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O MUNDO NÃO É ELÁSTICO - VII

23-11-2018 - Jorge Duarte

Neste momento, metade das cidades iranianas sofre de falta de água. Desvio de água dos rios, seca de lagos como o de Úrmia que encolheu 80% em trinta anos e se tornou salgado é um exemplo da tragédia. Deslocação de populações sem precedentes, está a acontecer. E o Irão continua a construir barragens e desviar cursos de água dentro do seu território que causam grandes prejuízos no Iraque, a jusante.

Outros lagos em África passam pela mesma escassez, como o Tanganica. Mas, de todos a situação mais inclemente é a do lago Chade. Aquele que foi um dos maiores lagos do mundo, partilhado pelo Níger, Chade, Camarões e Nigéria, perdeu 90% da sua reserva devido às alterações climáticas, projectos de irrigação em grande escala e necessidades humanas. A água dos dois rios que o abasteciam foi desviada. Resta agora uma pequena quantidade poluída, disputada por pessoas e animais, numa das regiões mais secas de África, na faixa quente do Sahel. Faixa esta que instiga conflitos e migrações em massa. A África é a multiplicidade de tudo e está em curso outra catástrofe.

Semelhante situação aconteceu com o mar Aral, o quarto maior lago do mundo, com um milhão de quilómetros cúbicos de volume de água, na Ásia Central, nos anos 1960. A política soviética de transformar a região na maior produtora mundial de algodão vazou o mar e desviou a água dos dois rios que o alimentavam, durante quarenta anos. E o mar secou. É considerada uma mas maiores catástrofes ambientais do século.

A Namíbia, um dos países mais secos de África, 40% da água que consome é subterrânea, com as consequências que se conhecem. Valha o mal menor, que já adoptou sistemas de tratamento dos esgotos. Mas a disputa com o Botsuana e Angola pelas águas de um dos maiores rios da África Austral, o Okavango, alimenta uma tensão permanente, como é próprio da disputa por um bem vital.

Há anos que a África do Sul sofre com escassez de água. Grande parte da sua extensão assemelha-se à região quente e seca Subsaariana. No passado mês de Fevereiro soaram todos os alertas à medida que o nível da água das seis barragens que abastecem a Cidade do Cabo, desciam ao ponto crítico, abaixo de 13.5%. Quatro milhões de habitantes em pânico e em contagem decrescente para o dia final do fecho das torneiras; o “dia zero”, marcado para 16 de Abril. Com o pânico, a poupança de água foi da ordem dos 100 milhões de litros, por dia. A ideia seguinte foi a da eliminação das abundantes acácias, pinheiros e eucaliptos, grandes consumidores de água. E o “dia zero” foi adiado para 2019, dependendo da chuva.

Há muitas outras cidades no mundo com o mesmo problema. Tóquio, Pequim, São Paulo, Cidade do México, Cairo, Istambul ou Jacarta, são algumas delas.

A China aposta na chuva forçada. A técnica (também usada pela Rússia e América), consiste na utilização de milhares de câmaras de combustão (desenvolvidas a partir da tecnologia dos foguetes espaciais), para produção de iodeto de prata. Colocados no topo das montanhas, aproveitam as correntes ascendentes de vento para transportar para as nuvens esta substância que provoca a precipitação, sobretudo na época das monções. O Tibete é a região onde, preferencialmente, se instala esta tecnologia, muito mais barata que o lançamento das partículas por avião. O planalto tibetano é uma das regiões mais secas do planeta mas também onde se situa o maior reservatório subterrâneo da Ásia. É também aqui que nascem os grandes rios da Ásia: rio Amarelo, Rio Azul o Bramaputra e até o Ganges, que percorrem a China, Índia, Nepal Laos, Birmânia, etc. Mais uma vez, as fontes da vida ligadas às fontes de conflitos.

Esta tecnologia de inseminação de nuvens, como qualquer outra, pode trazer reconhecidos benefícios ou tremendas tragédias. No cenário optimista, garante as possibilidades de vida e desenvolvimento em regiões de escassez, no cenário pessimista, a sua exploração para criar instabilidade no sistema meteorológico com a inabitual distribuição, bem como a arma de comando à distância para formar tufões, secas ou chuvas torrenciais, calculadas. No fundo, uma guerra do clima.

A avolumar a escassez, acresce a deficiente distribuição de água a estas populações e a forte poluição e contaminação generalizadas.

