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A Família (9)

07-04-2017 - Henrique Pratas

Dessa forma, pois, as riquezas, à medida que iam aumentando, davam, por um lado, ao homem uma posição mais importante que a da mulher na família, e, por outro lado, faziam com que nascesse nele a ideia de valer-se desta vantagem para modificar, em proveito de seus filhos, a ordem de herança estabelecida. Mas isso não se poderia fazer enquanto permanecesse vigente a filiação segundo o direito materno. Esse direito teria que ser abolido, e o foi. E isto não foi tão difícil quanto hoje nos parece. Tal revolução — uma das mais profundas que a humanidade já conheceu — não teve necessidade de tocar em nenhum dos membros vivos da génese. Todos os membros da génese puderam continuar sendo o que até então haviam sido. Bastou decidir simplesmente que, de futuro, os descendentes de um membro masculino permaneceriam na génese, mas os descendentes de um membro feminino sairiam dela, passando à génese de seu pai. Assim, foram abolidos a filiação feminina e o direito hereditário materno, sendo substituídos pela filiação masculina e o direito hereditário paterno. Nada sabe a respeito de como e quando se produziu essa revolução entre os povos cultos, pois isso remonta aos tempos pré-históricos. Mas os dados reunidos, sobretudo por Bachões, acerca dos numerosos vestígios do direito materno, demonstram plenamente que tal revolução ocorreu; e com que facilidade, verificamo-lo em muitas tribos índias onde acaba de efetuar-se, ou se está realizando, em parte pelo influxo do incremento das riquezas e modificação no gênero de vida (migração dos bosques para os prados), em parte pela influência moral da civilização e dos missionários. De oito tribos do Missúri, seis estão regidas pela linhagem e ordem de herança masculinas, duas pelas femininas. Entre os schawnees, os miamies e os delawares adotou-se o costume de dar aos filhos um nome pertencente à génese paterna, para fazê-los passar a esta, a fim de poderem herdar de seu pai.

"Casuística inata nos homens a de mudar as coisas mudando-lhes os nomes! E achar saídas para romper com a tradição sem sair dela, sempre que um interesse direto dá o impulso suficiente para isso" (Marx).

Resultou daí uma espantosa confusão, que só podia ser remediada — e parcialmente o foi — com a passagem ao patriarcado.

"Esta parece ser a transição mais natural" (Marx).

Quanto ao que os especialistas em Direito Comparado podem dizer-nos sobre o modo como se deu essa transição entre os povos civilizados do Mundo Antigo — quase tudo são hipóteses —, veja-se Kovalévski, Quadro das Origens e da Evolução da Família e da Propriedade, Estocolmo, 1890.

O desmoronamento do direito materno, a grande derrota histórica do sexo feminino em todo o mundo. O homem apoderou-se também da direção da casa; a mulher viu-se degradada, convertida em servidora, em escrava da luxúria do homem, em simples instrumento de reprodução. Essa baixa condição da mulher, manifestada sobretudo entre os gregos dos tempos heroicos e, ainda mais, entre os dos tempos clássicos, tem sido gradualmente retocada, dissimulada e, em certos lugares, até revestida de formas de maior suavidade, mas de maneira alguma suprimida. O primeiro efeito do poder exclusivo dos homens, desde que se instaurou, observamo-lo na forma intermediária da família patriarcal, que surgiu naquela ocasião. O que caracteriza essa família, acima de tudo, não é a poligamia, da qual logo falaremos, e sim a

"organização de certo número de indivíduos, livres e não livres, numa família submetida ao poder paterno de seu chefe. Na forma semítica, esse chefe de família vive em plena poligamia, os escravos têm uma mulher e filhos, e o objetivo da organização inteira é o de cuidar do gado numa determinada área."

Os traços essenciais são a incorporação dos escravos e o domínio paterno; por isso a família romana é o tipo perfeito dessa forma de família. Em sua origem, a palavra família não significa o ideal — mistura de sentimentalismo e dissensões domésticas — do filisteu de nossa época; — a princípio, entre os romanos, não se aplicava sequer ao par de cônjuges e aos seus filhos, mas somente aos escravos. Famulus quer dizer escravo doméstico e família é o conjunto dos escravos pertencentes a um mesmo homem. Nos tempos de Gaio, a família "id est patrimonium" (isto é, herança) era transmitida por testamento. A expressão foi inventada pelos romanos para designar um novo organismo social, cujo chefe mantinha sob seu poder a mulher, os filhos e certo número de escravos, com o pátrio poder romano e o direito de vida e morte sobre todos eles.

"A palavra não é, pois, mais antiga que o férreo sistema familiar das tribos latinas, que nasceu ao introduzirem-se a agricultura e a escravidão legal, depois da cisão entre os gregos e latinos arianos."

E Marx acrescenta:

"A família moderna contém, em germe, não apenas a escravidão (servitus) como também a servidão, pois, desde o começo, está relacionada com os serviços da agricultura. Encerra, em miniatura, todos os antagonismos que se desenvolvem, mais adiante, na sociedade e em seu Estado."

