta altura o meu colega, deixou também de olhar lá para fora está a o meu lado igualmente espantado, encolhe os ombros quando olho para ele, entretanto a senhora assoa-se novamente fungando ligeiramente, enquanto as pequenas gotas de água salgada lhe vão rolando pela face.

- Vai embora, sorte a sua, eu tenho de ficar aqui, se calhar vai para melhor – digo em tom brincalhão para amenizar o ar pesado que domina a atmosfera e a conversa.

- Não é isso, é que sexta-feira o meu ex marido sai da prisão e a primeira coisa que vai fazer é vir à minha procura para dar cabo de mim, por isso vou ter de sair daqui, desaparecer sei lá…

Enquanto nos atira aquela verdadeira bomba, sai porta fora a chorar, eu olhei para o meu colega e ficámos os dois sem reagir. Esta é a realidade da violência doméstica, ninguém me contou, eu vi o olhar de terror daquela mulher, aquela mulher estava aterrorizada, assim vai Portugal o país da impunidade!

P.S. – Hoje é 25 de Abril comemoramos a Liberdade, a situação que descrevi, mostra que pouco ou nada mudou neste Portugal miserável de gente medíocre.

Francisco Pereira

 

 

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