Os Mortos e os Vivos
17-03-2017 - Henrique Pratas
Ao dar este título a este texto, que foi um título dado pelo escritor António Lobo Antunes numa artigo publicado na revista Visão há uns tempos atrás. Utilizo-o sem a sua autorização mas não me ocorreu outro para expressar o que lhes quero contar.
O conteúdo do mesmo é da minha inteira responsabilidade e nada tem a ver com que o autor a que faço alusão escreveu.
Como todos nós sabemos nós somos um Povo que faz o culto dos mortos, quaisquer que sejam eles, já devem ter isso como um dado adquirido e aquando desta ocorrência não há ninguém em morte que tenha sido mau enquanto ser vivo, tudo isto é uma verdade absoluta carregada de cinismo.
O que vos quero escrever sobre este tema é que há muitos mortos que permanecem vivos e muitos vivos que já morreram e não deram por isso, alguns deles até já cheiram mal mas não dão por nada e como vivemos num País de cínicos ninguém se atreve a dizer a alguém olhe lá você está morto e até já cheira mal.
Pode-vos parecer contraditório estas minhas afirmações mas tentarei explicá-las-ei melhor.
Enquanto seres vivos nós temos direitos e obrigações e responsabilidades ao nível social, mas muitos dos nossos concidadãos por questões de demissão das suas responsabilidades, por falta de valores e princípios, coisa que nunca lhes foi ensinado cresceram aprendendo a não ser gente, deitando papeis para o chão, escarrando para o mesmo e passando por cima de tudo e de todos pensando que são alguém e que esse modo de ser lhes dá a importância que nunca têm nem nunca terão, enquanto vivos e depois de mortos muito menos, porque ninguém se vai lembrar deles enquanto cidadãos de corpo inteiro.
A mesma coisa não acontece com alguns mortos, que nunca chegam a morrer de facto porque enquanto seres vivos tiveram um comportamento e agiram como cidadãos de plena responsabilidade, civismo, educação e construtores de uma sociedade que se pretende que seja sempre melhor. Estes mortos são efémeros, porque quando passam de um estado para o outro, deixam trabalho, obra feita e sobretudo bons exemplos de cidadãos, de pais, avós o que quer que seja, mas sobretudo o legado que deixam enquanto pessoas para quem tem memória jamais se pode esquecer porque um País sem esta não é um País é um coisa que anda ao deus dará, não sei muito bem o que é mas não é nada de substantivo, ou de importante. Quero eu dizer uma sociedade saudável tem os seus alicerces montados em pilares sólidos, que são integrantes de um passado que é feito por todos nós, por isso não se convençam que não temos que ser ativos enquanto cidadãos.
Cada um de nós tem a responsabilidade de contribuir par o crescimento do País por mais ínfimo que seja o seu contributo ele terá sempre um valor que crescerá em exponencial quando mais carregado de valores, de princípios, de ética pautarem a sua vida. Todos nós sabemos que há quem faça tudo por dinheiro, para ter mais e mais e se esqueça que ao seu lado muito perto de si ou num sentido mais amplo em termos de País ou transnacionalmente existem pessoas que necessitam do que desperdiçamos ou que por gula arrecadamos sem dar o devido valor e utilização pública ao que muitos de nós possui, partilhem nem que seja apenas um rebuçado com uma criança, vão sentir-se outros ao verem o sorriso de uma ou várias crianças, consoante a dimensão da oferta.
Eu escrevo-vos isto porque já experimentei e tento ser um cidadão exemplar, sei que nunca o serei, mas tento, foi isso que recebi de muitas pessoas que já morreram, mas que me passaram estes ensinamentos, falo-vos dos meus avós, dos meus pais e de todos os cidadãos onde eles habitavam e a prática que vos descrevo era uma prática comum, fazer bem sem olhar a quem, ou apresentar qualquer tipo de fatura ou cobrar o que quer seja a alguém, proceder desta forma pode ser considerados por muitos como parvoíce, ou ingenuidade, mas alerto para que as pessoas que se comportam desta forma não o são e ao primeiro abuso ou passo dado em falso cortam-lhes logo a ração como é usual dizer-se.
Conscientes sim, mas ingénuos e parvos é que não os tomem como tal.
Mas voltando ao motivo que me levou a escrever este texto que radica no peso que eu carrego mas que quero partilhar convosco, pois a idade avança e o peso que carrego tem-se acumulado ao longo dos tempos pelos bons motivos que lhes invoquei, sendo certo que nem sempre o caminho trilhado não teve escolhos, teve e alguns bem recentes em que nós pensamos que as pessoas querem ajuda mas como não estão habituadas a que ninguém faça nada por elas quando aparece alguém com disponibilidade de tempo, de conversa e de acolhimento, reagem da pior maneira e comportam-se de forma inusitada como animais que foram desprezados e abandonados, chegaram a um estado de confusão que já não distinguem nada de nada e confundem o pão ralado e serradura e não julguem que isto aconteceu que pessoas novas por vezes quanto mais anos de vida mal vivida ou vivida de salto em salto, sem se enraizarem pior.
Tudo isto para vos poder escrever que há mais pessoas mortas que são recordadas, sem aquele sentimento bem português do coitadinho, ou da desgraçadinha, como estando vivos e alguns dos vivos que partilham o mesmo espaço que nós e que integram a mesma sociedade em que vivemos, estão completamente mortos, já fedem e não dão por nada, mas não interessam a ninguém, apesar de alguns se considerarem os melhores e os maiores deste Mundo por onde todos nós passamos de forma célere, apenas com a diferença de alguns serem efémeros e outros ninguém dá pela sua falta.
Henrique Pratas
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