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A FAMÍLIA (12)

28-04-2017 - Henrique Pratas

E, em terceiro lugar, as mulheres, entre os germanos, gozavam da mais elevada consideração e exerciam grande influência, até nos assuntos públicos — o que é diametralmente oposto à supremacia masculina da monogamia. Todos estes são pontos nos quais os germanos estão quase inteiramente de acordo com os espartanos, entre os quais, conforme vimos, também não tinha desaparecido de todo o matrimónio sindiásmico. Assim, desse ponto-de-vista, igualmente, aparecia com os germanos um elemento inteiramente novo, que se impôs em âmbito mundial. A nova monogamia que resultou da mistura dos povos, entre as ruínas do mundo romano, revestiu a supremacia masculina de formas mais suaves e deu às mulheres uma posição muito mais considerada e livre, pelo menos aparentemente, do que as que ela já tivera na idade clássica. Graças a isso foi possível, a partir da monogamia — em seu seio, a seu lado, ou contra ela, segundo as circunstâncias —, o maior progresso moral que lhe devemos: o amor sexual individual moderno, anteriormente desconhecido no mundo.

Mas, devia-se este progresso, seguramente, à circunstância de viverem os germanos ainda sob o regime da família sindiásmica, e de terem levado à monogamia, da forma que puderam, a situação da mulher correspondente à da família sindiasmica; não se devia, de modo algum, à legendária e maravilhosa pureza de costumes ingénita nos germanos, a qual se reduzia ao fato de que, na prática, o matrimónio sindiásmico não revela as mesmas agudas contradições morais da monogamia. Pelo contrário, em suas migrações, particularmente ao sudeste, em direção às estepes do Mar Negro, povoadas por nómades, os germanos sofreram sensível decadência do ponto-de-vista moral, adquirindo desses nómades, além da arte da equitação, feios vícios antinaturais, sobre os quais temos os testemunhos expressos de Amiano, quanto aos taifalienses, e de Procópio, quanto aos hérulos.

Mas se a monogamia foi, de todas as formas de família conhecidas, a única em que se pôde desenvolver o amor sexual moderno, isso não quer dizer, de modo algum, que ele se tenha desenvolvido de maneira exclusiva, ou ainda preponderante, sob forma de amor mútuo dos cônjuges. A própria natureza da monogamia, solidamente baseada na supremacia do homem, exclui tal possibilidade. Em todas as classes históricas ativas, isto é, em todas as classes dominantes, o matrimónio continuou sendo o que tinha sido desde o matrimónio sindiásmico, coisa de conveniência, arranjada pelos pais. A primeira forma do amor sexual aparecida na história, o amor sexual como paixão, e por certo como paixão possível para qualquer homem (pelo menos das classes dominantes), como paixão que é a forma superior da atração sexual (o que constitui precisamente seu caráter específico), essa primeira forma, o amor cavalheiresco da Idade Média, não foi, de modo algum, amor conjugal. Longe disso, na sua forma clássica, entre os provençais, voga a todo pano para o adultério, que é cantado por seus poetas. A flor da poesia amorosa provençal são as albas (em alemão Tagelieder — cantos do alvorecer). Pintam, com vivas cores, como o cavaleiro deita com sua amada, mulher de outro, enquanto na rua permanece um vigia, que o chama quando começa a clarear a madrugada (alba), para que possa escapar sem ser visto. A cena da separação é geralmente o ponto culminante do poema. Os franceses do norte e os nossos valentes alemães adotaram este gêénero de poesia e, ao mesmo tempo, o amor cavalheiresco que lhe corresponde; o nosso antigo Wolfram von Eschenbach deixou sobre este sugestivo tema três encantadores Tagelieder, que prefiro aos seus três longos poemas épicos.

O casamento burguês assume duas feições, em nossos dias. Nos países católicos, agora, como antes, os pais são os que proporcionam ao jovem burguês a mulher que lhe convém, do que resulta naturalmente o mais amplo desenvolvimento da contradição que a monogamia encerra: heterismo exuberante por parte do homem e adultério exuberante por parte da mulher. E se a Igreja Católica aboliu o divórcio, é provável que seja porque terá reconhecido que contra o adultério, como contra a morte, não há remédio que valha. Nos países protestantes, ao contrário, a regra geral é conceder ao filho do burguês mais ou menos liberdade para procurar mulher dentro da sua classe; por isso, o amor pode ser até certo ponto a base do matrimónio, e assim se supõe sempre que seja, para guardar as aparências, o que está muito de acordo com a hipocrisia protestante. O marido já não pratica o heterismo tão frequentemente e a infidelidade da mulher é mais rara, mas, como em todas as classes de matrimónio, os seres humanos continuam sendo o que eram antes, e como os burgueses dos países protestantes são, em sua maioria, filisteus, essa monogamia protestante vem a dar, mesmo tomando o termo médio dos melhores casos, em um aborrecimento mortal, sofrido em comum, e que se chama felicidade doméstica. O melhor espelho destes dois tipos de matrimónio é a novela: a novela francesa, para a maneira católica; a novela alemã, para a protestante. Em ambos os casos, o homem "consegue o seu"; na novela alemã, o jovem consegue a moca; na novela francesa, o marido ganha um par de cornos. Qual dos dois sai pior recompensado? Nem sempre é possível dizê-lo. Por isso, o clima de aborrecimento da novela alemã inspira aos leitores da burguesia francesa o mesmo horror que a "imoralidade" da novela francesa inspira ao filisteu alemão, embora nesses últimos tempos, desde que "Berlim está se tornando uma grande capital", a novela alemã começou a tratar um pouco menos timidamente o heterismo e o adultério, bem conhecidos ali há já bastante tempo.

