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Notícias e Opinião do Concelho de Almeirim de Portugal e do Mundo
 

AMOR, CIÚME & CRIME À PORTUGUESA (II)

19-04-2019 - Pedro Pereira

Os crimes de relações entre sexos também eram merecedores de notícias amplamente relatadas. A título de exemplos oferecemos ao leitor dois exemplos, o primeiro dos quais titula “Um Repugnante Crime”, ocorrido em Loures, em que um trabalhador abusou “barbaramente de uma pobre octogenária”. Assim:

«N’aquelle logar reside, de há muito, uma pobre octogenária paralytica, chamada Marianna de Jesus, viúva de Antonio Dias Nantes, a qual vive na companhia de um filho chamado Manuel Dias Nantes.

Há dias, cêrca da uma hora da madrugada, o Manuel Venancio, depois de andar beberricando pelas locandas do sitio, com dois collegas seus, tendo conhecimento de que o filho da paralytica se achava ausente do lugar, dirigiu-se-lhe a casa, onde entrou por meio de arrombamento. A pobre mulher encontrava-se, a essa hora, já deitada e, despertando ao ruído produzido pelo abrir da porta, tentou levantar-se, mas, já pela sua edade, já pela doença que a aflige, não o fez tanto a tempo que o energúmeno não conseguisse entrar no quarto onde ella se encontrava.

Muito afflicta gritou por socorro, sendo, porem, os seus débeis gritos suffocados pelas mãos do Venanco, que quas a estrangulou. Quiz reagir, mas elle agrediu-a brutalmente, deixando-lhe a cara e o pescoço a escorrer sangue, e, então, a infeliz succumbiu, aproveitando o malvado o ensejo para cometter um crime repugnante e sacciar os seus instinctos de fera, em seguida ao que se poz em fuga (mas acabaria por ser preso)».

(O Século, 05.01.1910, p.5.)

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No segundo exemplo, a vítima teria sido uma jovem viúva que a dada altura ficou noiva de um indivíduo empregado num talho em Campo de Ourique, residente na rua das Trinas, conforme relato detalhado do repórter de serviço:

«Foi o caso que, tendo o irmão d’esta aparecido em sua casa, depois da meia-noite, a dizer-lhe que o seu noivo estava na quinta da Condeixa, esperando-a na residência d’elle para lhe comunicar um facto importante e que requeria a sua immediata presença, a infeliz mulher caiu no ardil e foi.

Qual não foi o espanto da creatura, quando ao entrar em casa do Antonio Martins, este e o irmão a agarraram violentamente, lançando-a por terra, no intuito de nella cevarem os seus viciosos desejos.

A mulher, heroicamente, resistiu aos dois malvados, os quaes, não podendo levar avante a audaciosa tentativa, acabaram por lhe applicar uma formidável tarea, ao ponto de acudirem os vizinhos, que a foram tirar das mãos dos meliantes, indo a aggredida curar-se de vários ferimentos que recebeu ao posto medico estabelecido no Asylo Maria Pia».

(O Século, 21.01.1910, p.2.)

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As rixas, desacatos e crimes por razões de ciúmes, eram frequentes entre mulheres, usando estas como arma de agressão, navalhas, facas e, sobretudo, ácido sulfúrico, também usado por homens como nos exemplos que transcrevemos:

 

«Hoje, pelas 3 horas da manhã, na travessa das Palha, quasí à esquina da rua da Assumpção, por uma questão de ciúmes, envolveram-se em desordem, antigas bairristas da Mouraria e ali muito celebradas pela sua vida dissoluta.

Uma dellas, conhecida pela “Cavalheira”, que por muito tempo tem residido nas ruas de Silva e Albuquerque e do Capellão, puxou de uma navalha e deu um golpe no quadril da outra, a quem conhecem pela “Emilia Varina”».

(O Século, 16.02.1910, p.2.)

