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TRANSPORTES

05-05-2017 - Henrique Pratas

A propósito do texto publicado no último Noticias de Almeirim com o título “Transtejo admite que oferece serviço degradado à população” da autoria de Ana Sofia Freitas, pensei em escrever um texto mais alargado e que envolvesse todo o tipo de transportes, porque também eu trabalhei numa empresa de transportes públicos de pessoas e de mercadorias, na altura com cerca de 15.000, trabalhadores, transportando pessoas e mercadorias dentro do espaço nacional e internacional, mas com a garantia de uma prestação de serviço público de qualidade, com frota devidamente qualificada e com a manutenção devida, porque as pessoas devem ser transportadas em condições de segurança e de conforto.

Para que esse conforto e segurança exista é necessária que a manutenção programada nas viaturas se faça e os relatórios diários que os motoristas fazem sobre o comportamento e o estado das mesmas fosse tomado em conta, para que os trabalhadores da parte oficinal tomassem as devidas providências, isto foi assim durante 10 anos, o tempo que lá estive. Durante esse período de tempo os transportes chegavam a todos os lugares e serviam a população, certamente que alguns não o foram com a qualidade que desejávamos, mas o País e as pessoas não ficaram parados por falta de transportes, com grande esforço quer do material circulante quer das sua tripulações sempre se tentou satisfazer as necessidades da população, só que muitas vezes os nossos Governantes e Presidentes da empresa oriundos dos partidos do arco da Governação (PS+PSD+(PSD+CDS=AD) fizeram tudo para que tal não acontecesse apesar do esforço que todos os trabalhadores fizeram para que este objetivo fosse alcançado. As forças de um lado e de outro confrontaram-se várias e bastas vezes, porque a empresa fazia parte integrante de cada um dos trabalhadores, posso escrever que a maior parte dos trabalhadores considerava a empresa como sua e assumiam-no tentando prestar um serviço de qualidade, tanto quanto os meios que lhe colocavam à disposição o permitiam. Muitas vezes e através de boicotes concertados, os autocarros vinham para a via pública sem as devidas condições para poderem circular em condições, posso-lhes escrever que algumas viaturas circularam sem travões, mas sempre os motoristas eram avisados para circularem com cuidado, para utilizarem mais a caixa de velocidades e tomarem todas as precauções necessárias para que não ocorressem acidentes, felizmente que isto nunca aconteceu, mas arriscou-se para se servir convenientemente as populações, porque a Administração o que queria era cortar em despesas de manutenção, apesar de um dia eu ter realizado uma auditoria a um Centro Operacional e ter detetado que uma caixa de velocidades nova, SCANIA, tinha sido paga e quando fui verificar onde parava, não a encontrei nem no armazém das peças novas, nem sequer tinha sido aplicada em nenhuma viatura, acham estranho, não acham, eu também na altura, mas de imediato percebi o que se tinha passado, o dinheiro tinha ido parar a outro lado que não na aquisição da referida caixa de velocidades esse, lado foi nem mais nem menos que a conta bancária do Diretor de Centro que andava a construir uma vivenda. Admiram-se, então conto-lhes outra, tivemos um Administrador que era o representante de uma marca de pneus, que julgo já não existir em Portugal e que era a AVON e posso-lhes escrever que a partir de uma determinada altura os autocarros só “podiam” circular com aquela marca de pneus que oferecia poucas ou nenhumas garantias aos motoristas e aos passageiros, mas como estávamos ao nível da negociata, isto foi imposto. Motoristas houve que se recusaram a sair com autocarros com aquela marca de pneus, pelas razões que vos indiquei. Sofreram represálias dando-lhes serviços bastante ingratos e desgastantes, como castigo à recusa de não se colocarem a jeito para o que queriam fazer.

Mais posso-lhes ainda contar um outro episódio que é de deitar as mãos à cabeça, um senhor Secretário de Estado dos Transportes e Comunicações de um Governo PSD, obrigou a empresa a ir comprar autocarros da marca SCANIA ao Brasil e porque é que isso aconteceu se os mesmos autocarros eram mais baratos no País que os fabricava, a Suécia. Negócios que se fizeram e que têm rasto, mas que ninguém quis pegar neles porque não interessava, a permissividade vêm desde esses tempos meados dos anos 85.

A partir daí foi sempre a trabalhar no sentido de criar condições para que privados comprassem a empresa ao preço da uva mijona, através de utilizarem os órgãos de comunicação social, degradando e delapidando a imagem e o serviço que a empresa prestava, que lhes pagava o vencimento.

A degradação do serviço prestado vem daí começou a “apertar” com os motoristas, a cortar na manutenção e restantes serviços para que ficasse apenas o “lombo” sem osso de nenhuma espécie para que os privados lhe deitassem o dente sem grandes custos e se permitissem comprar a preços perfeitamente irrisórios autocarros com 20 anos de rodagem noutros Países nomeadamente na Alemanha, para que começassem a operar no mercado sem o mínimo que qualidade e de segurança e paulatinamente foram tomando conta da empresa, prestando um serviço de péssima qualidade sem que as pessoas se apercebessem do que estava a acontecer ou aperceberam-se e não disseram ou fizeram nada como de costume.

