O MUNDO NÃO É ELÁSTICO - V
09-11-2018 - Jorge Duarte
Os pássaros estão a desaparecer na Europa e no mundo, também as abelhas e outros insectos, os parasitas e até o cheiro das flores. Diferentes são as bactérias ou os vírus cuja capacidade de sobreviver, de se mutarem ou adaptarem, quase em tempo real, estabelecem uma esgotante competição com a ciência e o homem, tornando cada vez mais doente a própria vida. A peste suína, a gripe das aves, as vacas loucas e a recente crise das vacas na Nova Zelândia que está a obrigar ao abate de 150 000 animais para erradicar uma bactéria resistente, são suficientes exemplos de como o equilíbrio da vida é frágil. Mas as resistências vão desde a borboleta das batatas à mosca da fruta ou às bactérias multirresistentes dos ambientes hospitalares.
Paralelamente à vontade de fazer cumprir qualquer legislação limitadora, surgem os casos de corrupção e/ou perseguição ou morte dos agentes fiscalizadores . É o caso da falsificação descoberta recentemente dos valores de consumo dos veículos na Europa ou as mortes de defensores ou activistas ambientais na defesa dos recursos naturais na América Latina como a mineração, o abate de florestas, contaminação das águas…
O perigo que representa as grandes empresas multinacionais, amiúde constituindo-se em monopólios, é tremendo. O excessivo poder que concentram, muitas vezes superior ao PIB de alguns países, permite-lhes exercer influência nas esferas do poder, provocar desastres, instabilidade ou guerras. Ao mesmo tempo, possuem ampla protecção dos Estados porque são pessoas. Pessoas colectivas.
É um bom sinal a decisão de levar a tribunal empresas como a Volkswagen pela falsificação dos consumos nos veículos ou a multinacional de agrotóxicos como a Monsanto (agora comprada pela gigante alemã, Bayer), pela ocultação dos efeitos cancerígenos do glifosato na agricultura, consumido em larga escala por todo o mundo. O mesmo acontecendo com a gigante da mineração BHP Billiton, mineradora responsável pelo desastre do Fundão, em Minas Gerais, no Brasil, aquando do rebentamento da barragem que continha resíduos ferrosos e inundou o Rio Doce e as suas margens com 35 milhões de metros cúbicos de minério de ferro há três anos, provocando o maior desastre ambiental do Brasil. Defende-se agora de uma acção internacional movida por advogados anglo-americanos. Mas quantos milhares de outros abusos ficam incólumes?
O submundo do lixo é o que há de mais artificial na terra. Se se quiser perceber como se vive, a melhor maneira é olhar para o mundo do lixo. Sobre ele dormimos e com ele nos tapamos. Quanto desejaria o homem puder alterar a lei imutável da física e onde “nada se perde”, tudo se perdesse?! Mas o Big Bang afastou demasiado os planetas uns dos outros… à cautela. Só temos este. E ele não é elástico.
Não vale a pena enumerar todos os lixos do mundo, toda a panóplia de gases, de químicos, de radioactividade, de substâncias modificadas sem fim. Só o plástico basta. Agora que a China resolveu proibir a importação de plástico (é também a que mais produz), para reciclar ou incinerar, proveniente dos mais ricos países da Ásia, América e Europa. Com esta medida, mais de 100 dos 400 milhões de toneladas (ONU), produzidas anualmente no mundo, acabarão no lixo. Porque somente um meros 20% são tratados. Só para o mar estão a ser despejados 8-10 milhões de toneladas a cada ano.
Ao mesmo tempo que os países ricos e mais consumidores se vêem livres do lixo, exportando-os, em estratégias de outsourcing, em cargueiros de fretes baratos que regressariam vazios ao Oriente, ainda beneficiam de taxas favoráveis nos seus índices de poluição à custa da sobrepoluição desses receptores, cuja fiscalização é mais permissiva ou inexistente. Nós ficamos com o prazer do consumo, eles com as consequências da poluição. As mais das vezes, não há separação dos lixos perigosos e esses países não detêm conhecimento, meios, nem tecnologia para os rastrear. E mistura-se tudo. Contamina- se tudo.
Mas os plásticos não são simplesmente os sacos; são parte da roupa, dos nossos carros, dos nossos computadores, das tintas das nossas casas, estufas e regas agrícolas, de livros, óculos, ventoinhas, mobiliário, fraldas…Vivemos num mar de plástico e já somos um pouco dele. Esse belo e flexível material sintético que foi laboriosamente trabalhado pé-ante-pé durante um século, até apresentar as formas finais a partir de 1950, com o Poliéster, o Náilon, o Teflon, o Poliuretano, o PVC, o Silicone...
