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O estranhíssimo caso da proibição do croquete

05-01-2018 - Pedro Barroso

Obs.- Esta história de fascismo sanitário tem um fim triste, advirto já as almas mais condoídas e susceptíveis.

Era uma vez um croquete.

Era feito de carnes honradas e macias, temperado com saber e mestria, filho de uma cozinheira competente e uma sertã de bons alumínios, frito em óleos de girassol do Ribatejo, sem antecedentes criminais.

Cumpria a sua função de ajudar a saciar o ratito e envergonhar a fome. Um espécie tímida de lanche, a meio da tarde. Coisa que todos julgávamos fugir à norma determinante do controle publico-sanitário.

Por vezes, surgia também uma provocante patanisca, um queque convencido, ou um sugestivo pastel de arroz. Um sumo. Tudo porcarias, claro. Venenos identificados. Verdadeiros assassinos!

Ah, mas hoje, está previsto; nem eu - nem uma criança que visite o pai, o primo ou a avó no hospital...- não mais poderemos comer porcarias dessas.

Fim a todo este clima de relaxe cultural e de sórdida gula. Tudo banido por decreto.

Fantástico!

Mas continuemos, então.

Acusado de vício, o pobre excomungado croquete, olhou para mim.

Estava muito triste e envergonhado de sua tamanha e tão aberrante culpa. Disse-me que, provavelmente teria de emigrar para a tasca mais próxima, coitado. Pediu-me até, para nunca o esquecer e para um dia ir lá visita-lo. 

Nela passaria a ter coutada marginal, apenas servido a crónicos abusadores de colesterol e perigosos consumidores de minis, chamuças, rissóis, pregos e outras repelentes iguarias. Tudo coisas a pedir urgente proibição em nome da moral e da ordem pública!
Ali não. Um sítio publico; que escândalo.

Ao meu lado, cheguei a ver, espantado, uma criança pecaminosa e lambusona ter a diabética coragem de pedir ao pai um croissant e um leite com chocolate! Isto admite-se? 
O ambiente hospitalar merece respeito. Haja solidariedade com os doentes!
Eu, quando estou internado, como tudo; até o infeliz peixinho de 3ª, cozidinho sem sal.

Ora bem. E não se reclama. Tomara eu estar vivo! 

Portanto, quem nos visita tem obrigação de ser discreto. E não fazer provocações desnecessárias.

Mas voltando ao tal croquete emigrado, por difamação e má fama calórica. 
O pobre, após a ordem de expulsão que recebeu, como já disse, estava muito cabisbaixo e indignado. Pensei então no convite que me fizera e lá fui visitá-lo.

Queria confortá-lo, dada a quadra natalícia, em que sempre me sinto especialmente pródigo e esmoler, sobretudo no contacto com cabritos, gambas, polvos, pudins e outras iguarias, todas piedosas filhas de dêsnossenhor.

Proibido, vetado, o meu amigo croquete estaria decerto a sentir-se isolado, deprimido. Estava preocupado com isso. Entrei na tasquinha clandestino, de óculos escuros e chapéu tombado sobre o rosto. Sentia vergonha de frequentar um espaço assim, de pecado alternativo e tão publicamente proibido. E espreitei, com medo, confesso, do que fosse encontrar.

Afinal, apresentou-se nitidamente mais alegre, quente e robusto; gorducho, bronzeado, acabadinho de sair da fritadeira, perfumado, roladinho em pão ralado e visivelmente bem-disposto. Irresistível, mesmo. 

Gostou de me ver, sorriu-me. Mas o nosso namoro foi breve. Pisquei-lhe apenas o olho e disse-lhe que subisse ao balcão, quase envergonhado. Vinha tão feliz. Rebolava de gozo.
Foi depois que tudo aconteceu. Tragedia e vício. Drama passional. Confesso.

Ao mastigá-lo, ainda senti breves remorsos sanitário-depressivos. Mas apenas estava a fazer um favor de eutanásia anunciada a um amigo de longa data. 

Coisas do sado masoquismo. Há sempre pessoas que não compreendem. Mas soube-me bem agradar-lhe, triturando-o lentamente. Ambos gostámos, estou certo.

Tenho de reflectir sobre isto. Estas coisas preocupam-me. Juro que preocupam. 

Croquetes assim, nunca mais os vou encontrar na vida por aí. Maldito decreto. 

Choro de saudades. Afinal era amor.

Pedro Barroso

 

 

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