Gostaria de fazer alusão a que já naquela altura nós possuímos técnicos da área oficinal que se deslocavam com carrinhas devidamente apetrechadas para o efeito, para que se fizesse a designada manutenção preventiva, isto é, antecipar possíveis avarias através de testes realizados aos centros nevrálgicos de funcionamento de um autocarro, antecipavam-se muitas avarias e minimizavam-se custos, era assim que trabalhávamos, muito a contra gosto da Administração que apenas tinha um objetivo cego, entregar aos privados aquela área de negócio. Muitas atrocidades foram cometidas, dava para com os testemunhos de alguns companheiros de trabalho meu nos propormos a fazer esse levantamento, mas ainda nos dias de hoje não gostamos de falar muito disso porque uma parte de nós morreu com a empresa porque a considerávamos como nossa e o nosso objetivo foi sempre o de prestar um melhor serviço ao público, não o conseguimos fazer até ao fim porque entretanto quem tinha as “responsabilidades” de gerir a empresa, começou a cortar com as carreiras que não eram rentáveis e concomitantemente começou a informar o Governo de que a empresa não precisava de dinheiros do Estado (indemnizações compensatórias). Independentemente disso, conseguimos, que a empresa no primeiro ano não desse prejuízo, chegámos ao final do ano com um resultado equilibrado, independentemente de aceitarmos os passes sociais e módulos, como meio de acesso ao transporte público de passageiros.

Em relação ao transporte de mercadorias a situação ocorreu da mesma forma, nós possuímos uma boa qualidade de prestação de serviço que foi sucessivamente delapidada pela Administração da empresa com o intuito de os serviços prestados passarem para outros operadores que entretanto emergiram no mercado, tendo uns já desaparecido e outros estão no mercado utilizando meios selvagens de funcionamento, obrigando motoristas a fazer entregas em curto espaço de tempo e em longas distâncias sem descansar o mínimo de horas recomendáveis e a frota colocada à disposição para estas tarefas com pouca qualidade e condições de trabalho. Por isso se assiste no nosso País ao aparecimento de operadores privados que dão tudo o que têm e não têm, dão praticamente a sua força de trabalho e a camião que compram com maiores ou menores dificuldades e que têm que fazer tudo, por tudo para que consigam pagar o camião e simultaneamente usufruírem dos parcos rendimentos que possam obter.

Dificultou-se a vida a todos aos trabalhadores dos transportes e aos passageiros aos primeiros porque viram reduzidas as suas retribuições do trabalho duro que lhes é exigido, acabou-se com o acordo de empresa que regulamentava a atribuição de remunerações em dinheiro e direitos que entretanto foram conseguidos e que permitiam que estes tivessem o mínimo de condições para o exercício das suas funções. Relativamente aos passageiros, viram-se confrontados com uma qualidade de transporte pior feita em autocarros que não ofereciam o mínimo de condições de segurança e paulatinamente os passes sociais aumentaram, os módulos de transporte também e o acesso ao transporte público de passageiros em muitas regiões do País pura e simplesmente acabou, a alternativa que as pessoas têm é deslocar-se de táxi, que entretanto proliferam no País até há exaustão e que agora se veem confrontados com falta de serviços e de muitos proprietários deste tipo de veículos se virem obrigados a venderem as suas licenças. Isto foi outro dos negócios que neste País se desenvolveu em exponencial e encontramos muitas pessoas que conseguiram “arranjar” alvarás e que têm pessoas a trabalhar com as referidas viaturas que não reúnem o mínimo de condições para que operem com as mesmas, pautam-se pela má educação e pela falta de profissionalismo, mas este assunto dará com certeza para escrever um outro texto onde abordarei as teias que esta atividade especulativa teceu.

Mas voltando ao pretexto que me levou a escrever este texto, o País não tem dimensão para ter tantas empresas de transporte como as que tem e a juntar a isto há que contar com a quantidade de autocarros que os Municípios compraram para uma a duas vezes por mês, fazerem transportar, o grupo de teatro, o rancho folclórico, ou os munícipes em breves e curtos passeios, porque o dinheiro não abunda.

Falam tanto em desperdício e não conseguem ver estas coisas o que são os autocarros que o Municípios, se não desperdício, se pensarmos um pouco um autocarro hoje em dia deve custar no mínimo 100.000, 00 €, como é que um Município consegue rentabilizar um Investimento deste montante, é óbvio que não consegue, porque o autocarro não faz saídas suficientes nem os quilómetros necessários para que ocorra um retorno financeiro de forma a recuperar o Investimento que se fez, dir-me-ão, mas há que ter em linha de conta o aspeto social que não é quantificável, si têm toda a razão mas a solução não é esta.

O nosso País é demasiado pequeno para que existam tantas empresas de transporte, bastava que existisse uma única empresa de transportes públicos e que fosse gerida de forma a prestar um serviço de qualidade a todos os cidadãos deste País qualquer que seja as localidades onde vivam, uma gestão rentável dos transportes públicos é possível desde que se ponham os interesses dos cidadãos à frente de outros interesses, individuais, políticos ou outros que cariz individual que não tenha em conta o interesse coletivo.

Uma empresa de natureza pública não terá que dar prejuízo, se for bem gerida, de forma independente e sem ser politicamente invadida, os critérios de gestão devem ser puramente técnicos e com o objetivo final de uma prestação de serviços a toda a população, a preços que sejam adequados e que a mesma não tenha prejuízo.

Isto é possível desde que queiramos e assim teremos de certeza uma melhor qualidade de prestação de serviços, acompanhada de uma maior abrangência de locais mais recônditos deste País onde teremos um melhor serviço, onde as condições de acessibilidade sejam satisfeitas na sua plenitude.

Henrique Pratas

 

 

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