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O CENÁRIO DA EDUCAÇÃO NA REPÚBLICA

12-05-2017 - Pedro Pereira

Na senda dos artigos que temos vindo a publicar relativamente ao panorama do país nos alvores do século XX, com o objetivo de relembrar aos leitores um período charneira (que nos é próximo) da História de Portugal, de forma a dele retirarmos ilações no presente, vimos falar-vos hoje do tema que dá título a este texto.

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A questão educativa constituiu uma das principais preocupações dos políticos e pensadores do liberalismo de oitocentos em geral e dos republicanos em particular, resultando como medida prática uma série de actos administrativos de forma a dotar o País de um ensino público a fim de erradicar um dos maiores flagelos da sociedade portuguesa até então: o analfabetismo.

As reformas encetadas mostraram-se, no entanto, muito incipientes. Escolas Primárias muito aquém das necessidades e funções docentes pouco dignificadas.

Quando da implantação da República, o cenário do ensino em Portugal era verdadeiramente confrangedor. O Censo populacional de 1911 mostra-nos que 60,8% da população com mais de sete anos não sabia ler nem escrever, não obstante, desde 1835 que o ensino primário do Estado era gratuito, universal e obrigatório. O principal objecto desse ensino era a leitura e a escrita da língua portuguesa.

Os obreiros da República entendiam que essa mera transmissão de saberes tinha de passar à ação de «educar», formar mentalidades, criar vontades. Neste sentido, as mais importantes leis portuguesas de instrução elementar pertencem indiscutivelmente à ação dos maçons.

As universidades populares que surgiram um pouco por todo o país, foram igualmente transmissoras de saberes junto das classes trabalhadoras, as quais, por incapacidade financeira não podiam frequentar as universidades do Estado. Surgem no contexto de mudança do regime político (monarquia para a República), como alternativa ao ensino superior oficial de cariz enciclopédico. Tinham estas instituições por finalidade atingir o maior número de trabalhadores manuais e trabalhadores intelectuais, de forma a proporcionar aos seus espíritos horizontes mais vastos.

Os conferencistas eram especialistas voluntários não remunerados, a troco de quotas simbólicas pagas pelos alunos às respectivas instituições. Os textos e resumos das conferências eram publicados em fascículos distribuídos gratuitamente ou vendidos a baixo preço, actividade na qual irá desempenhar um papel de relevo uma associação literária fundada no Porto com o nome de: A Renascença Portuguesa, de inspiração maçónica.

A UNIVERSIDADE LIVRE

Esta Universidade foi fundada em Lisboa em 21 de Dezembro de 1912, por iniciativa da maçonaria, tendo contado entre os seus fundadores, o maçon Tomás Cabreira (Tomás António da Guarda Cabreira), o qual, nasceu em 1865 em Tavira e faleceu na Praia da Rocha em 4 de Dezembro de 1918.

Foi oficial do exército, tendo atingido o posto de Coronel em 27 de Abril de 1918. Formado em engenharia civil, foi Lente da Escola Politécnica, actual Faculdade de Ciências de Lisboa. Republicano e propagandista da República, cedo iniciou a sua atividade política.

Foi iniciado maçon, com o nome simbólico de Sólon, em 1893, na Loja Portugal, de Lisboa, formada só por oficiais do Exército e da Marinha, de onde irão sair os mais importantes elementos militares da Revolução do 5 de Outubro de 1910, vindo a pertencer mais tarde às Lojas Elias Garcia (1898), Comércio e Indústria (1898), Paz e Concórdia (1899) e Marquês de Pombal, a partir de 1907, todas de Lisboa.

A sessão pública inaugural decorreu no velho Coliseu da Rua da Palma, estando presente o Presidente da República Dr. Manuel de Arriaga, do qual havia sido discípulo Tomás Cabreira. A este acto compareceram igualmente, entre outras destacadas figuras públicas, professores das Universidades, Liceus, Escolas Técnicas e Ensino Primário, que aplaudiram o programa. O horário das aulas funcionava em regime pós-laboral, das 20 às 23 horas, de 2ª feira a sábado. Procuravam chegar junto de um maior número de indivíduos do que as Universidades do Estado o faziam, desvendando-lhes os segredos da Existência, ministrando ao mesmo tempo os estímulos da grandeza moral pela lição sublime colhida no significado integral dessa Existência. Tinha a sua sede na Praça Luís de Camões, n º 42 – 2º,em Lisboa.

Ao longo dos anos proporcionou aos milhares de alunos de todas as idades, sobretudo adultos, conferências e cursos entregues a alguns bons especialistas de várias áreas do saber que Portugal possuía então. Os cursos e conferências versavam os mais variados assuntos no campo das Ciências puras: Astronomia, Geologia, Paleontologia, Física, Matemática, Química, Biologia, Zoologia e Botânica e no das Ciências Sociais e Humanas, tais como: Pré-História, História, Sociologia, Economia, Contabilidade, Cálculo Financeiro, Línguas Vivas, Arte, música, etc..

