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O MUNDO NÃO É ELÁSTICO - I

12-10-2018 - Jorge Duarte

O elástico foi uma invenção magnífica da ciência e da técnica modernas, como tantas outras. Menos créditos não poderia ter o topo evolutivo deste Homo Sapiens Sapiens, ou seja, sábio sábio - duplamente sábio.

Quer ainda dizer que esta “máquina” a que chamamos Terra está povoada por nós, seres, duplamente sábios, que a avariamos e a não conseguimos reparar.

Simplesmente, esta máquina fornecedora de recursos, entre os quais o elástico, não é ela própria um elástico. Nem o homem, “duplamente sábio”, a pode esticar. E ainda que pudesse, sucederia o mesmo que ao elástico: cedia, cedia, mas a dado momento quebrava. Não saberia calcular exactamente esse momento, mas quebrava. E sempre se surpreenderia com aquilo que já esperava.

Nas páginas e tópicos que se seguem irão estar em confronto as duas principais forças que esticam as pontas deste elástico: a explosão demográfica e os recursos da terra. Qualquer destas forças age sobre ela (terra) de forma exponencial. E tão mais medo sentimos, quanto estamos habituados a pensar linearmente.

POPULAÇÃO

Falar de demografia não é fácil, nem para os demógrafos modernos e menos ainda o foi para os do passado, não obstante as metodologias e os meios entretanto criados. A dinâmica demográfica é muito complexa e pouco consensual. Interliga-se com os diversos contextos económicos, sociais, religiosos, culturais, políticos, éticos, etc.. Além de complexa é, por vezes, enganadora.

Há referência, na antiga Grécia (séc. II), de um fortíssimo declínio populacional após um longo período de crescimento. Não havendo sensos ou estes pouco demonstrativos, mesmo em plena crise demográfica achava-se que o mundo estava “cheio” de gente. Os escravos compensavam sempre a falta de mão-de-obra. Eram um recurso inesgotável, cria-se. A esterilidade militante tinha os seus privilégios: disponibilidade para a vida pública e festas, manutenção do património nas mãos das famílias (sem descendentes legítimos), numa altura em que se valorizava já o dinheiro, e o materialismo egoísta que via na família uma forma de escravidão.

Não longe desta mesma noção estavam os que se seguiram: os romanos. Qualquer campanha reduzia facilmente uns milhares de homens válidos à escravatura. Simplesmente, o regime demográfico dos escravos era ainda pior; não procriavam porque raramente casavam e, se casados, não desejavam filhos para que estes não herdassem a mesma condição, mas quase sempre eram separados das suas mulheres.

É preciso notar que toda a força de trabalho era, essencialmente, braçal; as terras aráveis escassas e a produção de alimentos não bastava a todos. O mundo era grande mas as pessoas concentravam-se nos lugares férteis e com possibilidades de defesa -que eram poucos. À semelhança dos pequenos lagos que restam nas savanas já longe da época das chuvas onde todas as espécies, antes dispersas por lagos abundantes parecendo poucas, se juntam todas em torno do único lago, parecendo muitas.

Tertuliano (Séc. II-III), exprimia a sua preocupação: «Somos um fardo para o mundo, os elementos não nos bastam; as nossas necessidades são prementes (…)». Semelhante lamento proferia S. Jerónimo (380) algum tempo depois: «O mundo está cheio e não existem lugares à superfície da terra». Quão errados estavam, sem o saber.

Para resolver este “problema”, eram já conhecidos diversos métodos anticoncepcionais, inclusive, o aborto (infanticídio). Para a igreja de então, não era fácil, tanto mais se encontrava ainda tão próxima da Revelação. Se por um lado o Antigo Testamento com «Sede, pois, fecundos e multiplicai-vos (…)», estimulava a continuação do povo de Deus, o Novo Testamento coloca a tónica na castidade, ainda que «antes casar que abrasar». Referir-se-á Deus a um número quantitativo ou qualitativo? Multiplicai-vos em número ou em espiritualidade e devoção? Deus conhece os limites da terra.

De qualquer modo, muitas medidas antinatalistas foram difundidas e incorporadas culturalmente na sociedade ao longo dos séculos, com tal margem que se permitiam ajustar, permanecendo, hoje ainda, algumas delas. A castidade, o celibato, a abstinência durante determinados períodos, o retardamento da idade média do casamento ou a valorização da virgindade, são exemplos bastantes. Sem ser hostil nem à vida, nem ao prazer, nem abdicar dos seus princípios, foi desta forma que a Igreja contribuiu e sobreviveu à pressão das medidas antinatalistas das diversas épocas.

Porém, o mundo antigo desmorona-se e o mundo que parecia “cheio”, afinal, sofria já de uma longa e silenciosa implosão demográfica a que contribuíram os diversos ciclos de peste (entre o séc. II e o séc. XIV), a desorganização do Império e a carência alimentar, bem presentes no lamento do papa Zósimo (417): «A população baixou de tal forma, em tantas províncias que os bárbaros foram chamados (…) a tal ponto que os nomes dos lugares mudaram». E, sim, vieram os bárbaros germanos e as invasões árabes no séc. VII.

Não obstante a Peste Negra (1 300-1 420), ter dizimado um terço da população europeia há, entre o século VII e XV, uma verdadeira explosão demográfica, contendo o espaço da cristandade latina cerca de 60 milhões de pessoas (mais do que o antigo Império Romano, mas em menos de metade do território). Só a Inglaterra, por duas vezes em cinco séculos, triplicou a sua população.

O avanço da indústria, da agricultura intensiva, do saneamento e do progresso da medicina, fazem a população da Europa novamente duplicar entre a metade do século XVIII e a metade do século XIX. Diz um certo economista que «ao lado dum pão nasce um homem», tal era a abundância e os benefícios desse avanço.

Como é evidente, começam a surgir as mais diversas doutrinas que proclamam soluções para o preocupante excesso populacional. Desta vez são estas menos de ordem religiosa que de científica e ideológica. Goldwin, Condorcet, e Malthus, são os primeiros, Thompson e Notestein, os seguintes, já no século XX.

Não cabe aqui analisar essas doutrinas, apenas ter a noção de que não é linear a relação entre a natalidade e os recursos disponíveis. A população pode aumentar ou diminuir independentemente do grau de bem-estar, dos factores de desenvolvimento ou subdesenvolvimento. Variáveis como políticas pró ou antinatalistas, mortalidade infantil, retardamento do envelhecimento, tradições, valores, individualismo, são algumas.

Continua na próxima edição

Jorge Duarte

 

 

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