Edição online quinzenal
 
Quinta-feira 28 de Março de 2024  
Notícias e Opinião do Concelho de Almeirim de Portugal e do Mundo
 

AS CONTAS MÁGICAS DA SONANGOL

14-07-2017 - Rui Verde

A presidente do Conselho de Administração da Sonangol, Isabel dos Santos, apresentou, a 3 de Julho passado, as contas da Sonangol relativas ao ano de 2016. A acreditar na conferência de imprensa, o sucesso alcançado pela sua gestão só é comparável ao dos maiores gestores milagreiros do mundo.

Precisamente por se tratar de um milagre, de uma extraordinária revelação isabelina, o Maka Angola resolveu reportar este verdadeiro estudo de caso.

Sob forte contestação pública, a filha do presidente assumiu o controlo da Sonangol no segundo semestre de 2016. As contas que agora apresenta visam demonstrar a sua elevada competência, uma vez que, aparentemente, em apenas seis meses Isabel transformou um gigante atolado em dívidas e à beira da falência numa empresa lucrativa.

Vejamos, pois, essas contas.

Da leitura atenta do Relatório de Gestão e Contas Consolidadas de 2016 e das respectivas Notas às Demonstrações Financeiras ressaltam várias questões essenciais para as quais não se encontram respostas, e as informações estão envoltas numa redacção cheia de floreados e paráfrases, de interpretação intrincada.

Resultados líquidos e dúvidas nas contas

No relatório, destaca-se a queda radical – de 360 por cento – dos resultados líquidos da Sonangol em 2016 face a 2015.

Em 2015, os resultados líquidos foram de 47.1 biliões de kwanzas. Em 2016, os resultados baixaram para 13.2 biliões de kwanzas, ou seja, 3.6 vezes menos que no ano anterior.

Os resultados líquidos representam o valor ganho por uma empresa durante um ano, depois de descontadas as amortizações de equipamento, os custos (ordenados, juros, rendas) e liquidado o imposto sobre os lucros. São o valor final que sobra para os donos da empresa.

Tendo havido uma quebra significativa, perguntamo-nos: qual foi, afinal, a mais-valia da nova administração, se a anterior dava mais lucros?

Contas consolidadas

Esta questão remete-nos para a análise de dois outros factos constantes no relatório.

Primeiro, as contas da petrolífera nacional são consolidadas. Isto é, juntam várias empresas do grupo e respectivas realidades. Neste caso, o perímetro de consolidação foi estabelecido pelo Conselho de Administração. Sabemos que esse perímetro não é igual ao perímetro do ano anterior, o que dificulta as comparações entre 2015 e 2016. Basta mudar as empresas que estão dentro e fora do perímetro de consolidação para que os resultados sejam diferentes. Por exemplo, em 2015, as empresas A+B+C do Grupo Sonangol poderiam estar juntas na consolidação das contas. Imagine-se que as contas consolidadas davam prejuízos. Bastaria em 2016 juntar uma empresa D (lucrativa) ao perímetro de consolidação, para as contas darem lucro. As Notas às Demonstrações Financeiras esclarecem que em 2016, comparativamente ao perímetro de 2015, verificou-se a inclusão de mais sete empresas do grupo nas demonstrações consolidadas nomeadamente a Sonils – Sonangol Integrated Logistic Services, Lda., Inloc Limited, Sonangol Asia, Sonangol Limited, Sonangol Hong Kong Limited, Sonangol USA, Solo Properties.

Estas entradas serviram manifestamente para aumentar os activos e os capitais próprios.

De referir que também foram incorporados os Blocos FS/FST com participações de 80 por cento e 63.6 por cento respectivamente. Esta decisão explica um montante adicional de 92.6 milhões de kwanzas apresentado na linha Incorporação dos Blocos FS/FST. O impacto desta operação inclui, igualmente, o reconhecimento de um saldo a receber. Também aqui temos um aumento dos activos e saldos a crédito da Sonangol. Isto é, ambas as operações contabilísticas não reflectem qualquer facto material novo, mas adicionam activos e saldos positivos à Sonangol.

O segundo facto a analisar nas contas são as várias reservas levantadas pelos auditores. A primeira prende-se com as relações entre o Estado e a Sonangol. Há falta adequada de suportes documentais para justificar o trespasse de milhões e milhões de dólares da petrolífera para o Estado. Continua a haver um buraco negro para onde se encaminha muito dinheiro.