Mas, em ambos os casos, o matrimónio baseia-se na posição social dos contraentes e, portanto, é sempre um matrimónio de conveniência. Também nos dois casos, esse matrimónio de conveniência se converte, com frequência, na mais vil das prostituições, às vezes por parte de ambos os cônjuges, porém, muito mais habitualmente, por parte da mulher; esta só se diferencia da cortesã habitual pelo fato de que não aluga o seu corpo por hora, como uma assalariada, e sim que o vende de uma vez, para sempre, como uma escrava. E a todos os matrimónios de conveniência cai como uma luva a frase de Fourier:

"Assim como em gramática duas negações equivalem a uma afirmação, de igual maneira na moral conjugal duas prostituições equivalem a uma virtude."

Nas relações com a mulher, o amor sexual só pode ser, de fato, uma regra entre as classes oprimidas, quer dizer, em nossos dias, o proletariado, estejam ou não estejam autorizadas oficialmente essas relações. Mas, desaparecem também, nesses casos, todos os fundamentos da monogamia clássica. Faltam aqui, por completo, os bens de fortuna, para cuja conservação e transmissão por herança foram instituídos, precisamente, a monogamia e o domínio do homem; e, por isso, aqui também falta todo o motivo para estabelecer a supremacia masculina. Mais ainda, faltam até os meios de consegui-lo: o direito burguês, que protege essa supremacia, só existe para as classes possuidoras e para regular as relações destas classes com os proletários. Isso custa dinheiro e, por força da pobreza do operário, não desempenha papel algum na atitude deste para com sua mulher. Neste caso, o papel decisivo cabe a outras relações pessoais e sociais. Além disso, sobretudo desde que a grande indústria arrancou a mulher ao lar para atirá-la ao mercado de trabalho e à fábrica, convertendo-a, frequentemente, em sustentáculo da casa, ficaram desprovidos de qualquer base os restos da supremacia do homem no lar proletário, excetuando-se, talvez, certa brutalidade no trato com as mulheres, muito arreigada desde o estabelecimento da monogamia. Assim, pois, a família do proletário já não é monogâmica no sentido estrito da palavra, nem mesmo com o amor mais apaixonado e a fidelidade mais absoluta dos cônjuges, e apesar de todas as bênçãos espirituais e temporais possíveis. Por isso, o heterismo e o adultério, eternos companheiros da monogamia, desempenham aqui um papel quase nulo; a mulher reconquistou, na prática, o direito de divórcio e os esposos preferem se separar quando já não se podem entender um com o outro. Resumindo: o matrimónio proletário é monogâmico no sentido etimológico da palavra, mas de modo algum no seu sentido histórico.

Certamente os nossos jurisconsultos acham que o progresso da legislação vai tirando cada vez mais às mulheres qualquer razão de queixa. Os sistemas legislativos dos países civilizados modernos vão reconhecendo, progressivamente, que, em primeiro lugar, o matrimónio, para ser válido, deve ser um contrato livremente firmado por ambas as partes, e, em segundo lugar, que durante a sua vigência as partes devem ter os mesmos direitos e deveres. Se estas duas condições fossem realmente postas em prática, as mulheres teriam tudo aquilo que podem desejar.

Essa argumentação — tipicamente jurídica — é exatamente a mesma de que se valem os republicanos radicais burgueses para dissipar os receios dos proletários. Supõe-se que o contrato de trabalho seja livremente firmado por ambas as partes. Mas considera-se livremente firmado desde o momento em que a lei estabelece no papel a igualdade de ambas as partes. A força que a diferença de situação de classe dá a uma das partes, a pressão que esta força exerce sobre a outra, a situação económica real de ambas; tudo isso não interessa à lei. Enquanto dura o contrato de trabalho, continua a suposição de que as duas partes desfrutam de direitos iguais, desde que uma ou outra não renuncie expressamente a eles. E, se a situação económica concreta do operário o obriga a renunciar até à última aparência de igualdade de direitos, a lei — novamente — nada tem a ver com isso.

Artigo Parte 12

Continua na próxima semana

 

 

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