“Inverno muito cruel” e muitas outras previsões
06-01-2017 - Henrique Pratas
Esta é a previsão que se pode ler no Borda d’Água.
Se lerem os Almanaques (Borda d’Água) para 2017 vão encontrar algumas das notícias que enumerarei neste texto.
Num mundo antigo e rural, era uma ferramenta essencial. Hoje, são parte “do mercado da saudade”, interessam a colecionadores e também captam um público mais urbano que busca o saber popular para ajudar nas pequenas hortas.
O segredo é a alma do negócio e, por isso, só posso dizer que “o Borda d’Água tem a sua forma de trabalhar”. O certo é que é com base na “configuração dos astros, das luas e do nosso tempo” - e com uma ajuda do Observatório Astronómico de Lisboa, que fornece os dados - que a casa-mãe d’O Verdadeiro Almanaque Borda d’Água, faz as contas para o ano de 2017 e sabe dizer-nos quando fará chuva, frio ou bom tempo.
Foi com o senhor Artur Campos que aprendi, que foi um pai do Borda d’Água, como se fazem essas contas. São o meu segredo. Um dia, a quem for fazer, também ensinarei”, revela.
Com “50 anos de firma”, Narcisa Fernandes conhece como ninguém o almanaque que se afirma como sendo um “reportório útil a toda a gente”. Começou por ser quem carimbava, à mão, a ferradura vermelha que fica sempre em cima do Cartola, figura icónica da publicação anual. Hoje, é a sócia maioritária da editora que leva às casas dos portugueses aquele que é, a par do portuense “O Seringador”, um dos almanaques mais conhecidos do país.
Em ambos podemos encontrar previsões de tempo, mas não só. “É um ótimo coadjuvante ao agricultor e ao plantio, seja ele do campo ou da cidade, porque tem todas as marés, todas as luas e informa em que épocas é que se devem plantar determinadas flores e determinados legumes”, conta José Miguel Lello, responsável pela editora d’O Seringador”. A isto somam-se todas as efemérides, as listas das feiras portuguesas e das espanholas mais próximas da fronteira, mas também quadras, rimas e previsões astrológicas.
“Há sempre que ler”, constata Narcisa, que faz a comparação do almanaque com as revistas para dizer que, ao contrário destas, “ o almanaque compra-se e dá para o ano inteiro. É para qualquer coisa”.
A discussão sobre a origem da palavra “almanaque” – que se crê ter origem no árabe – ainda existe, mas “desde o princípio significou um contar dos dias, ou seja, contar os vários aspetos do calendário”, salienta David Pinto Correia, coautor do artigo “Almanaques ou a Sabedoria e as Tarefas do Tempo”.
Apesar dos diferentes almanaques que proliferaram na história das publicações portuguesas (desde os mais populares ao “Almanaque Enciclopédico”, que se deveu à iniciativa de Eça de Queirós), “o almanaque é hoje compreendido como uma espécie de calendário em que, muito sinteticamente, se dão algumas informações que interessam a um público”, afirma David Pinto Correia.
Nos dias que correm, os que sobrevivem são os mais voltados para os aspetos práticos da vida rural, onde se faz acompanhar o passar dos dias com previsões meteorológicas, as fases da lua e as dicas sobre sementeiras. Mas num tempo em que as previsões meteorológicas passam na televisão, na rádio e no "smartphone" todos os dias, para quem são os almanaques?
Para Narcisa Fernandes, essa questão nem se coloca. “Há tanta coisa na internet. Mas as pessoas gostam de ter aquele livrinho” – a "folhinha", como os mais velhos ainda lhe chamam.
A quantidade de almanaques que Narcisa vende parece ser indicador do interesse que a publicação ainda tem. O negócio até já foi melhor, quando atingiu uma tiragem de 380 mil, mas os 100 mil que hoje edita servem para manter a tipografia da casa-mãe, a Editorial Minerva, com as contas equilibradas.
“O nosso almanaque chega a sítios onde não chega a rádio nem a televisão. Há muitas aldeias que não têm eletricidade mas onde as pessoas usam a luz do sol para poderem ler o seu Borda d’Água”, constata Narcisa.
José Miguel Lello não nega, no entanto, que o público d’O Seringador se tenha diversificado e que hoje faça também parte “do mercado da saudade”. A par dos colecionadores, normalmente jovens que tinham na família quem fosse guardando as publicações antigas, junta-se agora também um público mais urbano que busca o saber popular para ajudar nas pequenas hortas. “É muito curioso porque, a nível rural, temos mantido os nossos índices de venda, mas também temos verificado um crescimento nas grandes cidades acima do Mondego."