O Conselho de Administração da Sonangol: Paulino Jerónimo (esq.),
Isabel dos Santos, Eunice de Carvalho e Sarju Raikundalia.

Aqui temos o primeiro grande embuste que o presidente José Eduardo dos Santos criou para a Nação, ao nomear a sua filha para o Conselho de Administração da Sonangol. Fê-lo com base na anunciada criação de uma Agência Nacional de Petróleos, que assumiria as funções de reguladora do sector dos petróleos, enquanto a Sonangol assumiria estritamente as funções de concessionária nacional, e outras entidades de dedicariam à pesquisa, produção e operações petrolíferas. A confusão entre Estado, concessão, produção e operações no sector dos petróleos, com as consequentes transferências inexplicáveis de dinheiro, acabariam. No entanto, o presidente continua a alimentar a mesma confusão através da sua filha.

Esta confusão tem um claro perigo político para o qual já alertámos várias vezes. Nalgum momento depois da eleição de um novo presidente da República de Angola, Isabel dos Santos pode escudar-se na opacidade das relações Estado/Sonangol para deixar de fazer transferências financeiras da Sonangol para a República e com isso estrangular financeiramente o novo presidente.

Outro aspecto fundamental a relevar é a alteração da política contabilística referente ao reconhecimento dos activos físicos adquiridos pelos grupos empreiteiros no âmbito dos contratos de partilha e produção de petróleo. Esses activos passaram a ser incorporados na Sonangol como activos desta companhia e representam vários milhões de dólares. No entanto, não se consegue quantificar o valor desses activos. Note-se que estes activos não estavam no balanço anterior, tendo sido agora contemplados com avaliações não confirmadas.

Temos três elementos, para já, que só levantam dúvidas quanto à certeza das contas da Sonangol:

I) A mudança de perímetro de consolidação;

II) A falta de transparência nas relações com o Estado;

III) A inserção de novos activos. Nalguns casos, em montantes não determinados e/ou confirmados, noutros casos, como forma de aumento do activo e dos saldos credores.

A realidade da situação da Sonangol

Sobre as demonstrações financeiras em concreto, e tendo em conta as ressalvas acima feitas, da sua análise face a 2015 resulta o seguinte:

Em 2016, as entregas monetárias feitas pela Sonangol, enquanto “concessionária”, ao Estado diminuíram ligeiramente. Como é possível anunciar a melhoria de resultados ao mesmo tempo que se declara que as entregas ao Estado diminuíram?

Em 2016, os custos com o pessoal aumentaram. E aumentaram bastante, em mais de 16 por cento. Entretanto, Isabel dos Santos gabou-se do seu sucesso na redução de custos. Como?

Em 2016, os resultados líquidos diminuíram radicalmente, de 47 biliões de kwanzas para 13 biliões de kwanzas.

Desse modo, é possível anunciar uma melhoria dos resultados operacionais, que de facto aconteceu. Mas essa melhoria resultou de um ligeiro aumento das vendas e prestações de serviços, talvez decorrente do ligeiro aumento dos preços do petróleo a que se assistiu.

Evolução do preço do Petróleo 2015-2017.

Fonte Nasdaq

Se repararmos, em 2015 houve uma queda abrupta do preço do petróleo, que se estendeu pelo primeiro trimestre de 2016. A partir o preço subiu consistentemente até a um pico no final do ano de 2016. Possivelmente, e até certo ponto, esta subida explica a subida dos valores das vendas verificada em 2016 e que sustenta o anunciado aumento dos resultados operacionais.

Note-se que os custos operacionais foram sensivelmente superiores em 2016, não havendo a propalada redução.

Nestes termos, uma leitura crua das demonstrações financeiras não demonstra qualquer melhoria real na situação da Sonangol, mas apenas uma vulnerabilidade acentuada ao impacto do preço do petróleo e das negociações que lhe estão afectas.

A par da análise crua dos números, que não dizem aquilo que se propagandeou, chegaram-nos várias informações sobre a real situação financeira e o cumprimento dos compromissos por parte da Sonangol que confirmam as ressalvas acima feitas.

Não pagar para dar lucro

A Sonangol tem um grave problema de tesouraria e de capacidade de futuramente solver compromissos. Não paga os cash call, que são pedidos de dinheiro feitos pelos operadores de blocos petrolíferos aos outros proprietários não operadores, para suportar as despesas operacionais.