Sabe-se que a vida do plástico é longa, mas não se sabe se serão 400 anos ou mil. No mar fragmenta-se em pedaços ou partículas cada vez mais pequenas, acabando ingeridos pela fauna marinha e entrar na cadeia alimentar, até fazerem parte da nossa própria composição interior ao comermos peixes e crustáceos. E não só. Porque nos é impossível viver sem respirar e comer, todo o ambiente exterior entra dentro do nosso corpo que o metaboliza e lhe confere semelhança ao ambiente de proveniência. É bom que tenhamos consciência que metade da humanidade vive junto ao mar, e dele se alimenta.
Contudo, há sempre a excepção para confirmar a regra: O plástico foi e continua a ser, um “milagre” em África, conforme registou (desde a Etiópia, há umas décadas) aquele que melhor a conheceu e retratou, sendo considerado o melhor repórter de todos os tempos.
«Metade da população africana tem menos de 15 anos (…) Em casa, é às crianças que compete a tarefa mais importante: ir buscar água. A tecnologia moderna trouxe-lhes algo de útil – o balde de plástico, leve e barato. Há cerca de dez anos, o bidão de plástico revolucionou a vida dos africanos. Como aqui não há canalização e a água é escassa, ela tem de ser transportada de longas distâncias – às vezes dezenas de quilómetros. Durante séculos, a água era transportada em pesados cântaros de barro ou pedra. A cultura africana não conhece o transporte com a ajuda da roda, transporta-se tudo a maioria das vezes à cabeça. Eram as mulheres que iam com os cântaros buscar água (…). Depois surgiu o bidão de plástico. Um milagre! Uma revolução! E (…) é tão leve! E é preciso não esquecer também que há recipientes de plástico de vários tamanhos, pelo que as crianças já podem transportar alguns litros de água. Todas as crianças transportam água. Que alívio para as mulheres africanas! Que mudança nas suas vidas! O bidão de plástico tem imensas ventagens. Uma das mais preciosas é o facto de substituir as pessoas na fila de espera. E muitas vezes era preciso esperar um dia inteiro até que chegasse a água (…) Não se podia deixar um cântaro a marcar a vez enquanto se procurava uma sombra, porque o cântaro podia ser roubado e custava muito dinheiro. Agora, em vez de filas de pessoas, formam-se filas de recipientes de plástico, e as pessoas estão na sombra, no mercado ou a visitar amigos» (Ryszard Kapuscinski, in “ÉBANO - Febre Africana, pg. 259).
Na Índia, aquele que é o seu maior ex-líbris, o famoso mausoléu de mármore do séc. XVII, oTaj Mahal, está a degradar-se. As causas são a seca, a poluição e o baixo caudal do riu de onde migram milhões de insectos do lodo para se alojarem nas paredes do monumento. Os peixes que antes comiam estes insectos já desapareceram.
Fruto da tardia tomada de consciência da sociedade civil sobre os perigos ambientais e como forma de pressionar os poderes políticos, têm-se multiplicado iniciativas diversas desde manifestações públicas até movimentos de personalidades do mundo das ciências com publicação conjunta de artigos em revistas ou organizações da especialidade.
Em 1992, 1700 cientistas assinaram um artigo com o título “Alerta dos Cientistas do Mundo à Humanidade”,na ”Union of Concerned Scientists”, alertando para os danos no ambiente, o crescimento populacional e o apelo à redução do superconsumo.
Em Novembro de 2017, um artigo na revista “Bioscience”, alertando para os danos ambientais irreversíveis em curso na terra, foi assinado por 15 000 cientistas de 184 países, incluindo 200 de Portugal.
Destaca-se um projecto pioneiro saído agora da Universidade do Porto e concorrente entre 12 000 apresentados que pretende desenvolver um modelo inovador de gestão da sustentabilidade global, como um “Condomínio da Terra”. Os recursos naturais comuns como a atmosfera, os oceanos, a biodiversidade ou o clima, entram numa contabilidade de Deve e Haver e são compensados ou penalizados nos balanços dos países consoante a valorização ou destruição da natureza. A funcionar no seio da ONU, como associação que congrega universidades e figuras destacadas nos meios científicos nacionais e internacionais, apresentar-se-á com a designação de “A Casa Comum da Humanidade”.
Continua na próxima edição
Jorge Duarte
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