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OS HUMORES DA NATUREZA

03-02-2017 - Pedro Pereira

A evolução científica que conduziu ao atual estádio civilizacional, leva boa parte dos seres humanos a pensar que são os homens que gerem o clima. Porém, tal como tem acontecido em todos os tempos de todas as eras, é o planeta que gere os destinos climáticos e por consequência, a vivência dos seres humanos.

Para quem tenha dúvidas, basta lançar uma espreitadela à História dos séculos que precederam os tempos de hoje, para observar as surpreendentes relações entre as conjunturas climáticas e os acontecimentos sociais, políticos, culturais e económicos daí resultantes.

Como exemplo: sempre que o clima se tornou mais ameno na Europa Ocidental da Idade Média, assistiu-se aos ataques dos Hunos, Celtas e Mongóis. Recuando mais no tempo, verificamos que a Humanidade só deu um verdadeiro impulso, há cerca de dez a doze mil anos, no término do último grande período glaciar, tendo por causa primordial a feição amena que o clima tomou por esses tempos, o que favoreceu a agricultura e a pastorícia. Em suma: quando o Homem começou a construir aldeias, se sedentarizou, naquela que se insere nos anais da História como a Revolução Neolítica. A primeira grande revolução da Humanidade, que permitiu alimentar um cada vez maior número de indivíduos regularmente e criar a divisão social do trabalho. A partir de então, o desenvolvimento do Homem foi explosivo. Nos cinco mil anos que se seguiram, o caminho percorrido foi imenso, enquanto que, quase nada acontecera durante quinhentos mil anos.

Mais perto de nós, por exemplo, de 1460 a 1550, a Europa foi avassalada por uma pequena era glaciar, particularmente sentida para lá dos Pirinéus, que teve como consequência guerras, fomes e pestes que dizimaram centenas de milhar ou milhões de almas.

Tomemos ainda como outro exemplo, a erupção do vulcão Cracatoa, registada em 1883. Trata-se, sem dúvida, da mais poderosa erupção vulcânica registada, uma vez que libertou uma astronómica energia, semelhante à libertada por uma bomba nuclear de 1000 megatoneladas, ou seja, 60 000 vezes mais potente do que a que foi largada sobre Hiroshima em 1945. De 26 a 28 de agosto de 1883, as erupções desse vulcão, situado nas ilhas indonésias de Sonda, entre Java e Samatra, tiveram como resultado, 36 400 mortos, maremotos ( ou tsunamis) com 36 metros de altura, sendo que as vagas maiores desabaram no litoral das ilhas vizinhas à velocidade de 140 quilómetros/ hora. Aldeias, comunidades inteiras ancestrais foram riscadas do mapa em pouco tempo.

O maremoto resultante da explosão do Cracatoa que fez ruir paredes num raio de 150 quilómetros, sentiu-se a dezenas de quilómetros de distância.

Se consultarmos um gráfico das devastações provocadas pela natureza, ao longo do século XX, verificamos uma evolução exponencial em termos de destruição e mortes, com particular agravamento nas duas últimas décadas do século, provocadas por terramotos, cheias, furacões, explosões vulcânicas e maremotos.

São sentidas por todos, as substanciais alterações climáticas que de há uns anos a esta parte se tem vindo a verificar por todo o planeta, sobretudo o aquecimento global ou efeito de estufa, sobretudo nestes últimos seis anos, com o correspondente degelo de vastas áreas de glaciares. Porém, não nos enganemos, porque a História da Terra, segundo os cientistas, diz-nos que após um período inter-glaciar ( que é o que estamos a atravessar) vem o período glaciar e a mudança climática faz-se bruscamente. Ou seja, depois de um período de transgressão marinha ( subida do nível dos mares), as águas recuam para os pólos ( regressão marinha com formação de glaciares). Cientistas há, que aventam (à porta fechada) que o período inter-glaciar está a terminar. Outros dizem abertamente que ainda faltam umas centenas de anos.

Como seja, não obstante as tais dezenas ou centenas de anos, as catástrofes estão por aí, quase todos os dias, com maior ou menor amplitude, mas sempre com um saldo cada vez mais desastroso relativamente ao antecedente.

Por tudo isto, não se pense que as calamidades como temos vindo a assistir por todo o mundo, não possa vir a atingir Portugal e em particular a região de Lisboa, vale do Tejo e Algarve. Na verdade, a poucas milhas da costa do país existe uma falha sísmica que a todo o momento pode movimentar-se.

Muito embora já no século XX se tenham verificado alguns abalos de terra causadores de estragos, como o de 1968, vários outros se registaram (e se vem registando) sem consequência de maior. Mas nem sempre foi assim na História de Portugal. Os acontecimentos verificados há poucos anos na Ásia, remetem-nos para o terramoto de 1 de novembro de 1755, seguido do maremoto que arrasou Lisboa e arrabaldes e, de um modo geral, todas as localidades do Ribatejo e todo o sul do país, com especial devastação e morte por toda a orla costeira do Algarve (e interior) mais por via do tsunami que propriamente pelo ruir das casas.

Povoações houve, que desapareceram totalmente debaixo das ondas, como Vila Velha de Cacela, de que sobraram as ruínas da fortaleza e algum casario em volta, porque se encontravam mais distante do mar e em zona bastante elevada.

Mas para termos uma ligeira noção dessa calamidade, comecemos por uma ponta. Aljezur: por via do cataclismo, todas as casas da vila ficaram arrasadas bem como parte do castelo. As águas da ribeira foram tragadas, primeiro, por enormes fendas que se abriram no seu leito. Depois, do mesmo leito começaram a irromper grandes cachões de água salgada que o fez transbordar. As ondas arremeteram por três vezes e em tão grande altura e de tal ordem, que cobriram a fortaleza da Arrifana, acabando por a arruinar.

O mesmo aconteceu com Odeceixe, por onde o mar entrou, arrasando mais de cem habitações. Em Sagres e Cabo de S. Vicente, as habitações, igrejas e fortalezas foram muito danificadas. O mar galgou pela terra dentro deixando grande quantidade de peixe na vila. Quase toda a gente conhece a altura a que Sagres se encontra do mar e, portanto, pode calcular quantos metros a água subiu.

Da mesma calamidade sofreu Lagos, Portimão, Albufeira, Quarteira, Faro, Olhão, Tavira e Stº António de Arenilha, aldeia de pescadores que ficou debaixo de água e foi tragada pelas areias. Situava-se sensivelmente na zona de Monte Gordo.

Depois , por incumbência do rei D. José I e execução do Marquês de Pombal, nasceu Vila Real de Stº António, não muito longe do povoado desaparecido.

De resto, mesmo o interior da região ficou seriamente afectado. Povoações destruídas e casas inabitadas.

O cortejo de mortes e destruição material por efeito do terremoto foi imenso e as suas consequências fazem-se sentir ainda nos dias de hoje, quer pelas alterações das zonas dos territórios das localidades afetadas, quer pela perda de vasto património arquitetónico e cultural, não só em consequência deste cataclismo, mas também por outros ocorridos no mesmo território em séculos anteriores que se presume terem sido de igual ou maior amplitude, dos quais as crónicas pouco referem, em especial um dos ocorridos no século XVI.

Em suma: a Natureza tem o seu ciclo de vida e humores muito próprio, que o Homem, impante do alto da sua «sabedoria», não consegue domesticar.

Pedro Pereira

 

 

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