Esta forma de família assinala a passagem do matrimónio sindiásmico à monogamia. Para assegurar a fidelidade da mulher e, por conseguinte, a paternidade dos filhos, aquela é entregue, sem reservas, ao poder do homem: quando este a mata, não faz mais do que exercer o seu direito.

Com a família patriarcal, entramos no domínio da História escrita, onde a ciência do Direito Comparado nos pode prestar grande auxílio. Efetivamente, essa ciência nos permitiu aqui fazer importantes progressos. A Máxím Kovalévski (Quadro das Origens e da Evolução da Família e da Propriedade, Estocolmo, 1890, págs. 60-100), devemos a ideia de que a comunidade familiar patriarcal (patriarchalische Hausgenossenchaft), conforme ainda existe entre os sérvios e os búlgaros com o nome de zádruga (que pode traduzir-se mais ou menos por confraternidade) ou bratstwo (fraternidade) e, sob uma forma modificada, entre os orientais, constituiu o estágio de transição entre a família de direito materno — fruto do matrimónio por grupos — e a monogamia moderna. Isso parece provado, pelo menos quanto aos povos civilizados do Mundo Antigo, os árias e os semitas.

A zádruga dos eslavos do sul constitui o melhor exemplo ainda existente de uma comunidade familiar dessa espécie. Abrange muitas gerações de descendentes de um mesmo pai, os quais vivem juntos, com suas mulheres, sob um mesmo teto; cultivam suas terras em comum, alimentam-se e vestem-se de um fundo comum e possuem coletivamente a sobra dos produtos. A comunidade está sujeita à administração superior do dono da casa (domàcin), que a representa ante o mundo exterior, tem o direito de alienar as coisas de menor valor, movimenta as finanças, é responsável por elas, tal como pela boa marcha dos negócios. É eleito, e para isso não precisa ser o de mais idade. As mulheres e o trabalho das mesmas estão sob a direção da dona da casa (domàcica), que costuma ser a mulher do domàcin. Esta, igualmente, tem voz e amiúde decisiva — na escolha de maridos para as jovens solteiras. Porém o poder supremo pertence ao conselho de família, à assembleia de todos os adultos da comunidade, homens e mulheres. Perante esta assembleia, o chefe de família presta contas, e é ela que resolve as questões importantes, ministra justiça entre todos os membros da comunidade, decide sobre as compras e vendas mais importantes, sobretudo as de terras, etc.

Não faz mais de dez anos que se comprovou, na Rússia, a existência de grandes comunidades familiares desse género; e hoje todo o mundo reconhece que elas têm, nos costumes populares russos, raízes tão profundas quanto a obschina ou comunidade rural. Figuram no mais antigo código russo — a Pravda de Yaroslav — com o mesmo nome (verv) com que aparecem nas leis da Dalmácia; e nas fontes históricas tchecas e polonesas também podemos encontrar referências a elas.

Igualmente entre os germanos, segundo Heusler (Instituições do Direito Alemão), a unidade econômica primitiva não é a família isolada, no sentido moderno da palavra, e sim uma "comunidade familiar" (Hausgenossenschaft) que se compõe de várias gerações com suas respectivas famílias e que inclui frequentemente indivíduos não livres. A família romana refere-se, também, a essa espécie de comunidade, e, por causa disso, o poder absoluto do pai sobre os demais membros da família, por certo privados inteiramente de direitos quanto a ele, tem sido posto muito em dúvida ultimamente. Comunidades familiares assim devem ter existido entre os celtas da Irlanda; subsistiram na França, no Nivemais, com o nome de parçonneries, até a Revolução Francesa — e ainda não se extinguiram no Franco-Condado. Nos arredores de Louans (Saone e Loire), veem-se grandes casarões de camponeses com uma sala comum, central, muito alta, que chega até a cumeeira do telhado; em torno se encontram os dormitórios, aos quais se sobe por escadas de seis a oito degraus; nesses casarões moram diversas gerações da mesma família.

A comunidade familiar, com cultivo do solo em comum, já era mencionada, na Índia, por Nearco, ao tempo de Alexandre Magno, e ainda existe no Panjabe e em todo o noroeste do país. O próprio Kovalévski pôde encontrá-la no Cáucaso. Na Argélia ainda existe, nas Cabilas. Diz-se que existiu até na América; esforços são feitos para identificá-la com as "calpullis" no antigo México, descritas por Zurita; por outro lado, Cunow (Ausland, 1890, números 42-44) demonstrou, com bastante clareza, que, na época da conquista, existia no Peru uma espécie de marca (que, curiosamente, ali também se chamava marca), com partilha periódica das terras cultiváveis e, consequentemente, cultivo individual.

Em todo caso, a comunidade familiar patriarcal, com posse e cultivo do solo em comum, adquire agora uma significação bem diferente da que tinha antes. Já não podemos duvidar do grande papel de transição que desempenhou, entre os civilizados e outros povos na antiguidade, no período entre a família de direito materno e a família monogâmica. Adiante falaremos a respeito de outra conclusão de Kovalévski, a saber: que a comunidade familiar foi igualmente o estágio de transição que precedeu a marca ou comunidade rural, com cultivo individual do solo e partilha — a princípio periódica e depois definitiva — dos campos e pastos.

Artigo parte 9

Continua na próxima semana

 

 

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