E não será possível armazenar mais água? Talvez um pouco mais, mas não muito mais. A água é um recurso regional, e sazonal. É renovável mas só cerca de um terço é utilizada, a restante vai para o mar; a maior parte. O seu transporte a longas distâncias é demasiado dispendioso e acarreta outros prolemas, como o tratamento, que só permite a eficácia de potabilidade num tempo curto, incompatível com longos e demorados percursos. E o tratamento, em regiões muito quentes, onde a água ultrapassa os 25-30 graus, exige uma adição brutal de cloro. Mas pode deslocar-se não tratada. O transvase é diferente, mas só nas condições possíveis. E também não se imagina uma rede mundial de distribuição de água à semelhança do que se faz com o petróleo ou o gás natural. Em qualquer caso, ainda que fosse possível duplicar o seu aproveitamento, estaria muito longe do necessário quando da duplicação da população.

Com o aumento da temperatura global, a evaporação é maior e, consequentemente, maior a precipitação. Neste trânsito, os números falam em 500.000 quilómetros cúbicos de água, anualmente. Curiosamente, segundo os especialistas, são os oceanos que recebem menos precipitação mas contribuem mais para a evaporação: 84%; ao contrário dos continentes onde a evaporação é de apenas 16%. A salinidade também reduz a evaporação; a água salgada evapora menos 2-3% que a doce e diminui um por cento a cada aumento de um por cento de salinidade. Os valores médios aproximados de evaporação (em Portugal), da água doce, andam à volta de um metro cúbico, por metro quadrado, por ano (1x1x1); uma quantidade impressionante.

Falamos de água mas não nos esqueçamos que a doce é apenas os tais 3-4%. E é o mar, com os seus 70% da superfície terrestre, que serve de almofada da temperatura do mundo. As suas correntes quentes transportam e distribuem o calor, as chuvas e as tempestades. E, ainda, galgam e submergem as zonas costeiras com aumento do volume, e não só por causa do degelo; porque a água também dilata. Tal como o mercúrio no termómetro que sobe consoante a temperatura do corpo aumenta, o mesmo acontece com o mar quando a atmosfera aquece. E está a aquecer muito.

Nas últimas décadas a calota polar do Ártico perdeu quase metade da sua superfície. A tal ponto que permitiu aos russos a “bênção” de encontrar uma nova rota marítima que circunda o Ártico. Os cargueiros saem do extremo-oriente russo, com escala na Coreia do Sul e aportam do outro lado, em São Petersburgo, depois de passarem pela Alemanha. Um ganho de quinze dias e milhares de quilómetros relativamente à rota tradicional pelo canal de Suez. Para já, só é possível durante três meses no ano e com o auxílio de quebra-gelos nucleares, mas até 2050, com a continuação do degelo, a rota será praticada todo o ano, transportando mercadorias coreanas e pescado e gás natural russos para a Ásia e Europa.

Não há segunda alternativa à utilização mais racional, mesmo radical, da água doce no mundo. Trata-se de uma questão existencial. De vida ou de morte. Dar prioridade às águas de superfície, gerindo-as melhor, tratando-as, reutilizando-as e não poluindo. As águas subterrâneas deverão ser sempre o último recurso.

Neste “mar” de escassez há o exemplo de Israel que apesar das raras fontes naturais de água (o Jordão nasce na Turquia e Montes Golan), consegue florescer o deserto e ser autosuficiente na alimentação e até exportar, sem passar por crises hídricas. Recicla 80% das águas residuais e dessaliniza um quarto da água de consumo doméstico através das modernas e potente usinas. Além de reutilizar, também não polui. Há uns anos, em Israel, as pessoas logo que se levantavam não perguntavam “como está o tempo?”, como é um hábito nosso. Perguntavam, sim, como estava o nível do Mar da Galileia (o seu nível, hoje, está a baixar de forma alarmante). Só pensavam nisso. Hoje a situação mudou e a água, em geral, não constitui preocupação.

Outros países (Austrália, EUA, Cabo Verde, Inglaterra…) também já usam água dessalinizada, pontualmente. É um método dispendioso, consumidor de energia e não consegue a extracção total do sal, com consequências para a saúde. Nas regiões sem costa é um processo que não se coloca.

Ironicamente, a água é menos abundante nas regiões de maior crescimento demográfico. E também mais sujeitas a secas ou cheias, agricultura mais rudimentar e mais conflitos.

A disputa pela égua potável irá tornar-se a principal fonte de conflitos e instabilidade neste século XXI. Há anos que as principais potências tentam tomar posse dos maiores aquíferos do planeta em países pobres, privatizando-os. Economias dependentes e/ou governantes corruptos satisfarão a “sede” dos mais fortes em troca de pequenas vantagens imediatas mas com garantias de maiores desgraças futuras.

Continua na próxima edição

Jorge Duarte

 

 

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