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AS VISTAS

20-07-2018 - Jorge Duarte

Obedecerá a natureza a uma ordem ou, ao invés, será um certo caos que impõe a estes dois contrários o equilíbrio precário onde se desenrola a vida tal qual a conhecemos? Não sabemos.

Sabemos, sim, que desde que o homem surgiu na terra não se deslocaram nem as órbitas astrais, nem a posição do sol nem os ciclos perpétuos. Biologicamente, o homem também não mudou; come, bebe e respira do mesmo modo. E pensa. Porque pensa, muda tudo. O mesmo esforço que empreende para compreender o mundo, empreende para o transformar. Uma soma de vitórias e, mais ou menos, a mesma soma de tragédias.

Mas como é de vistas que se trata, recuemos ao longínquo passado onde na escuridão da caverna era a segurança que importava antes da contemplação da bucólica paisagem. Os mitos da segurança na gruta abundam na História.

O homem dispersa-se e adquire técnicas onde pode replicar essa nostálgica segurança. Muralhas, fortificações… Já não para se defender das feras tradicionais mas dos seus semelhantes. E não é apenas segurança; por vezes é reclusão, escuridão ou intimidade, num mundo que continua a ser de contrastes e de perigos.

Foi assim até ao Românico. Mas como das trevas nasce a luz, ela brilhou num Gótico cheio de esperança…no Divino. E divino achou-se o próprio homem renascido - na razão - que acaba decretando a morte de Deus. E pronto a tomar conta do seu próprio destino, vence a natureza e desfruta da “luz” do mundo. Esta reflete-se na sua obra. Abre janelas simétricas; primeiro, estreitas e altas, depois, longas e horizontais. Chega a modernidade. Procura-se a luz, o local e a paisagem. As vistas.

Paga-se o preço na medida desta abundância. Normalmente, as zonas centrais, as vistas para o mar, na primeira linha, para um jardim ou avenida principal, para um vasto horizonte. Privilégio dos mais afortunados. Assim se formaram muitas das nossas cidades.

Volvidos os tempos e ficaram velhas as construções…e as pessoas… e as modas.

Como que num movimento centrífugo que empurrou para a periferia toda a casta de pobres, forasteiros ou intrusos - é ver os guetos, os bairros da lata, as tendas, os acampamentos e toda a imaginação da vida.

Mas a História do Homem não é fixa como as órbitas astrais. E um novo ciclo tem lugar. Desta vez, centrípeto. Os antes empurrados a partir do centro são agora para ele atraídos. Os do centro projectaram-se nas cómodas periferias.

Dos antigos centros já não se vêem os que os edificaram e para ele laboriosamente trabalharam. Este legado é agora a paisagem da multicultura, ou antes, da diversidade, como os novos “doutrinadores” preferem chamar. É a “diversidade” exposta do Magrebe à Ásia e até ao outro lado do Atlântico.

Das janelas privilegiadas já não se exibem os ricos reposteiros acetinados, duplos ou triplos, suspensos em varões torneados; nem senhoras de cabelo bem arrumado com cortes dispendiosos. Antes lenços, modestas cortinas padronizadas ou bandeiras de territórios longínquos. Os estendais não seguram toalhas, colchas ou vestidos de fibras distintas mas tecidos de corres garridas e exóticas que chamam à atenção. Roupas de criança; de muitas crianças.

Mudaram os hábitos e as rotinas na vida doméstica, nas ruas e nas praças. Nas melhores lojas, em quase todas as ruas, surge agora a pluralidade dos remédios para o desassossego do espírito com a oferta da igual diversidade de cultos, mesclados de seitas ou heresias.

Portas dos condomínios, trabalhadas, outrora limpas, afinadas e sempre fechadas, apresentam-se agora escancaradas, sujas, com fechos avariados. Outras, acorrentadas e presas com cadeados que parecem concorrer nos modelos.

Passear sob estas janelas é vivenciar a diversidade do mundo sem o percorrer. Hábitos, sons, cheiros, línguas e gestos até há pouco desconhecidos ou improváveis, entraram-nos pela porta.

A vida pertence a quem tiver arrojo e confiança, o futuro a quem for ofensivo.

Jorge Duarte

 

 

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