A iniciativa da criação desta instituição ficou a dever-se, fundamentalmente, à LojaMontanha. De resto, esta Loja não era mais que uma das «faces legais» da Carbonária de onde saíram os seus principais obreiros, incluindo Luz de Almeida, o seu Grão-Mestre. A Universidade Livre publicou de 1914 a 1917, um Boletim mensal, além de uma dezena de opúsculos, reproduzindo os textos ou resumo das conferências proferidas entre 1912 e 1913. Este Boletim foi dirigido pelo maçon Alexandre Ferreira, o qual, em 1922, organizou o 1º Congresso Nacional de Educação Popular. A Universidade Livre criou sucursais em Coimbra em 1912 e na Figueira da Foz em 1933, muito embora ao longo da sua existência tivesse promovido e organizado cursos e conferências um pouco por todo o País, no que se inclui, naturalmente.

Por determinação governamental, na sequência da consolidação do Estado Novo e da ditadura, viu-se na contingência de ter de cessar as suas actividades em 26 de Março de 1935, legando todo o seu património à coletividade, A Voz do Operário, em Lisboa.

Se o baixo nível de instrução do nosso povo nos dias de hoje, no conjunto dos países comunitários, é preocupante, não será de estranhar que mais baixo fosse na altura da fundação da Universidade Livre, situação a que se refere um dos seus promotores em 1914, quando diz que em Portugal, país sui generis, onde o analfabetismo dos que sabiam ler, dos próprios diplomados, era apavorante, tais instituições (as Universidades Livres) seriam indispensáveis. O baixo nível de ensino que havia em Portugal foi, por conseguinte, outra das preocupações dos promotores da Universidade Livre. Outro dos seus fundadores escrevia ainda nesse ano: «Receámos, pois, que estabelecidos os cursos pós-escolares, se entregasse a organização dos programas respectivos a qualquer director-geral que, sendo, por exemplo, de Faro, só atendesse à necessidade da terra dos figos, sem olhar às condições e exigências especiais das outras regiões do País. Somos, repetimos, pelos cursos pós-escolares, mas preferíamos antes os cursos móveis que, venham com os nomes que quiserem, pregarão e predicarão sobre estes assuntos referentes a cada região e privativos daqueles em que, a cada região, digo funcionarem».

A UNIVERSIDADE POPULAR DE LISBOA

Esta Instituição foi criada em 1906 pela Maçonaria, através de Feio Terenas, com o objectivo de desenvolver o ensino popular pela educação dos cidadãos, através da organização de cursos livres, conferências, leituras, palestras, concertos, visitas a museus, fábricas e exposições, concursos, etc., seguindo o modelo de associações estrangeiras congéneres. A Universidade Popular encontrava-se filiada na Liga Nacional de Instrução, instituição fundada pela Maçonaria em 1907. Visava formar operários manuais e trabalhadores intelectuais.

Após 1910 a Universidade Popular conheceu um período de reorganização e intensificação de atividades. Em Outubro de 1911, foi publicado o seu plano de estudos por iniciativa de uma comissão promotora de que faziam parte, entre outros, Sebastião de Magalhães Lima (presidente), João de Barros, Carneiro de Moura, Tomás Cabreira, etc., todos eles maçons. A primeira Universidade Popular activa surgiu no Porto em 1912. Segue-se em Setúbal e noutras localidades. Em 1921/22 publicou uma revista intitulada, A Educação Popular. Muito embora perseguida pelo Estado Novo, conseguiu sobreviver até 1950, legando todo o seu património à coletividade, A Voz do Operário.

A ESCOLA OFICINA N º 1

Nascida à sombra das relações entre o movimento operário português de expressão anarco-sindicalista e a educação com base nas práticas educativas libertárias do princípio do século em Portugal e, a partir do conhecimento de experiências pedagógicas inovadoras além-fronteiras, nomeadamente daquelas que decorriam na Europa e na América, a Escola Oficina n º 1, surgida a partir da Sociedade Promotora de Asylos, Creches e Escolas, irá dar corpo ao que poderemos chamar de modelo educativo libertário, tendo como pano de fundo a Educação Nova, realçando o papel da criança em situação educativa, ultrapassando o decadente modelo de ensino oficial saído do período da industrialização.

Apoiando-se segundo um projecto pedagógico aproximado ao ideal da escola consciencializada pelos anarcossindicalistas e livres-pensadores da época, a Escola Oficina n .º 1 vai assumir-se em Portugal como pioneira de uma nova concepção de ensino, que procurava aliar o ensino manual ao ensino moral. Proporcionava aos seus alunos aulas de Português, Francês, Geografia, Sociologia, Aritmética, Física, Ciências Naturais, Desenho, modelação de barro e construção de mobiliário.

A criança era deixada completamente à vontade. Não existia o terror do mestre ou o decorar do livro. Os alunos davam frequentes passeios fora da Escola para contacto com a natureza e outras visitas de estudo. A Escola Oficina n º1 foi fundada em Lisboa em 1905 pela Maçonaria, ficando a iniciativa a dever-se às Lojas Sementeira e José Estêvão.Em 1941, o Estado proibiu oficialmente a coeducação (sexos em conjunto) e deixou de a subsidiar. Lutando com dificuldades cada vez maiores, gradualmente foi-se distanciando dos objectivos dos seus criadores, decaindo progressivamente. Optou pelo ensino de raparigas, ficou reduzida a escola primária e encerrou as suas oficinas.

Pedro Pereira

 

 

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