A FAMILIA (8)
31-03-2017 - Henrique Pratas
Afora isso, Bachofen tem evidente razão quando afirma que a passagem do que ele chama de "heterismo" ou "Sumpfzeugung" à monogamia realizou-se, essencialmente graças às mulheres. Quanto mais as antigas relações sexuais perdiam seu caráter inocente primitivo e selvático, por força do desenvolvimento das condições económicas e, paralelamente, por força da decomposição do antigo comunismo, e da densidade cada vez maior da população, tanto mais envelhecedoras e opressivas devem ter parecido essas relações para as mulheres, que com maior força deviam ansiar pelo direito à castidade, como libertação, pelo direito ao matrimónio, temporário ou definitivo, com um só homem. Esse progresso não podia ser devido ao homem, pela simples razão, que dispensa outras, de que jamais, ainda em nossa época, lhe passou pela cabeça a ideia de renunciar aos prazeres de um verdadeiro matrimónio por grupos. Só depois de efetuada pela mulher a passagem ao casamento sindiásmico, é que foi possível aos homens introduzirem a estrita monogamia — na verdade, somente para as mulheres.
A família sindiásmica aparece no limite entre o estado selvagem e a barbárie, no mais das vezes durante a fase superior do primeiro, apenas em certos lugares durante a fase inferior da segunda. É a forma de família característica da barbárie, como o matrimónio por grupos é a do estado selvagem e a monogamia é a da civilização. Para que a família sindiásmica evoluísse até chegar a uma monogamia estável, foram necessárias causas diversas daquelas cuja ação temos estudado até agora. Na família sindiásmica já o grupo havia ficado reduzido à sua última unidade, à sua molécula biatómica: um homem e uma mulher. A seleção natural realizara sua obra, reduzindo cada vez mais a comunidade dos matrimónios; nada mais havia a fazer nesse sentido. Portanto, se não tivessem entrado em jogo novas forças impulsionadoras de ordem social, não teria havido qualquer razão para que da família sindiásmica surgisse outra forma de família. Mas tais forças impulsionadoras entraram em jogo.
Deixemos agora a América, terra clássica da família sindiásmica. Não há indícios que nos permitam afirmar que nela se tenha desenvolvido alguma forma superior de família, que nela tenha existido a monogamia estável, em qualquer tempo ou lugar, antes do descobrimento e da conquista. O contrário aconteceu no Velho Mundo.
Aqui, a domesticação de animais e a criação do gado haviam aberto mananciais de riqueza até então desconhecidos, criando relações sociais inteiramente novas. Até a fase inferior da barbárie, a riqueza duradoura limitava-se pouco mais ou menos à habitação, às vestes, aos adornos primitivos e aos utensílios necessários para a obtenção e preparação dos alimentos: o barco, as armas, os objetos caseiros mais simples. O alimento devia ser conseguido todo dia, novamente. Agora, com suas manadas de cavalos, camelos, burros, bois, carneiros, cabras e porcos, os povos pastores, que iam ganhando terreno (os ários, no indiano País dos Cinco Rios e no vale do Ganges, assim como nas estepes de Oxus e Jaxartes, na ocasião esplendidamente irrigadas, e os semitas no Tibre e no Eufrates), haviam adquirido riquezas que precisavam apenas de vigilância e dos cuidados mais primitivos para reproduzir-se em proporção cada vez maior e fornecer abundantíssima alimentação de carne e leite. Desde então, foram relegados a segundo plano todos os meios anteriormente utilizados; a caça, que em outros tempos era uma necessidade, transformou-se em passatempo.
