Edição online quinzenal
 
Sexta-feira 12 de Setembro de 2025  
Notícias e Opinião do Concelho de Almeirim de Portugal e do Mundo
 

Um tiro no coração do federalismo

30-05-2014 - Jorge Bateira

O projecto federal está ferido de morte, mas os líderes políticos e as instituições europeias não o reconhecem e enfiam a cabeça debaixo da areia.

A votação para o Parlamento Europeu foi um tiro no coração do federalismo. Matou o projecto de conversão, passo a passo, de uma união de Estados soberanos num Estado federal, os Estados Unidos da Europa, sendo a moeda única um passo decisivo nesse projecto. A estratégia federalista sabia que o caminho era difícil mas, com habilidade, tinha conseguido até agora contornar a rejeição da França, Holanda e Irlanda, as objecções da Dinamarca e Suécia, e a persistente recusa do Reino Unido. Partindo da rejeitada Constituição Europeia, organizou-se um processo de corta-e-cola que deu no Tratado de Lisboa, nele incorporando derrogações excepcionais. O método de Jean Monet sempre tinha resultado: aproveitar cada crise do "projecto europeu" para, sob pretexto de encontrar uma solução para o problema, dar mais um passo na direcção federal, mesmo que insuficiente. Hoje, muitos lamentam o afastamento das instituições da UE relativamente aos povos europeus, mas esses lamentos são apenas lágrimas de crocodilo, porque sempre apoiaram uma federalização feita à sorrelfa. Desde domingo passado, os federalistas ficaram sem saber o que fazer.

O projecto federal está ferido de morte, mas os líderes políticos e as instituições europeias não o reconhecem e enfiam a cabeça debaixo da areia. Durão Barroso resume bem o espírito das elites que defendem uma federalização orçamental germânica (sem transferências): "Crescimento e empregos, essa é a mensagem que temos de passar (...) existe o risco de complacência em relação à necessidade de reformas estruturais." Nós bem sabemos o que são estas "reformas estruturais" e como elas são importantes para o desemprego, em vez do emprego. Enquanto não concretiza o sonho da eleição directa do presidente da Comissão, o social-liberalismo virá apelar à suspensão da austeridade e, provavelmente, dará apoio ao BCE para que inunde o sistema financeiro de liquidez, para evitar a deflação. Como sabemos, desde os anos 80 que os economistas da social-democracia assimilaram a doutrina dos Novos Clássicos e, por isso, entregam a tarefa de nos tirar da crise apenas à política monetária, supondo que o Tribunal Constitucional alemão permite. Vendo enormes riscos e limitações na política orçamental, naturalmente aprovaram o Tratado Orçamental, até para cuidar da sua boa reputação junto da finança. Agora pedem uma "leitura inteligente" das regras do tratado. Recusando ver que este "projecto europeu" não tem condições políticas para prosseguir, as várias famílias federalistas tratarão de mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma. Nos próximos meses, a política-Leopardo entra em cena.

Porém, o dado mais importante destas eleições não é a relação de forças dentro do novo Parlamento Europeu. O essencial está, como sempre, nos Estados-membros. O crescimento do UKIP vai obrigar Cameron a concretizar a sua promessa de um referendo sobre a UE e o resultado é incerto. Em França, com um sistema eleitoral a duas voltas, Marine Le Pen terá dificuldades em vencer coligações negativas, mas a sua candidatura às próximas presidenciais é certamente uma forte ameaça aos partidos da alternância. Os socialistas franceses estão entalados entre a germanização da UE, que desejariam reverter mas não conseguem, e a dissolução da UE que Marine Le Pen representa. O eixo franco- -alemão do projecto federalista está irremediavelmente fragilizado. Em suma, pela enorme abstenção em muitos países, e pela ostensiva votação em partidos que se opõem à actual configuração institucional da UE, milhões de europeus mostraram o seu repúdio pelas várias políticas inscritas nos tratados. Questão importante: Mario Draghi continuará a ter o mesmo apoio político para aguentar o euro?

Em Portugal, o projecto político patrocinado pela UE, sob a capa de "ajuda financeira", foi claramente derrotado. Infelizmente, como revela a votação do PS e dos partidos à sua esquerda, o povo português continua à espera de uma proposta política convincente para lhe conferir o estatuto de alternativa. O caminho para lá chegar será necessariamente turbulento, como é típico das grandes encruzilhadas da História.

Jorge Bateira
Economista, co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas

 

 

 Voltar

Subscreva a nossa News Letter
CONTACTOS
COLABORADORES
 
Eduardo Milheiro
Coordenador
Marta Milheiro
   
© O Notícias de Almeirim : All rights reserved - Site optimizado para 1024x768 e Internet Explorer 5.0 ou superior e Google Chrome