Uma saída para o pleno emprego
07-03-2014 - Jorge Bateira
Acima de tudo, é dramático que a oposição até agora não tenha sido capaz de gerar uma alternativa credível, em que o pleno emprego figure como o objectivo central
As recomendações da troika insistem na redução dos salários dos portugueses, o que permitiria aproximar Portugal do promissor estatuto de "Vietname da Europa". A verdade é que também ainda não vi uma alternativa que torne viável a nossa permanência na zona euro com outro estatuto. A menos que se considere que mais integração política, mutualização das dívidas soberanas e empréstimos do BCE aos estados são parte dessa alternativa. Quem admite esta via de saída da crise não tem pressa de responder aos que hoje estão no desemprego. Da Alemanha vêm todos os dias mensagens de que esse caminho não é viável, mesmo que fosse desejável. De facto, não é uma alternativa política.
Acima de tudo, é dramático que a oposição até agora não tenha sido capaz de gerar uma alternativa credível, em que o pleno emprego figure como o objectivo central da política económica proposta. Na moeda única, amarrados ao Tratado Orçamental, o nosso horizonte é o da estagnação depressiva ou, na melhor das hipóteses, um crescimento com reduzida criação líquida de emprego. Uma oposição que ambicione ser alternativa não pode limitar-se à retórica das "políticas activas" de emprego, como se estivéssemos num tempo de desemprego estrutural, em que os sectores em crescimento carecem de mão-de-obra ao mesmo tempo que os desempregados têm de adquirir nova competências. Hoje, no tempo da segunda Grande Depressão, precisamos de recuperar a coragem política e o espírito inovador de Franklin D. Roosevelt.
Keynes disse nos anos 30: "O principal objectivo da política orçamental é o de resolver um problema real, fundamental, e no entanto simples [...] o de oferecer um emprego a qualquer pessoa." É disso que precisamos, de um programa público de criação de emprego para todos os que puderem e quiserem trabalhar (ver Pavlina Tcherneva, "Fiscal policy effectiveness: Lessons from the Great Recession", Real-World Economics Review no. 56). Uma interpretação rigorosa de Keynes mostra que ele não defendia um qualquer aumento da despesa pública. A sua estratégia de relançamento da economia baseava-se em projectos de criação de emprego à escala regional e local. O perfil dos desempregados, as necessidades sociais a satisfazer, as obras públicas indispensáveis à região, tudo seria avaliado e articulado na perspectiva da utilidade social dos projectos.
Importa lembrar que, para lá dos investimentos em reabilitação urbana de que muito precisamos, há outros tipos de carências nos meios urbanos. Há uma população idosa que precisa de serviços domésticos, de tratamentos em casa, de apoio nas deslocações. Muitas escolas têm falta de auxiliares e mesmo de professores. O mesmo se pode dizer do sector da saúde, em que a vertente preventiva deveria ser alargada. Fora das grandes aglomerações há imensas carências que são bem conhecidas dos eleitos locais. A preservação e valorização dos rios e florestas daria lugar a projectos criadores de emprego. O mesmo se pode dizer das actividades culturais. Em todas as áreas da provisão social há inúmeras carências e, por outro lado, há milhares de pessoas dispostas a aceitar um emprego em tempo inteiro ou parcial, com salário modesto mas digno, estável e integrado no sistema público de segurança social. Enquanto os restantes instrumentos da política económica levam algum tempo a induzir crescimento com criação de emprego no sector privado, este programa público criará, a curto prazo, milhares de empregos e impulsionará a economia através da procura interna de bens e serviços nacionais.
Pensando um pouco, faz sentido que a sociedade portuguesa ainda não tenha criado uma alternativa política que assuma o objectivo do pleno emprego. É que, para lançar um programa desta natureza teríamos de sair da zona euro. Por duas razões bem simples: precisamos de emitir moeda para o financiar; não é esse o modelo de sociedade que a UE nos fixou. Aproximando-se o fim do Memorando, a saída que verdadeiramente nos interessa é a saída do euro, uma saída para o pleno emprego, o grande tabu no pobre debate político português.
Economista, co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas
Escreve quinzenalmente à quinta-feira
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