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A ECONOMIA DA PESCA NO ESTUÁRIO DO TEJO NA IDADE MÉDIA

27-04-2018 - Pedro Pereira

Não é difícil de aceitar que os principais núcleos de pesca se tenham situado na embocadura dos grandes rios, muito antes da fundação da nacionalidade e que, por natureza da própria evolução dos conhecimentos técnicos e do domínio da arte piscatória só alguns séculos mais tarde esses povos se aventuraram na faina de mar alto. Isso mesmo nos confirma a autora de Notas Sobre a Actividade Piscatória na Economia da 1ª Dinastia, que nos diz que era junto aos grandes rios que «(…) formigavam os pescadores dedicando-se por vezes à pesca nos próprios rios e barras, indo em outras ocasiões tentá-la ao mar alto. Esta distinção nítida infere-se no próprio tipo de embarcações. Algumas eram construídas especialmente para afrontar o Oceano, outras, com certeza mais ligeiras e simples, dedicavam-se apenas à pesca fluvial. Prova-o expressamente o foral de Vila Nova de Gaia onde se distingue, Navigium de Rino aut de Mari» 1.

Das embarcações, as mais conhecidas e que chegaram até à nossa época, foram sem dúvida a muleta, tipo de embarcação específica do estuário do Tejo, que se dedicava à pesca na barra indo por vezes até à Nazaré e a enviada, embarcação de menor porte que como o próprio nome indica, era enviada aos portos onde se comerciava o pescado com o produto já retirado do mar, enquanto a muleta prosseguia a faina.

Os instrumentos mais comuns na apanha do peixe eram a rede de tartaranha, savaras e avargas, sendo mais tarde estas duas últimas substituídas pelo saval e pela varga. O saval, constituído por uma rede de tresmalho e a varga por um pano única de emalhar.

Da investigação feita podemos constatar sem margem de dúvidas que este tipo de embarcações e métodos de pesca são absolutamente específicos da margem Sul do Tejo, cujo estuário oferecia condições muito especiais para este tipo de embarcações, dado o seu esteiro baixo e pelo facto de nele desembocar o rio Coina, de características semelhantes, bem assim como o rio Judeu, que desagua na margem esquerda do Coina, condições a que não terá sido estranha a decisão régia de transferir para esta região a Ribeira das Naus no período áureo dos descobrimentos.

Aliás, da importância do Coina nos fala Fernão Lopes na sua Crónica de El-Rei D. João I 2, quando nos diz que a esta povoação (Coina) se dirigiu em 1384 numa galé o próprio rei, ao encontro de D. Nuno Álvares Pereira.

Recuando um pouco às artes de pesca na Idade Média e à tartaranha, podemos dizer que a sua utilização era feita com o arrasto de través, levando a rede por barlavento da embarcação do mesmo nome, que se deixava abater atravessada ao vento e à corrente.

Esta arte foi muito praticada no Mediterrâneo por espanhóis, franceses e italianos. Em França chamava-se mesmo peixe de tartana, (outra designação dada à rede de tartaranha) ao pescado proveniente do arrasto.

Em Portugal este tipo de arte teve pouco significado, confinando-se aos estuários do Tejo e do Sado e à zona onde os cabos da Roca e Espichel. É curioso notar que o foral fernandino da Portagem de Lisboa especifica que a tartaranha era vocacionada para o peixe areado (azevias, linguado, solhas) assim o indica o caderno (1401-1450) das mercadorias importadas e exportadas pelo concelho de Lisboa 3.

Pelos meados do século XV, a chinca, cujo significado será de provável origem latina e que designa envolver, cingir, cercar, etc., já referido em diploma de chancelaria de Afonso V, que atribui a dízima nova do pescado que às chinchas de Lisboa que apanharem do porto de Cascais à portagem de Lisboa e não aos rendeiros da portagem de Cascais. Contudo, não se evidencia ainda na captura das espécies mais cobiçadas e não incluída na lei de 1462 na qual o rei exaltava a pescaria de sáveis no Tejo nos reinados de D. João I e D. Duarte, com caneiros, pesqueiras, nassas, avargas e savaras, mas foi depois tão dominante em Lisboa que os pescadores eram designados genericamente por linheiros ou chincheiros, consoante manuseassem linha ou qualquer tipo de rede (emalhar, arrasto ou cerco); a chincha não era no entanto, uma rede do alto mar, mas uma rede de arrasto para a praia.

E por último, as redes de cerco; tarrafa ou chumbeira, que foram utilizadas na antiguidade conforme referência nas cortes de Lisboa de 1434. Este método era tão elementar que o pescado estava isento das dízimas na maioria dos forais manuelinos 4.

O tipo de pescado apanhado nos rios e junto às respetivas fozes, era caracterizado pelas seguintes espécies: linguado, azevia, dourada, cação, salmonete, sável, lampreia, enguia muge (tainha), solha ou esturjão, assim como os crustáceos e os moluscos. No caso do estuário do Tejo, porque as suas águas são salgadas, o peixe apanhado seria característico deste género de água, casos da azevia, dourada e enguia, por exemplo. A estes tipos de peixe se refere Oliveira Marques no volume IV da sua História de Portugal 5.
Acresce ainda haver poucas referências documentadas relativamente a espécies hoje vulgares, caso das trutas, carpas, barbos, escalos, bogas e outras.

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Notas

1. Silva, Maria Fernanda E. Gomes da, “Pescarias”, in Dicionário de
História de Portugal

2. Lopes, Fernão, Crónica de D. João I, parte I, cap. XV
3. Pedrosa, Fernando A. Gomes, A evolução das Artes da Pesca em
Portugal
, in Anais do C.M.N., pag. 295

4. Ibidem.

5. Marques, A. H. de Oliveira, Portugal na Crise dos Séculos XIV e
XV
, vol. IV, Lisboa, 1987, pags.110/112

Pedro Pereira

 

 

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