O MUNDO NÃO É ELÁSTICO - VI
16-11-2018 - Jorge Duarte
Florestas . Um dos recursos onde a depredação humana é mais agressiva. A primeira vaga da voracidade foi ainda no século XIX onde a explosão demográfica e industrial europeias causaram ondas de choque em todo o mundo com as grandes desflorestações que alimentavam a construção dos caminhos-de-ferro (travessas), barcos, minas, casas, móveis e comércio. Nunca mais parou.
Os países tropicais são os maiores autores e vítimas da tragédia. Monopólios das multinacionais da madeira e papel, da pecuária para pastagens (em cerca de 70% dos casos), de países ou governos que cedem a chantagens para cobrir dívida, desflorestando, e ainda a corrida dos pobres a terras desflorestadas são as causas da alarmante devastação nestas regiões.
De uma só vez e em menos de uma hora de discussão, deputados da Assembleia Legislativa de Rondônia, Brasil, mais de meio milhão de hectares (equivalente ao Algarve) de área protegida na Amazónia foram lançados ao desmatamento, num Estado onde o índice de desmatamento é o maior. Necessidades de pagamentos governamentais imediatos foram a moeda de troca de interesses políticos locais para esta acção criminosa (WWF-Brasil, 2018).
As actuais frentes de desmatamento da Amazónia (que produz 20% do oxigénio no mundo), são colossais. Estados brasileiros da Rondónia, Mato Grosso e Maranhão seguem numa frente de milhares de quilómetros, acompanhados pelas frentes da Venezuela, Colômbia, Equador e Peru. O cenário repete-se na Ásia e África.
Mas o comércio internacional da China, Europa e EUA, procede do mesmo modo. Por isso, as florestas no mundo são hoje menos de metade do que já foram. Calcula-se que daqui a 50 anos, se nada for feito, não haverá floresta.
As florestas ocupam somente 7% da superfície da terra mas nos trópicos encontram-se cerca de 50% das espécies existentes no mundo. Retêm a água e contribuem em grande escala para a diminuição do dióxido de carbono na atmosfera. Diminuição, isto é, quanto mais o planeta aquece mais acelera a respiração das plantas mas sem que aumente a fotossíntese. Por conseguinte, mais concentração de dióxido de carbono na atmosfera que, por sua vez, gera mais aquecimento. Morrem mais as árvores de folha perene e resistem mais as de folha caduca. Agrava-se assim a situação. E para compensar a quota-parte de dióxido de carbono porque cada cidadão é responsável no mundo, seria necessário que o mesmo plantasse 1000 árvores, dizem os peritos.
Até das guerras as árvores são vítimas como no caso actual da Síria. Toda a madeira que demorou uma geração a plantar (rivalizando com o vizinho Israel), está agora a ser dizimada para aquecimento, para cozinhar e alvo de intenso tráfico para o Líbano. Milhões de árvores sacrificadas onde cada uma é uma bênção naquelas regiões desérticas.
Sabemos nós, em Portugal, reconhecer o quanto vale uma árvore, pois assistimos desde os anos de 1980, até agora, a uma guerra contínua a favor da destruição da nossa floresta sem um “cessar-fogo”, sequer. E faz parte dos códigos da guerra, a absolvição dos crimes dos seus “soldados”. Dinheiro é melhor que clorofila.
Em Monchique não se perderam vidas (como em Pedrógão) mas a vida acabou, diz agora a população. E eu confirmei no local.
Água . Foi-nos ensinado que a vida começou na água. Nada de muito estranho pois a água é o elemento mais abundante na superfície terrestre, cerca de 70%. Porém, apenas 3 a 4% é doce. A restante, são mares e oceanos salgados e, desta “pequena” quantidade, cerca de 70% encontra-se nos polos, em forma de gelo. Os restantes 30%, repartem-se por água subterrânea, rios, lagos e humidade do ar.
De toda a água utilizada no mundo é a agricultura que mais consome, cerca de 70%, e o uso doméstico, 7 a 8%. Trata-se apenas de uma média pois enquanto nos países desenvolvidos se optimiza a água através dos sistemas de rega na agricultura mas há um excesso no consumo doméstico e industrial, nos países subdesenvolvidos o uso na agricultura é muito superior, na indústria muito menor e no doméstico quase ínfimo.
A disparidade do consumo de água per capita entre os países ricos e pobres é enorme; os ricos consomem dez vezes mais do que os pobres, embora a ONU estipule como mínimo 100 litros de água per capita, por dia. Facto é que nos países ricos pode chegar ao 500 l e nos mais pobres aos 15 l por dia. Em Portugal, a média é de 200 l.
A pressão sobre a água doce tem vindo, permanentemente, em crescendo; consome-se hoje cerca de 10 vezes mais do que há um século e a sua disponibilidade é cada vez mais escassa. Os aquíferos subterrâneos são gigantescos repositórios de água doce em estado líquido. A maioria deles formou-se num processo milenar, quando não havia extracção e a pluviosidade era abundante. Hoje, é o oposto e a sua reposição regular já não é possível com as actuais condições climáticas. Pelo contrário, na Ásia, onde a população cresce exponencialmente e a região é mais seca, há um intenso alargamento das áreas de cultivo que são abastecidas por essas águas subterrâneas. A sobreexploração sem reposição leva ao esvaziamento e, em consequência, a enormes aluimentos do solo. Por toda a Ásia há constantes episódios de zonas densamente urbanizadas a afundar, inclusive nas grandes metrópoles de Pequim e Jacarta. Nas zonas costeiras, com o esvaziamento dos aquíferos, torna-se propícia a contaminação com água salgada que está a tornar estéreis, para sempre, as terras agrícolas.
Outra das regiões a sofrer do enorme stress hídrico é a região do Norte de áfrica e o Médio Oriente. O paradoxo da região mais rica em petróleo e a mais pobre em água. Dos países mais afectados com a escassez de água encontram-se nesta região. No entanto, é também aqui que se encontram três dos mais importantes rios internacionais: Tigre, Eufrates e Nilo. Porém, em qualquer deles o seu leito atravessa uma diversidade de países, muitas vezes rivais e em disputas constantes. Quem controla as suas fontes ou se situa a montante tem o domínio estratégico e vital sobre os restantes. Por exemplo, o Tigre e o Eufrates que nascem na Turquia e servem a Síria e o Iraque até se encontrarem no Golfo Pérsico, uma das zonas mais tensas do mundo; O Nilo que nasce nas montanhas da Etiópia e envolve o Uganda e Tanzânia, antes de atravessar o Sudão e desaguar no Egipto mediterrânico. E foi justamente pela questão estratégica da água que o recente Daesh se instalou na região entre o Tigre e o Eufrates; parte na Síria e parte no Iraque. Esta posição estratégica deu-lhe imensa vantagem sobre os seus adversários, não só por controlar a água dos rios mas também as infra-estruturas hidráulicas vitais. Isso permitiu-lhe resistir até recentemente e causar grandes perdas aos que o combateram.
Continua na próxima edição
Jorge Duarte
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