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Notícias e Opinião do Concelho de Almeirim de Portugal e do Mundo
 

I - HISTÓRIAS DE ENCANTAR - OS MAREANTES

09-02-2018 - Pedro Pereira

Alcandorado numa alta escarpa que se precipitava sobre as profundezas do oceano, de semblante fechado e olhos semicerrados, sombreados pela aba desabada do chapéu de feltro andaluz, o Infante perscrutava o horizonte marítimo até onde a linha de água se irmanava com o azul do céu.

O rumorejar das vagas que vinham transformar-se em espuma branca de encontro ao promontório, misturava-se com o assobio sibilino do vento suão.

Já o sol havia mudado de quadrante no relógio de pedra plantado numa parede lateral carcomida pelas intempéries, de um antigo templo, quando ao longe se começaram a divisar velas brancas de uma caravela que de ora em vez se sumia de vista na cava de uma ou outra vaga mais alterosa.

Quando a Cruz de Cristo se divisou, enfim, o Infante pigarreou, expeliu de um jacto para o chão a gosma feita argamassa que se havia acumulado na garganta e disse com a sua famosa e inconfundível voz aflautada, para aqueles outros que o acompanhavam silenciosamente apreensivos desde há um ror de dias nas suas deambulações pela orla dos penhascos de riba mar:

- Quem porfia sempre alcança! - Obtendo como resposta, um fundo suspiro colectivo de alívio e um acenar de cabeças em sinal de assentimento.

Decorreram ainda quase três horas até a caravela arribar a porto seguro numa enseada a que chamavam… bem, isso embora não adiante muito à estória, podemos acrescentar, mas cá vai: era a enseada da Alcagoita. Tendo-se nesse meio tempo procedido aos preparativos de boas vindas aos argonautas que vinham dos confins do mundo nunca visto.

O sol encontrava-se no ocaso avermelhando o horizonte.

Fundeada que foi a âncora, dois escaleres foram baixados onde os marinheiros embarcaram remando vigorosamente rumo à praia. Gritos de exclamação e de alegria misturaram-se entre os que arribaram e os que se se quedavam por aquelas paragens.

A confraternização durou pela noite dentro em redor de fogueiras que crepitavam altas labaredas. Alegraram-se os corações e os corpos com as viandas e o vinho mais umas moçoilas liberais, produto indígena da região.

Para o fim da noite, não podendo mais conter a sua impaciência o Infante interrogou o capitão da nau que até aí e desde que tinha posto os coturnos na areia se mantinha estranhamente ensimesmado, exceptuando quando cumprimentou o Infante à chegada, vergando a cerviz:

- Afinal que novidades me trazeis? – Serão de tal monta desagradáveis que por tal razão vens mantendo a boca cerrada todo este tempo?

– Ao que o argonauta como que acordando de uma vaga letargia respondeu estremecendo com um indisfarçável frémito de pavor:

- Para lá do Bojador não passámos, meu senhor, e se mais longe não fomos em nossa demanda, foi porque entrementes uma tempestade medonha estalou, mar e céu desfizeram-se sobre nós e no meio da tormenta nos surgiu uma horrenda criatura, medonha, enorme, disforme no tamanho e de carão sinistro, que trovejando por cima das nossas cabeças berrou com voz tonitruante:

- Pobres criaturas… Não ouseis avançar neste mar que é meu, porque se o fizerdes rogo-vos como praga que a vossa nação seja para sempre conhecida nas sete partidas do mundo pelo «Portugal dos pequeninos».

- Esta é a razão porque estamos de volta sem termos ido mais além, meu Infante. Tememos pelo futuro da Nação. – Disse o capitão.

Não obstante este aviso, que acabou por não ser levado a sério pela corte, navegadores portugueses foram mais tarde e durante décadas, muito para além do Cabo Bojador às ordens de sucessivos monarcas.

O resto da estória já o leitor saberá…

Pedro Pereira

 

 

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