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«D’esta vez, a scena passou-se entre duas mulheres, a esposa de um antigo sargento da armada e uma amante d’este, sobre quem a primeira despejou o acido sulfúrico contido n’um frasco que, pouco antes, comprara n’um droguista do Campo de Santa Clara».

(O Século, 19.02.1910, p.4.)

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«Roída pelo ciúme, porque sabia muito bem o que o marido fazia, a Amelia, que é uma rapariga baixa, mas bonita, cabello louro, tez clara, olhos provocadores, saiu hontem, com o filho nos braços, vestindo uma saia escura de ramagem, casaco amarellado e mantilha negra, a ver a procissão, para se distrair do desgosto que a minava. Pouca sorte, no campo de Santa Clara, encontrou a Maria do Carmo, que é também esbelta e formosa, e que vinha, toda ancha de si, com os mesmos ares provocadores, disparando-lhe um sorriso e uns olhares de troça que a fizeram estremecer de raiva.

Então, inteiramente fora de si, dirigiu-se a um droguista e comprou um frasco com acido sulphurico, marchando no seguimento da sua rival e levando atraz de si a mulher a quem confiara o filho, disposta a fazer-lhe pagar caro a sua desvergonha e o seu atrevimento.

Encontrando-a no largo do Terreirinho, não esteve com meias medidas. Foi-se a ella e despejou-lhe na cara todo o conteúdo do frasco, que depois atirou febrilmente, entregando-se presa de agitação, ao guarda 980 (…)».

(O Século, 19.02.1910, p.4.)

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«Esta plenamente confirmado o crime de envenenamento que causou a morte de Candida da Silva, viúva, da povoação de Pendilhe, d’este concelho (Vila Franca de Xira), e deixou em estado grave Maria Pataca, da mesma povoação, que em virtude da intoxicação, se encontra já cega de um olho.

Capturadas as arguidas Maria Pereira, a Rolla, casada, tomou conta d’ellas a administração do concelho, que as sujeitou a incommunicabilidade (…).

Conforme o Século já noticiou, o marido da Victorina, José Thomaz Teia mantinha relações intimas com a vitima Candida da Silva, ao passo que o marido da arguida Rolla sustentava idênticas relações com uma tal Maria do Corvo, solteira, tendo cada uma das amantes seu filho adulterino.

Combinaram as duas megeras, depois de empregarem sem resultado certas bruxarias para cortar essas relações, empregar meios mais eficazes».

(O Século, 15.02.1917, p.2.)

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De todos os crimes passionais ocorridos ao longo do ano de 1910, aquele que mais tinta fez correr nas notícias dos periódicos, e neste caso, no jornal O Século, foi aquele em que segundo o articulista foram protagonistas «um homem já no desmaiar da vida, bohemio, frequentador de casa de jogo, apezar de casado e com filhos», de nome Silveira Pinto e duas bailarinas espanholas do teatro de S. Carlos «trintonas, mas ainda lestas e bem conservadas», por via das quais o Silveira se arruinou e foi proibido de continuar a frequentar a intimidade de uma das irmãs, a Carmen, da qual se procuraria vingar despejando sobre ela ácido sulfúrico. Escutemos:

«(…) pouco passava das 8 quando a Milagros e a Carmen começaram a subir as escadinhas (de S. Francisco), preparando-se elle, com o frasco em punho, para por em pratica a sua vingança, adeantando-se quando as hespanholas iam dobrar a esquina e chamando pela Carmen.

As duas mulheres, vendo-o, avançaram resolutamente para elle, que não fez mais do que despejar parte do conteúdo do frasco no rosto da amante, voltando-se depois para a Milagros, que ia acudir à irmã e fazendo-lhe o mesmo. Em seguida exclamou:

- Vocês estão promptas!

E, deixando as duas a gritar como possessas, fugiu como um louco em direcção ao Chiado, levando consigo o frasco».

(O Século, 11.02.1910, p.1.)

Continua no próximo número

 

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