Como sabemos de fontes fidedignas, a Sonangol falhou mais de 500 milhões de dólares de cash call a um conjunto de três companhias: Total, BP e Chevron. À Cobalt terão falhado cerca de 170 milhões de dólares de cash call.

Bastaria ter cumprido estes pagamentos para que os resultados fossem completamente diferentes. Em última análise, bem se percebe, que o falhanço de pagamento de cash call, além de criar débitos acrescidos, pode levar à cessação das operações nos respectivos blocos.

Na prática, como dizia um dos seus responsáveis, a Sonangol está a ser financiada pelas empresas multinacionais estrangeiras à custa do “sangue dos operadores”. Não deixa de ser irónico que a empresa criada para combater “o imperialismo e o neocolonialismo económicos” acabe por ser financiada pelos seus supostos inimigos, 40 anos depois…

Os supostos resultados da Sonangol estão a ser financiados pelo aumento da dívida, e isso é simples de ver olhando para o balanço da empresa. Entre 2015 e 2016, o seu passivo a médio e longo prazo aumentou de 2.436 biliões de kwanzas para 2.6 biliões de kwanzas. E no passivo a curto prazo dá-se a explosão da dívida, de 1.3 biliões de kwanzas para 1.7 biliões de kwanzas. Um aumento de 27 por cento na dívida de curto prazo.

Sonangol enrola

Tendo referido a Cobalt, abordemos uma das situações mais enroladas da Sonangol, onde se mistura a falta de pagamento de cash call, designadamente dos blocos 20 e 21, com o diferendo resultante da “anulação” do acordo entre a Cobalt e a Sonangol.

Recordemos que a Sonangol, em Agosto de 2015, concordou em comprar os 40 por cento de participação da Cobalt nos blocos 21/09 e 20/11 em Angola por 1.75 bilião de dólares. Um ano depois, a patroa da Sonangol, Isabel dos Santos, opôs-se publicamente ao estabelecido, e ambas as empresas concordaram em vender a participação a terceiros. Nada aconteceu, nem sequer um entendimento útil entre as partes.

A 24 de Maio passado, advogados da Sonangol e da Cobalt encontraram-se em Londres para negociar uma saída do impasse. Do lado da Sonangol, conforme fontes da empresa, estavam dois advogados do escritório português Vieira de Almeida e Associados, Frederico Gonçalves Pereira e Miguel Pinto Cardoso. Ambos são especializados em contencioso e arbitragem e estão no topo da advocacia portuguesa.

Aparentemente, mal os norte-americanos fizeram várias propostas de resolução, os advogados portugueses limitaram-se a responder que tinham de consultar a PCA da Sonangol e regressariam no dia seguinte para dar continuidade à negociação. Simplesmente desapareceram sem dar cavaco, tendo deixado os norte-americanos perplexos com a falta de seriedade da presidência da Sonangol e dos seus representantes.

Não há cortes de custos com o pessoal

Outro tema muito focado na propaganda da empresa liderada por Isabel dos Santos são as reduções de custos com o pessoal. Já vimos que em termos agregados tal não aconteceu: os custos com o pessoal aumentaram acentuadamente em 2016.

Actualmente, não se vislumbra inversão dessa tendência. Corre o processo de extinção do Gabinete de Comunicação e Imagem para dar origem a duas novas direcções, de Comunicação e Marcas, e onde antes existiam 20 pessoas, estão previstas 60 pessoas, das quais 14 em cargos de chefia.

É a aposta na propaganda e no marketing.

Conclusão

Muito mais se poderia dizer sobre as contas e as reformas em curso na Sonangol, mas isto é suficiente para explicitar a real falta de transparência na maior empresa do país.

Com “papas e bolos se enganam os tolos”, parece ser o lema reinante na Sonangol. Mas as pessoas deixaram de ser tolas e não há papas nem bolos que as impeçam de perceber quando estão perante meras encenações. As contas da Sonangol são isso mesmo, uma encenação pouco astuta para efeitos de propaganda pré-eleitoral.

O suposto milagre de Isabel dos Santos, que em seis meses terá resolvido o caos da Sonangol e salvado a petrolífera da falência é falso. Trata-se de um mero truque barato de magia.

Fonte: Maka Angola

 

 

 Voltar

Subscreva a nossa News Letter
CONTACTOS
COLABORADORES
 
Eduardo Milheiro
Coordenador
Marta Milheiro
   
© O Notícias de Almeirim : All rights reserved - Site optimizado para 1024x768 e Internet Explorer 5.0 ou superior e Google Chrome