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SAUDADE

12-04-2019 - Henrique Pratas

A semana que passou recebi um mail de um amigo que se encontra “exilado” na Suécia, Serafim Pinheiro que me reencaminhou um conto do seu amigo e patrício José-Augusto de Carvalho, poeta de alma transtagana, que ele considera de velho no tempo e perturbadoramente atual, e eu entendo que o mesmo deva ser partilhado com todos vós.

Saudade

É um dia abrasador de julho. O quintal ganha os contornos duma fornalha. Ao fundo, corre a rua empinada. São duas horas da tarde. Sonolenta, a vila estiraçada ao sol. Nem viv’alma. As cigarras cantam, ensurdecendo tudo e todos, esquecidas ou ignorantes na fábula.

Maria sai da cozinha com um alguidar de roupa lavada. Com a destreza da experiência dos anos, começa a dependurá-la na corda que atravessa o quintal de opo a topo. Com este calor, daqui a nada estará seca, murmura de si para si.

Soa a albarda do portão que dá para a rua empinada. Maria grita lá vou… e vai abrir o portão. É a filha que chega de Évora, vem afogueada e protesta:----Que calor, mãe! Passa dos quarenta graus! E a camioneta da carreira é uma frigideira!

Maria encolhe os ombros resignada e corrobora o protesto:

----Este maldito verão é sempre assim, filha! O expresso para Lisboa tem ar condicionado, mas as carreiras, aqui na zona, são esta vergonha…O povo não merece mais!

D’Airinhas é uma estampa de rapariga. Andará pelos dezoito anos. Sorri para a mãe e repreende-a com doçura:

---Oh, mãe, lá vem a política outra vez!

Maria enfrenta a filha com severidade:

---Maria D’Aires, a tua mãe sabe o que é vida! Tu é que não sabes nem terás idade bastante para saber! Habitua-te a ouvir os mais velhos, os que já viveram muitos naos! As pessoas da minha idade e as mais velhas sabem muito bem como é esta dança dos políticos, sempre prometendo, sempre arranjando desculpas para não cumprirem o que prometem…São uns mentirosos!

D’Airinhas abraça a mãe e sossega-a:

--- As coisas irão melhorar. Vivemos em democracia. A revolução pôs um ponto final nos tempos negros da ditadura.

Maria meneou a cabeça negativamente, com tristeza.

---Filha, a revolução foi um sonho. Essa coisa de o povo é quem mais ordena era boa de mais para ser verdade! Os cravos murcharam e secaram – são uma saudade, nada mais.

Este poema foi escrito por José-Augusto de Carvalho a 5 de julho de 2005 e foi-me enviado pelo meu amigo Serafim Pinheiro, agradeço-lhes o facto de poder partilhar este poema e julgo que nada mais tenho a acrescentar, a não ser que reflitam nas palavras escritas no ano de 2005.

Henrique Pratas

 

 

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