Esse fenómeno de crescimento do negócio é explicado pelas pessoas “que não são propriamente agricultoras mas que compram porque acham piada”, mas também pelo crescente crescimento das pequenas hortas.
“Já me têm telefonado a dizer ‘ai, eu quero ter o Borda d’Água porque eu fiz aqui no meu terraço umas coisas e gostava de saber como é que me posso orientar’”, revela Narcisa. É o caso de Fernando Silva, um dos autores do portal “Hortas Biológicas”, que faz questão de referir os dois almanaques nas dicas que vai dando no "site" que criou, fruto da experiência num projeto de hortas biológicas na zona do Porto, o “Horta à Porta”.
O informático de 47 anos reconhece até que “algumas dicas estão desatualizadas” porque já não têm em conta técnicas mais modernas, mas reconhece que continuam a ser uma preciosa ajuda porque “são uma espécie de preservar da sabedoria que o povo foi guardando ao longo dos tempos. São muito completos”.
“Não há luar como o de Janeiro, nem amor como o primeiro”
Se é certo que as previsões dos almanaques portugueses ainda estão longe da precisão daquelas que são feitas diariamente pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera, a verdade é que a sócia-gerente da Editorial Minerva garante que é raro o Borda d’Água enganar-se.
“Este ano que está a correr, tive a preocupação de apontar, de Janeiro até agora, conforme corriam as luas e o tempo, se chovia, se fica frio, se nevava, se vinha trovoada. E fiquei toda contente porque fiz certo as minhas contas. Se me enganei, foi uma vez”.
Uma falha que hoje não terá as consequências que teria outrora, já que havia quem acreditasse na infabilidade da folhinha.
Os autores de “Almanaques ou a Sabedoria e as Tarefas do Tempo” referem-se a uma notícia do "Diário de Notícias", em 1924, dando conta de que o Borda d’Água previra que “certo dia de feira em Poiares havia de chover”.
A previsão da "folhinha" afastou os habitantes da feira num dia de sol, o que teve por consequência um péssimo dia de negócio para os feirantes. Um boicote ao Borda d’Água foi prometido, o que levou a que, na edição do ano seguinte, se pudesse ler, para aquele dia, a seguinte previsão: “Chuva em toda a parte exceto em Poiares”.
No ano de 2017, que é também o ano 4361 do dilúvio bíblico, 74 da era atómica e 56 do lançamento dos primeiros astronautas, não há qualquer referência a chuva na feira de Poiares. Ainda assim, se quiser precaver-se para a primeira semana de Janeiro, fique a saber: o “Borda d’Água” prevê frio na primeira quinta-feira do ano, que é também quinta-feira de quarto crescente e do aniversário da morte de Eusébio.
Já O Seringador adverte: "entrando o ano ao domingo, o inverno será crudelíssimo, a primavera temperada, o estio tórrido e o outono benévolo".
Fala ainda em “tempo revolto” na altura em que se devem enxertar os pessegueiros e as ameixoeiras. Caso chova, não se preocupe, que O Seringador também lembra que “chuva de Janeiro, cada gota vale dinheiro”. Para os mais românticos o Borda d’Água adverte: “Não há luar como o de Janeiro, nem amor como o primeiro”.
Este texto foi escrito com a recolha de informação em diferentes fontes, escrevi-o porque sei que para a maior parte de vós se não o compra tem a curiosidade de ver o que é que ele diz, fi-lo também com uma recordação do passado em que os agricultores pequenos ou grandes, tinha apenas como suporte para a plantação das suas culturas O Borda d’Água, em mantenho essa tradição, porque tem o seu quê de saudade dos bons tempos em que a informação necessária era veiculada única e exclusivamente por ele, não existiam smartphones, que nos dão a informação na palma da mão e outros meios de informação tão atualizada como hoje existe, admiro quem se dá ao trabalho de elaborar esta folhinha onde indica tudo ao pormenor, como sou uma pessoa de guardar memórias boas, apesar de viver num Mundo cheio de informação, sempre compro O Borda d’Água que me faz recordar os bons momentos em que passei com os meus avós a lê-lo para ver com o estava o tempo e que culturas se poderiam fazer. Vivendo na cidade reparo que não sou só eu que o compro muitas outras pessoas o fazem.
Esta folhinha acompanhava muita gente que amanhava as terras, era a sua única fonte de informação para saberem com o iria estar o tempo e lhes dava a indicação do que haviam de semear.
Henrique Pratas
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