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DIÁLOGO DE RUA DA MINHA TERRA

22-09-2017 - Jorge Duarte

O fresco matinal nesta rua é o mesmo fresco de sempre, o mesmo cheiro, a mesma brisa. Mas esta manhã parecia melhor, talvez pela proximidade do Outono. Agora, o que não é o mesmo de sempre são as nossas preocupações, as nossas conversas nos nossos encontros cada vez mais ocasionais e menos entusiásticos.

Apesar de tudo, há dois braços antigos que se esforçam por erguer no mastro uma bandeira portuguesa, com a ternura de um gesto que parece feito pela primeira vez. Mas não, todos os dias ela ainda se ergue e se recolhe pelas mesmas mãos cansadas e trémulas.

- Isso é para quê, vizinho? Para toda a gente saber que esta é uma loja portuguesa?

- Não! É para toda a gente saber que não é uma loja chinesa!..

Ah! Estou a perceber... essas estão por todo o lado!

- E a casa de cima também é sua? É porque tem uma varanda com tantas flores e tão bem cuidadas… As flores, verde e vermelho, têm a mesma cor da bandeira. São malvas.

- Não é minha! É de uma vizinha que gosta muito de flores e como já está reformada tem muito tempo para cuidá-las; muito tempo é como quem diz…, há pouco, foi ela fazer uma entrega de alimentos a uma família amiga que há bem pouco tempo era rica e agora já não tem dinheiro para pagar nem a alimentação nem os IMIs. Vive da caridade dos amigos… Eu também já devia estar reformado mas estou aguentando isto porque não consigo nem fechar nem continuar. Não consigo fechar porque não tenho dinheiro para pagar aos fornecedores as facturas atrasadas e também não consigo continuar porque as despesas são mais do que as receitas; já despedi toda a gente – e só eu sei o que me custou. Agora, só estou eu.

- Pois, a actividade aqui no centro já não é nada. O que mais mexe é a recolocação dos pinos nos passeios que todos os dias aparecem partidos. E também a da polícia a multar carros… E os funerais na igreja da Alameda.

- Deixe lá, pode ser que isto melhore…

- Não melhora não! Foram muitas gerações antes da minha que com muito trabalho ergueram esta cidade; dizia-se até que era a cidade com mais comércio a sul do Tejo, mas bastou meia geração para dar cabo disto tudo. Agora é a mais deserta e a mais endividada. Já não há comércio, nem pessoas. Está tudo nos shoppings.

- E acha que há alguma coisa a fazer?

- Há! Procurar um sacerdote piedoso que dê a extrema unção a isto. E, ao mesmo tempo, que perdoe os pecados dos responsáveis porque a justiça civil também perdoará, como de costume.

- Bem, vizinho, vou às finanças pagar outra vez o selo do carro. Já o paguei e eles sabem-no, mas como não tenho o papel comprovativo, obrigam-me a pagá-lo duas vezes.

- Olhe, eu faço ao contrário do Estado: estou a vender os produtos a metade do preço.

- Até à vista!

Jorge Duarte

 

 

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