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O VALOR DAS PALAVRAS E DA LÍNGUA

17-03-2017 - Jorge Duarte

O primeiro som da comunicação, enérgico e universal, terá sido o grito da natureza. As primeiras tentativas de linguagem, as da mãe para o seu bebé ou deste para a mãe, pelo seu impulso de necessidade, curiosidade, e descoberta, como dizia Rousseau.

E no carregar, no embalar, no sussurrar, aprendem-se os primeiros esboços da língua, das nuances e do peso emocional das palavras. Por isso se chama a língua materna. E só se tem uma, tal como a mãe.

Quantos milénios, quanto esforço e quanta arte para elaborar símbolos, palavras, números, regras gramaticais que hoje nos permitem expressar do mais simples bom dia ao mais profundo raciocínio lógico e abstracto, desvendar segredos complexos do universo, modificar o mundo e melhorar o nosso conforto.

Apesar da grande diversidade de línguas e do seu longo processo de aperfeiçoamento, poucas existirão hoje que não tenham atingido o grau pleno de tradução do seu povo e da sua idiossincrasia. Porém, tão diferentes e tão adaptadas quanto as espécies nos seus habitats.

Rodeado por uma hegemonia do islão na Indonésia, Timor Leste adoptou a língua portuguesa como meio de preservação da sua cultura e da sua identidade. Sempre os povos se diferenciaram pela língua. Mas se houver fusão, prevalece a mais útil.

Também a nova República da Turquia faz, com Mustafá Kemal Ataturk, uma das mais rápidas, espectaculares e drásticas mudanças na tentativa de virar a página de um Império assente no califado para um regime laico. Muda em poucos meses a língua árabe para o latim, proíbe o véu e altera radicalmente toda a cultura de um povo.

A língua é o meio das relações, dos pensamentos elaborados, da estabilização cultural e da identidade.

E na medida em que precisamos das palavras como meio de elaborar os pensamentos, muito mais precisamos destes para encontrar as palavras. Palavras e pensamentos resultam da necessidade e do meio que os fecunda. Somos construídos por palavras e pensamentos; somos da forma como pensamos e pensamos consoante a língua. Um tipo de língua desenvolve um tipo de lógica e desta, o modo de ser de quem a possui.

È difícil entender uma cultura se não se domina o seu idioma. Se não dominamos bem uma língua estrangeira, sempre raciocinamos na nossa própria língua antes de tentar traduzi-la. Porque o raciocínio é outro, a cultura que gerou a outra língua deu-lhe outra forma lógica de pensar e de se expressar.

Entre os beduínos, não existe o conceito de individualismo ou personalidade. Tudo se centra na família, no clã, na tribo. Porque no deserto o indivíduo não sobrevive sozinho. Também na língua árabe o termo adhra, que significa “virgem”, só é usado no feminino. Não existe igualmente nenhum termo jurídico para designar a violação conjugal, sexismo, misoginia ou machismo. Tudo assenta na virilidade do homem. Homem não se torna homem, nasce homem e a mulher é apenas lugar de prazer.

Se numa determinada cultura não existisse, por exemplo, a palavra “roubar”, dificilmente se pensaria nesse acto. A tendência seria, em primeiro lugar, não possuir o que não lhe pertence e esta seria a norma.

Na medida em que a língua e pensamento se associam na nossa estrutura psicológica e emocional, desde cedo surgiram técnicas para influir nesses campos e maximizar o seu potencial de base retórica e dialética. As palavras podem ser salvadoras e também armadilhas letais. Através das palavras se formam imagens e imagens são impulsos para agir, modificando o nosso campo de consciência.

Como qualquer organismo vivo, também a língua está sujeita a um processo evolutivo seja pelo encontro de culturas seja pela via das ciências, da tecnologia ou da globalização. Daqui resulta a ocasional entrada de novos termos no vocabulário ou a mutação do próprio sistema linguístico com novas gerações de palavras.

Alguns exemplos mais recentes:

“Desterritorialização” (alteração, desenraizamento, destruição);

“Multiterritorialidade” (multiplicidade de espaços – físicos, de poder ou de vivência).

“Ecolimites”(demarcação da expansão urbana junto a áreas protegidas);

“Ecocídio” (abate de árvores para construção de barragens; Caso “Portucale” com o abate de milhares de sobreiros para construir uma urbanização);

“Testes de stress” (sistema bancário);

“Mercados nervosos” (sistema financeiro).

A tentativa de humanizar os sistemas bancários e financeiros usando terminologia humanizada leva, inconscientemente, as pessoas a sentir pena e condescendência de um sistema do qual, afinal, são vítimas. Quem não se compadece com alguém que sofre de stress ou fica nervoso?