A quem, no entanto, pertenceria essa riqueza nova? Não há dúvida de que, na sua origem, pertenceu à génese. Mas bem cedo deve ter-se desenvolvido a propriedade privada dos rebanhos. É difícil dizer se o autor do chamado primeiro livro de Moisés considerava o patriarca Abraão proprietário de seus rebanhos por direito próprio, por ser o chefe de uma comunidade familiar, ou em virtude de seu caráter de chefe hereditário de uma génese. Seja como for, o certo é que não devemos imaginá-lo como proprietário, no sentido moderno da palavra. É indubitável, também, que, nos umbrais da história autenticada, já encontramos em toda parte os rebanhos como propriedade particular dos chefes de família, com o mesmo título que os produtos artísticos da barbárie, os utensílios de metal, os objetos de luxo e, finalmente, o gado humano: os escravos.
A escravidão já tinha sido inventada. O escravo não tinha valor algum para os bárbaros da fase inferior. Por isso os índios americanos relativamente aos seus inimigos vencidos agiam de maneira bastante diferente da usada na fase superior. A tribo vencedora matava os homens derrotados, ou adotava-os como irmãos; as mulheres eram tomadas como esposas, ou, juntamente com seus filhos sobreviventes, adotadas de qualquer outra forma. Nessa fase, a força de trabalho do homem ainda não produz excedente apreciável sobre os gastos de sua manutenção. Ao introduzirem-se, porém, a criação do gado, a elaboração dos metais, a arte do tecido e, por fim, a agricultura, as coisas ganharam outra fisionomia. Principalmente depois que os rebanhos passaram definitivamente à propriedade da família, deu-se com a força de trabalho o mesmo que havia sucedido com as mulheres, antes tão fáceis de obter e que agora já tinham seu valor de troca e eram compradas. A família não se multiplicava com tanta rapidez quanto o gado. Agora eram necessárias mais pessoas para os cuidados com a criação; podia ser utilizado para isso o prisioneiro de guerra que, além do mais, poderia multiplicar-se tal como o gado.
Convertidas todas essas riquezas em propriedade particular das famílias, e aumentadas depois rapidamente, assestaram um rude golpe na sociedade alicerçada no matrimónio sindiásmico e a génese baseada no matriarcado. O matrimónio sindiásmico havia introduzido na família um elemento novo. Junto à verdadeira mãe tinha posto o verdadeiro pai, provavelmente mais autêntico que muitos "pais" de nossos dias. De acordo com a divisão do trabalho na família de então, cabia ao homem procurar a alimentação e os instrumentos de trabalho necessários para isso; consequentemente, era, por direito, o proprietário dos referidos instrumentos, e em caso de separação levava-os consigo, da mesma forma que a mulher conservava os seus utensílios domésticos. Assim, segundo os costumes daquela sociedade, o homem era igualmente proprietário do novo manancial de alimentação, o gado, e, mais adiante, do novo instrumento de trabalho, o escravo. Mas, consoante o uso daquela mesma sociedade, seus filhos não podiam herdar dele, pois, quanto a este ponto, as coisas se passavam da maneira a seguir exposta.
Com base no direito materno, isto é, enquanto a descendência só se contava por linha feminina, e segundo a primitiva lei de herança imperante na génese, os membros dessa mesma génese herdavam, no princípio, do seu parente gentílico falecido. Seus bens deveriam ficar, pois, dentro da génese. Devido à sua pouca importância, esses bens passavam, na prática, desde os tempos mais remotos, aos parentes gentílicos mais próximos, isto é, aos consanguíneos por linha materna. Entretanto, os filhos de um homem falecido não pertenciam à génese daquele, mas à de sua mãe; ao princípio, herdavam da mãe, como os demais consanguíneos desta; depois, provavelmente, foram seus primeiros herdeiros, mas não podiam sê-lo de seu pai, porque não pertenciam à génese do mesmo, na qual deveriam ficar os seus bens. Desse modo, pela morte do proprietário de rebanhos, esses passavam em primeiro lugar aos seus irmãos e irmãs, e aos filhos destes ou aos descendentes das irmãs de sua mãe; quanto aos seus próprios filhos, viam-se eles deserdados.
Artigo parte 8 
Continua na próxima semana
Voltar |