O vedor das almas
13-06-2014 - Francisco Pereira
Ontem no sossego da reclusão do lar meditava, numa imagem que guardo desde a infância, recordo um dia que um homem já idoso, percorria uma propriedade de meu avô com um ramo de árvore, cortado de forma idêntica às forquetas que fazíamos para as fisgas, mas maior, munido com aquele aparato, o homem ia percorrendo o terreno, com uma autêntica procissão atrás em silêncio, o meu avô, o meu pai, eu e outras 3 pessoas, havia ali algo de mágico, quase intemporal, na imagem daquele pequeno homem coberto de cicatrizes do tempo a calcar os torrões secos da terra, levantando uma leve poeira daquele pó muito fino que se entranha em todo o lado.
Subitamente o homem estaca, a ponta da forqueta estava dobrada e apontava para o chão – ó Silvério – que era o nome do meu avô – é aqui que ela está!
Confesso que não percebi nada daquela conversa, quem é que estaria ali, perguntei ao meu pai que me respondeu que era ali que o senhor achava que estava água, iam abrir ali um furo e o senhor era aquilo que se chamava um vedor, um espécie de mágico que por artes igualmente misteriosas e só com um graveto nas mãos conseguia descobrir água muitos metros abaixo no subsolo. Confesso que fiquei embasbacado com aquilo, e não é que depois de o camião começar a furar o solo, aos vinte e poucos metros ela começou a jorrar, primeiro, barrenta e escura, depois cada vez mais cristalina.
E ontem dei comigo a pensar que seria extraordinário que existe um vedor das almas, que nos permitisse ver as almas daqueles senhores maviosos de vozes melífluas, que aprecem em fatos de corte cuidado e gravatas de seda a solicitar o nosso voto para serem eleitos, apresentando como argumento que se preocupam muito connosco.
Seria de tal modo extraordinário, que duvido que em cem dos actuais eleitos as pessoas elegessem dez, depois de verem as almas dessa rapaziada, essas almas carregadas de sordidez, de boçalidade, de mentira, de velhacaria, de falta de coragem, enfim de tudo aquilo que para esses senhores parecem ser qualidades, e que para todos os outros parece ser defeitos muito grandes.
Um vedor de almas permitira que víssemos a falta de carácter, a vergonhosa e quase obscena ganância e sede de poder, a escuridão dessas almas, poderia fazer com que passássemos a eleger os mais nobres e os mais capazes, podendo excluir os ineptos, os incompetentes e os intelectualmente inúteis.
Infelizmente para nossa grande perda e tristeza, os vedores de almas não existem, infelizmente a natureza do português e a sua proverbial capacidade de ser ludibriado, continuam a fazer estragos, a falta de consciência política, a falta geral de cultura cívica, que a política de Educação há muitos anos promove, faz-nos votar em absolutas nulidades, escolher completos idiotas chapados e incapazes, não sem algumas infelizmente poucas excepções.
Que bom seria que existisse um vedor das almas que nos permitisse fazer fardos de joio junto a pequenos montinhos de trigo, assim separados seria mais fácil. Somos um país de analfabetos políticos, que votam tendencialmente por razões puramente subjectivas, em especial as mais comezinhas e ridículas, não votamos com sentido de Estado, não votamos com sentido gregário e de sociedade, por isso necessitamos mais que nunca de um vedor de almas, pena que ele não exista.
Francisco Pereira
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