“Ecoterrorismo” (destruição ou homicídio por se acreditar que dessa destruição resulta um efeito positivo para o ambiente, homem ou seita);

“Tecnoguerrilha” (combinação híbrida da guerrilha com meios tecnológicos avançados como é o caso do DAESH);

“Bioterrorismo” (utilização de armas biológicas para disseminação de vírus);

“Biopolítica” (controlo físico dos indivíduos através de scanners, torniquetes, leitura da íris, das impressões digitais, etc.);

“Vidas tensas” (escravização pela dívida, penalização da pobreza – quanto menos tem mais paga – comissões bancárias, juros mais elevados).

Outra das áreas da engenharia, a “geoengenharia” trabalha intensamente na combinação da biologia, nanotecnologia e cibernética, no sentido de gerar novas gerações de humanos híbridos, com novos materiais genéticos e com supercapacidades. São os humanos “transbiológicos”.

Se há palavras que pelo processo natural ou da era tecnológica da vida de hoje se instalam, outras há que cientificamente estudadas, têm o objectivo de forçar a nossa maneira de olhar o mundo, com ele concordar e a ele nos submetermos sem pensar. O mundo das contradições, da fragmentação, da banalidade, da colonização das mentes, das “impessoas”, como classificava George Orwell, aqueles que não contam.

Num longo processo de engenharia social meticulosamente elaborado tendo em vista as mais amplas liberdades dos valores humanitários, da inclusão, da não discriminação, do multiculturalismo, do “politicamente correcto” e da construção de uma sociedade livre de preconceitos, são criados e impostos um conjunto de ferramentas mentais que já fazem parte do mais básico dos vocabulários. E, sendo a língua inseparável da cultura, estamos, desde já, a criar uma nova como legado para a actual geração que por sua vez a retransmitirá.

Em 1998, realizou-se em Portugal o primeiro referendo sobre o aborto cujo movimento já vinha de 1976. O NÂO venceu. Em 2007, o assunto foi novamente a referendo. O SIM desta vez venceu. A pergunta no referendo não foi se o cidadão concordava ou não com a despenalização do aborto, foi se concordava ou não com a “despenalização da interrupção voluntária da gravidez”. Mero pormenor? Não! Aqui não há a carga dramática do aborto, aqui simplesmente se interrompe voluntariamente. Não parece haver morte do feto; uma interrupção pressupõe um possível recomeço (se o feto não morresse).

Por exemplo, se se perguntar a alguém se condena a violação, toda a gente condena. E se se perguntar se condena o acto sexual não reciprocamente correspondido? Aqui há certamente mais dúvidas. Aqui não há a carga odiosa. Nem sempre um acto não correspondido representa objectivamente violação. A linguagem pode mudar tudo e pode mudar o mundo.

Em muitos documentos oficiais há terminologia onde é implicada a família, que já foi mudada ou em vias de mudar.

Decorrente do movimento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transsexuais) e com o fim de evitar a discriminação, a designação das palavras “mãe” e “pai”, serão substituídas por “progenitor”, tal como foram substituídas as palavras “paternidade” e “maternidade” pela neutra “parentalidade”.

A primeira tentativa de substituição do cartão de cidadão pelo neutro “cidadania”, não colheu ainda o apoio suficiente mas colherá, certamente, com um pouco mais de tempo e habituação.

O cartaz com a última ceia onde se dizia que Jesus também teve dois pais, chocou. Mas passado pouco tempo legalizou-se a adopção gay.

A Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, preconiza o novo regime do divórcio. Sessam as figuras de afinidade “sogro” e “genro”. O divórcio litigioso é substituído por divórcio sem consentimento do outro cônjuge. Pretende-se a agilização do processo, procura-se a ruptura em detrimento da reconciliação. No património, os bens materiais sobrepõem-se ao conceito de família.

Até porque, família, no sentido tradicional e ancestral que a conhecemos, constituído por pai, mãe, filhos, avós e restantes afinidades, tornou-se um preconceito que requer ruptura e abertura. Porque pode haver mais formas de famílias, como sejam:

“Famílias desestruturadas”, “famílias recompostas”, “famílias homossexuais”, “famílias monoparentais”, “famílias poliamorosas”.

E isto porque a forma de amar ou acasalar (ou emparelhar, do espanhol pareja) também mudou. O homem e a mulher são finalmente livres.

Usufruindo desta ampla liberdade alcança-se o “Poliamor”. Possibilidade de uma poligamia consentida ou, simplesmente, uma não monogamia ética. Os seus praticantes consideram esta forma amorosa honesta e promotora do autoconhecimento e da autoconfiança. Uma forma também de desconstrução social assente em velhos conceitos morais que se impõe derrubar.

Na senda da desconstrução e quebra de tabus retrógrados, temos ainda outra opção amorosa designada de “Metamor”. Metamor consiste também numa nova experiência onde se pode amar o parceiro do parceiro, não sendo a fidelidade um factor relevante.

Quebradas as barreiras da família, da fidelidade, do envolvimento emocional, estamos prontos para abraçar um novo relacionamento ainda menos comprometido e mais frio: o sexo com máquinas, neste caso, com robôs altamente sofisticados, sensíveis aos diversos sentidos, com capacidade de reconhecimento de voz e resposta lógica. O parceiro perfeito. Já existem exemplos disponíveis no mercado.

