Edição online quinzenal
 
Sexta-feira 29 de Março de 2024  
Notícias e Opinião do Concelho de Almeirim de Portugal e do Mundo
 

Temos horror à memória

15-06-2018 - Francisco Pereira

- Vocês têm tanta coisa interessante em ruínas, porquê?

Esta pergunta fê-la um amigo, que não vejo fisicamente há imensos anos, tantos quantos têm a pergunta, apesar de falar de quando em vez com ele, abençoadas as maravilhas da tecnologia que permitem galgar os milhares de quilómetros que nos separam, continuamos amigos desde esse tempo ido do século passado em que passando por um velho convento em ruínas me fez aquela pergunta.

Não tive resposta para lhe dar na altura, encolhi os ombros e sorri, «Portugal é assim» talvez lhe tenha dito. Portugal convive mal com a memória, somos para além de um povinho manso, um povinho desmemoriado, logo condenado, logo à beira da extinção como de facto estamos.

As memórias, como o sabe qualquer um, são uma parte importante da pessoa, do ser que somos, não só as memórias próprias, como as memórias visuais dos locais, como também a memória colectiva de um povo que serve para o unificar. Infelizmente neste país o que mais se faz é destruir essas memórias. Vejam-se as nossas cidades, vilas e mesmo aldeias, arrasadas pela especulação imobiliária, descaracterizadas, transformadas em sórdidos subúrbios, mercê de uma corja de autarcas mentecaptos, acoitados pelo lema do progresso.

Ainda há uns tempos alguém me dizia a proposito de um desses medíocres miseráveis que destruiu a beleza e a memória de uma terra, “…não sejas assim o homem fez obra…”, respondi-lhe à moda do velho almirante com um bem pronunciado “bardamerda a obra”, pois neste país confunde-se muito o alcatrão e cimento a esmo com progresso, e progresso não é nada disso, progresso é qualidade de vida, o progresso é preservar as memórias o progresso são espaços verdes, o progresso é gente com decência, urbanidade e civismo, ao invés disto que por cá temos.

Quem hoje olhar para as localidades de Portugal não as reconhece, do ponto de vista da arquitectura, o que se nos apresenta é um nojo completo, o que até nos faz pensar porque ao que parece possuímos excelentes arquitectos, no entanto a construção que se faz é de miserável qualidade, sendo esteticamente medíocre, descaracterizando por completo as localidades, transformando tudo em subúrbios miseráveis, olho aqui por exemplo para a minha terreola onde a preservação foi quase zero e vejo uma enxovia miserável onde o disparate parece não ter fim.

Pude noutros tempos, viajar muito, ter um pai camionista permitiu isso, vi centros históricos bem preservados, apesar de terem sido bombardeados, de terem vivido duas guerras em pouco mais de quarenta anos, com gente a viver nesses locais, com turismo, vi memórias bem preservadas, vi ruínas conservadas com desvelo, comparo com o hoje vejo em Portugal, com muita tristeza constato que por aqui temos horror à memória, não só não a cuidamos, como tratamos de destruir o pouco que há na ânsia de sabe-se lá o quê.

Recentemente li alguns artigos em jornais, escritos por pessoas que se queixam por destruírem as memórias das suas cidades, Nova Iorque, Londres e agora Lisboa e o Porto, eram o palco das queixas de quem escreveu esses artigos, acusando o turismo, a ganância bem como a parvalheira generalizada de terem ou de estarem a arruinar as memórias dos locais.

Pois é bom que se saiba que essa lavagem à memória é algo que em terreolas pequenas como por exemplo esta onde habito tem décadas, desde que se instalou aquilo que chamarei “Síndrome da Lisboetice”, traduzindo por miúdos, ao invés de preservarem a construção, a traça típica e original dos locais, adaptada claro está à modernidade e ao bem estar deste século, para assim criarem elementos modernos mas diferenciadores, para atraírem visitantes, preservando a memória, revitalizando os centros históricos, o que fizeram os inteligentes autarcas por esse Portugal fora, caixotes, e mais caixotes de cimento, hoje a hashtag seria “#somostodosLisboa”, temos todos de ser muito modernaços de fazer muitos prédios, miseráveis enxovias que cairão ao primeiro peido que a Terra der, para sermos muito desenvolvidos temos de ter muitos prédios, muito cimento e alcatrão, para claro está deixar obra, às malvas a memória, viva o progresso, assim se obra em Portugal!

Neste processo de estupidez colectiva, criaram-se monstruosidades arquitectónicas, nos mais insólitos locais, mercê da corrupção que ainda grassa nas autarquias, verdadeiras escolas da corrupção nacional, construiu-se em todo o lado e de qualquer maneira, desde que fosse alguém importante lá da terra, destruíram velhinhos bairros inteiros para construir mamarrachos.

- Vocês têm tanta coisa interessante em ruínas, porquê?

Continuo sem conseguir dar uma resposta coerente à pergunta daquele meu amigo. Somos um povo avesso às memórias, queremos é esquecer tudo. Quem esquece o passado nunca terá futuro que preste, quem esquece a sua memória desvirtua a sua condição de ser pensante, mas como pensar dá muito trabalho, que pense quem quiser.

Francisco Pereira

 

 

 Voltar

Subscreva a nossa News Letter
CONTACTOS
COLABORADORES
 
Eduardo Milheiro
Coordenador
Marta Milheiro
   
© O Notícias de Almeirim : All rights reserved - Site optimizado para 1024x768 e Internet Explorer 5.0 ou superior e Google Chrome