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O MUNDO NÃO É ELÁSTICO - IX

07-12-2018 - Jorge Duarte

Terras férteis . Nos próximos trinta anos seremos mais 2,5 mil milhões de pessoas no mundo, num total de 9 mil milhões. Para garantir a alimentação necessária para todos é necessário que se invista até lá, mais de 40 mil milhões, anualmente, na produção e distribuição de alimentos; mais ou menos cinco vezes o que se investe agora (FAO, 2013). Porém, quase toda a terra arável existente encontra-se hoje já cultivada. Nestas circunstâncias, a solução tem sido a intensificação da utilização das áreas já cultivadas o que tem feito aumentar a productividade nas últimas décadas em cerca de oitenta por cento. Mas isto leva à saturação da terra, o que obriga a mais fertilizantes químicos. Desbravamento ou procura de novas terras apenas aumentou a extensão em vinte porcento, sendo que em zonas não habitáveis ou é oneroso e não rentável ou não há água.

A somar a este agravamento, calcula-se que todos os anos se percam mais de 20 mil milhões de toneladas de solo fértil. As causas são diversas mas as catástrofes, a erosão, a esterilidade causada pela sobreexploração e a ampliação e construção de novas cidades (principalmente Ásia e África), são as principais. Não esquecer que foi justamente onde havia melhores terras e água que se fundaram, no passado, as principais cidades que hoje existem. Actualmente, 50% da população mundial vive nas cidades, em 2050 serão 80%.

Ao mesmo tempo que a beleza da superfície terrestre se vai perdendo, perde-se também uma parte da vida interior de cada um. Na cidade, o indivíduo é a presa de todos os automatismos de propaganda, de sedução e de necessidades que a mesma lhe cria e nas quais ele se vicia e aprisiona.

As outrora mãos calosas que foram o símbolo dos sinais do trabalho no campo deram lugar às rugas no rosto que caracterizam as perturbações da cidade e de uma economia de exploração a que alguém deu o nome de “economia do suor”.

A cidade é o templo das mercadorias e do seu consumo; vive em frenética digestão de lixo, energia e água. Ela própria se tornou mercadoria que atrai cada vez mais.

A captação excessiva de água subterrânea na Índia, Bangladesh, Nepal, Paquistão Sri Lanka ou Austrália, tem levado ao aumento da salinização dos terrenos que acabam impróprios para o cultivo. Acresce a contaminação por chumbo, arsénio, minas, galvanizações, sulfatos e ácidos provenientes da indústria em todo o Sul e Sudeste da Ásia.

Para que a tempestade seja perfeita, onde os sonhos de uns são o pesadelo de outros, ocorre desde o ano 2000 uma corrida desenfreada à compra de terras férteis, protagonizada pelas potências mais ricas (EUA, Inglaterra, Malásia, Arábia Saudita, entre outras), em países pobres e muito pobres.

A venda é sempre a entrada imediata de dinheiro ou baixa da dívida, mas em condições desvantajosas para os vendedores em dificuldades. Os agricultores são afastados dos seus meios tradicionais e o que os estrageiros lá vão cultivar não é o que interessa localmente, mas o que os novos proprietários preferem nos seus países. A “revolução” leva consigo as novas técnicas e os efeitos colaterais são a introdução da agricultura química, e os organismos geneticamente modificados. Vai-se a tradição ancestral, sustentável, e cria-se a dependência irreparável. As maiores vítimas destas operações são justamente onde a pressão demográfica é, já de si, também maior: África, Ásia e América Latina. Mas o fenómeno atinge mais de duas dezenas de países, onde a terra é o único sustento das populações. Uma espécie de neocolonialismo dos mais ricos, em países mais pobres.

Pressionados pelos investidores, muitas vezes conluiados com os poderes locais também eles frágeis ou corruptos, são os camponeses empurrados subitamente para lugares distantes. Tanto menos é a capacidade de resistência quanto tais operações são realizadas no maior secretismo.

Como segunda parte dum acto dramático, constata-se que muitos destes “compradores” não são realmente industriais mas meramente investidores ou entidades financeiras, públicas ou privadas, ligadas a diversos tipos de fundos: de pensões, de seguros ou matérias-primas diversas, para exportação, destinados a países mais ricos, que pagam mais. Assim, ao garantirem maiores rentabilidades, garantem o provimento e segurança alimentar nos seus países, que são, entre outros, a China, a India, o Brasil, a Coreia do Sul ou os países do Golfo.

A década de 60 entusiasmou muitos com a promessa da Revolução Verde. Mas parte dessa auspiciosa área verde prometida, não foi utilizada para produção alimentar mas para biocombustíveis e madeira para abastecimento de centrais térmicas.

Apesar dos limites dramáticos das terras férteis disponíveis, a realidade da fome que hoje existe poderia ser resolvida se: 30 a 50% do desperdício nos países ricos fosse canalizado para os países pobres; se os subsídios à não produção impostos por quotas absurdas (para manter os preços) fossem investidos onde há carência alimentar; se o consumo de carne vermelha fosse drasticamente reduzido e as pastagens passassem a ser cultivadas com agricultura local; se a especulação alimentar fosse proibida; se o que se economizaria em água (mais de 500 milhões de m3 anuais), em alimentos que vão para o lixo, fossem investidos em armazenamento de águas de superfície onde faz mais falta; se as condições de armazenamento e transporte, os prazos de validade dos produtos (muito curtos), as promoções abusivas que fomentam compras em excesso, a exigência da estética e perfeição do aspecto dos alimentos, os calibres que rejeitam 30% da produção; se tudo isto não acontecesse, não haveria fome no mundo.

Porque o Criador quando o criou já conhecia os seus limites…

Jorge Duarte

Continua na próxima edição

 

 

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