“Amor líquido” em “modernidade líquida”, na expressão de Zygmunt Bauman.

Com a nova construção social terão forçosamente que existir os termos respectivos para adjectivar qualquer rejeição. “Homofobia”, “bifobia”, “transfobia”. E abre caminho legal tanto à “adopção gay” como à “maternidade de substituição” ou “barriga de aluguer”.

Há grupos que realizam encontros entre jovens destinados a exercitar uma realidade alternativa, sem opressões, levando a liberdade (libertinagem) ao limite. Partilhas mistas, discussões sem tabus de gênero, de racismo, de sexismo, de qualquer fobia. Trocas de massagens, comboios de massagens, WC partilhados, jogos da laranja no pescoço contra pescoço…Tentar construir um mundo novo, (às avessas direi eu).

Também recentemente, na localidade de San Fernando, na Andaluzia, foram colocados os primeiros semáforos, nas zonas mais movimentadas, junto a escolas onde, nos tradicionais ícones verde, vermelho e amarelo, aparecem pares de homens de mãos dadas com um coração ao meio e, igualmente, pares de mulheres com a mesma representação. Desta maneira, visam a luta contra a “homofobia”, “bifobia” e “transfobia”. Estes sinais, carregados de simbolismo, irão então ajudar na tarefa de alcançar uma sociedade livre de preconceitos.

Num jardim na Noruega, crianças fazem escorrega em cima de um pénis e cujo orifício final se assemelha a uma vagina. Uns escorregam por cima, outros por dentro.

Num infantário, há livrinhos de príncipes e princesas com nomes trocados. Eles com nome de menina, elas com nome de menino. Preparados para o futuro.

Na Alemanha, alunos de uma escola trocam de sexo, incluindo os professores. Vestem-se a rigor, nesse dia específico, para celebrar o dia da igualdade de gênero. Também numa aula de artesanato, os meninos vêm vestidos de menina e vice-versa, com maquilhagem e salto alto para eles (elas).

Na Suíça, caixinhas dadas nos jardins-de-infância, trazem conjuntos completos com bonecas, livros ilustrados especiais, brinquedos imitando genitais.

Já em Março deste ano, a DisneY, exibe pela primeira vez uma cena de animação com um beijo gay. Primeiro, entre dois homens e de seguida, entre duas mulheres, perante vários casais heterossexuais a beijarem-se.

Em Estocolmo, Suécia, num jardim-de-infância, desde 2010, as crianças são tratadas como se não tivessem gênero; em vez de “ele” ou “ela”, utilizam a palavra neutra “hen” que na sua língua significa “algo”.

O verdadeiro resultado, são crianças mutantes.

O Papa Francisco chama a estas práticas “colonização ideológica”

Será o inglês o idioma mais universal de todos? Não! O mais universal de todos que veicula as mensagens, os valores, o consumo, é a publicidade.

Em caminhos paralelos estuda-se na sociologia de massas outras tantas formas de alterar e controlar comportamentos e mentes de modo a induzir maneiras de ser e estar e tornar dóceis e acríticos os cidadãos. Não faltam os manuais de estratégia, aplicada por fases, em todas as áreas da comunicação social de base ideológica.

As palavras nunca são apenas palavras como já ficou dito. Depois de já assumido por todos do “politicamente correcto”, com eficácia fulminante, produz frutos na forma de consensos, de retensão de impulsos, restrições e opiniões, aceitação, inclusão, tolerância, não discriminação e não dissidência.

Sociedades acríticas, apáticas, reprimidas, levadas a tudo aceitar, inclusive, as próprias mentiras ou, no politicamente correcto, “inverdades”. Melhor seria o normativo da verdade e da autenticidade, antes de qualquer explosão.

Num mundo pós-moderno, a “Pós-verdade”.

A “pós-verdade” foi escolhida pelo dicionário de Oxford como a palavra do ano. Na “pós-verdade” já não há verdade, há uma criação da verdade ou muitas verdades alternativas. Os factos tornam-se irrelevantes já que também se podem construir factos alternativos. Para cada um, a sua verdade e o seu facto. No final, resta a dúvida. Mas que importa? É proibido proibir, é proibido reprimir, a única verdade é que não existe verdade; nem verdade nem mentira, lado bom ou lado mau. Há narrativa competitiva em cada lado, contando uma história diferente da história em si mesma.

A língua e as palavras não são somente a soma das letras. A língua pertence a um mundo simbólico estruturante da nossa consciência. E a consciência é idêntica às palavras por ela utilizadas para se compreender e fazer compreender. Num mundo em que tudo muda, restam as palavras como elementos fixos, possíveis de se repetirem de maneira idêntica, como o ADN de cada semente. Fazer mau uso dela, é como criar transgénicos, é fazer mutação mental.

Terá homem o direito de o fazer?

Jorge Duarte, Março de 2017

 

 

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