"AS VEZES LLEGAN CARTAS!"
26-01-2018 - Pedro Barroso
Por morte da Madalena Iglésias - que foi uma imensa senhora e cantava muito bem…- revi esta tarde o longínquo e suave star sistem de minha infância, um pouco ao minuto.
Havia uma rivalidade, transplantada das atrizes da revista à portuguesa e do teatro declamado. Uns eram fãs desta ou daquela. E nas cantoras, Maria Lourdes Resende, Maria José Valério, Júlia Barroso, Maria Clara, Maria Fátima Bravo, Simone, Mara Abrantes, Milu, etc eram sempre candidatas a “Rainhas da Rádio”.
E eles - o Artur Garcia, Antonio Calvário, o Humberto Castro, o Eduardo Nascimento, o Rui de Mascarenhas, o Max, António Mourão, Luís Piçarra, o Tony de Mattos, Artur Ribeiro, Francisco José, António Alvarinho, etc. eram os potenciais “Reis da Cançoneta na Radio”.
Havia eleições cerradas, com batota e tudo. Competição terrível - coisa de criar bicho! Revista Plateia, Crónica Feminina sei lá…
Ora eu vivi oito anos na Rua de Macau, em Lisboa; e estaria naquilo que na altura fosse o ilusório “apogeu” de alguma popularidade como cantor: Por temas e canções mais imediatas que corriam de boca em boca. Agora não interessa para a estória. Mas era conhecido por aí fora, sim senhor.
Ao mudar para ali, proveniente na origem do meu bairro lisboeta de São Bento … um belo dia, o carteiro ficou surpreso por o Pedro Barroso que ali fora parar ser …eu mesmo! Ou seja, o dito cujo, o cantor. E ao levar uma encomenda e conferir o nome, disse-me meio a sorrir “Bom, diacho de sina minha, já viu? Vá lá que o senhor pelo menos vive na cave, sempre é melhor…! Tinha de me calhar no giro outra vez a mesma desgraça. E coçou a cabeça…
Sorri cortesmente; mas não percebi; e também não liguei.
Mas o homem a cada dia, lá insistia. Eu intrigadíssimo. Muito fora do star sistem, via-se bem.
Afinal, o medo do homem, explicou-me num belo dia, era que agora lhe fosse acontecer o mesmo q quando tinha de alombar com sacos inteiros de cartas apaixonadas para o Rui de Mascarenhas! Que ao que parece, durante anos morara ali, mesmo em frente - nos intervalos de Paris, claro…- num 4º andar dos puxados! E que já era uma vedeta internacional!
Sorri. Percebia enfim, a preocupação. Quilos de papelada carregada de toneladas de afectos. Imagino. Mas não.
– “Esteja descansado. Não vejo assim as minhas fãs a escreverem-me tanto quilo de cartas! Isso era dantes!” - E ele, quase aliviado, soprou um agradecido:
- “Ainda bem, ainda bem… o Senhor não calcula o que eu suei por causa daquele homem!”
Risada plena. Descansei-o.
De facto não fazia ideia. Calculei, mas só a partir daquele momento. Outros tempos seriam, quase deliciosamente ingénuos. Mas já tinham decorrido muitos anos; uns 20! E sobretudo, com uma revolução pelo meio, trocando as prioridades. E as importâncias.
Alem disso, eu não vestia smoking, nem abria os braços a cantar “às dez não faltarás!” E para grande pena minha, também nunca vivi em Paris mais que 15 dias seguidos no máximo.
As coisas que eu fui lembrar. Eu próprio suspirei de alívio por esse tempo em que “ela apareceu e a beleza dela desde logo o prendeu”
E as pessoas acreditavam tanto que cantar era uma espécie de ser feliz por ser conhecido, talvez rico, quem sabe, talvez vagamente aparentado com o Sinatra.
Não era. Não é. Para mim nunca será.
Mas, agarrando num tema que fez furor na época do casal Caeiro e dos serões para trabalhadores – “Vocês sabem lá!”
Paz à mulher bonita, tranquila e um pouco outsider que foi a Madalena Iglésias. Anos depois enamorar-me-ia pela Barbara. Depois descobriria Brel, Brassens, Ferré, Ferrat…
E já agora uma palavra memoria também ao meu ex-vizinho Rui de Mascarenhas, que viveu o pleno do sistema de estrelato do mundo pequenino da nossa inefável rádio nacional cançonetista. E que o peso seja leve de todos os quilos q já ninguém recebe de declarações de amor sentidas e incompreendidas q subiram ao 4º andar, ao lombo do carteiro de quem também perdi o nome. Mas que tanto aliviei, por andar do outro lado desse planeta; muito longe da fama e do sorriso inclinado em pose, para capa da Crónica feminina nacional!
Mudam-se os tempos, mudam-se as cartas.
Pedro Barroso
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