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III – HISTÓRIAS DE ENCANTAR - O PRIMEIRO-MINISTRO DOS NABOS

23-02-2018 - Pedro Pereira

De fato de alpaca cinzento-escuro, de corte irrepreensível, assinado por um famoso estilista europeu, o senhor primeiro-ministro empurrou as largas portas de vidro do enorme edifício de linhas arrojadas e estilo indefinido, pintado de cor-de-rosa e verde alface, da autoria de um famoso arquitecto que estava na moda.

Acelerou célere o seu passo elástico, na direcção do elevador que mais parecia um autocarro em hora de ponta, apinhado de pessoas hirtas, sem um esgar que se vislumbrasse nos seus rostos, trajadas de igual modo; de roupa de cor cinzenta ou azul escuro a dar para o preto, macaqueando as suas chefias.

Em coro, aquele amontoado de criaturas saudou em uníssono como se fora um coro afinado: - Bom-dia senhor primeiro-ministro!

- Bom-dia! – Respondeu o dito cujo em tom de voz apressado.

Enquanto o ascensor subia rápido e silenciosamente até ao piso onde se situava o seu gabinete, aproveitou, para ao tacto com a mão direita confirmar da perpendicularidade e alinhamento da sua gravata de sede Pierre Cardin de cor azul cueca, sob uma camisa Givenchy imaculadamente branca (assim ditava a moda), de punhos dobrados seguros com botões de cristal, ajeitando com a mão esquerda de encontro a si uma pasta de pele de crocodilo e fechos dourados, para não incomodar uma secretária que se encontrava ao seu lado que envergava uma saia e casaco de cor cinzento antracite, com a lapela direita adornada por um enorme e fulgurante broche aparentando uma rosa estilizada. Sobressaíam do opulento peito arfante da senhora, imensos folhos brancos, tantos, que mais parecia uma couve flor antes de entrar na panela para ser cozinhada.

Assim que saiu do ascensor, o senhor primeiro-ministro começou a distribuir e retribuir bons-dias corteses à esquerda e à direita, para trás e para a frente, marchando com passo elástico cadenciado, enquanto ia deixando à sua passagem um rasto impregnado de um forte odor ligeiramente adocicado a perfume Paco Rabane.

Após entrar no seu amplo gabinete climatizado, alcatifado de pelo alto, quase até aos artelhos, com as paredes revestidas por madeira exótica e amplas vidraças a partir de onde relançou o seu olhar faiscando omnipotência por cima dos edifícios de betão barato decadente das redondezas até ao horizonte próximo semeado por uma miríade de barracas de tábuas cobertas de chapas de lata, onde vegetavam milhares de potenciais eleitores, o senhor primeiro-ministro recostou-se numa poltrona de coiro e debitou de rajada umas quantas cartas para um gravador portátil.

Pelo telefone interno intimou com ar autoritário para a sua secretária que laborava num gabinete contíguo lhe trazer café e bolachas. Em seguida começou a disputar afanosamente no computador, um jogo de estratégia on-line e deu uma vista de olhos pelos títulos dos periódicos da manhã que a sua subalterna submissa, diligentemente lhe trouxe com o pedido.

Chupou dos dedos o assucar das bolachas dando pequenos estalidos com a língua, puxando até à sua frente, desfolhou enfastiado uns dossiers com matéria para despacho que se encontravam pousados numa ponta da secretária e em seguida colocou-os na outra ponta da mesa sem mais delongas. Terminada tão ingente tarefa limpou as mãos a um toalhete húmido descartável para o efeito.

Agarrou furiosamente de novo o jogo on-line e nem deu pelo tempo passar.

Entrementes, o relógio que se encontrava a decorar a mesa de reuniões fez pi-pi, pi-pi, pi-pi, lembrando-lhe que era meio-dia, hora de almoço.

- Como o tempo passa! – Cogitou com grande esforço do intelecto o senhor primeiro-ministro.

Pontual e metódico desimpediu da zona da secretária que lhe ficava em frente, duas folhas A4 em branco e um jornal desportivo datado da véspera, colocou nela a sua mala de pele de crocodilo de onde tirou o único conteúdo desta; um molho de nabos. Sem os descascar, pôs-se tranquilamente a degluti-los incluindo a rama, até entrar na fase da ruminação com olhar bovino para além das vidraças do gabinete.

Era graças aos nabos que tragava diariamente, a essa iguaria em abundância na sociedade em geral e no seu partido em particular, que havia ascendido ao cargo de primeiro-ministro.

Pedro Pereira

 

 

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