Os Filhos da Guerra
16-12-2016 - Henrique Pratas
Começo por agradecer, ao Francisco Pereira, o facto de me deixar utilizar esta expressão usada por ele, eu já tinha o conteúdo faltava-me o nome a dar ao texto que escrevo para vós.
Excelente título, vamos ver se o texto o acompanha, ora como nós sabemos faz parte da história da sociedade portuguesa um período em que gerações inteiras temiam pela sua vida pois chegados aos 18 anos tinham que dar o nome para o serviço militar obrigatório e depois para os que tinham posses podia ir adiando uma viagem oferecida a uma das províncias ultramarinas, normalmente de barco, mas apenas garantiam o bilhete de ida, muitas gerações foram afetadas por esta imposição, diz-se que para alguns foi bom terem passado por esta experiência porque lhes permitiu tirar uma especialidade que lhes permitiu quando regressados à vida civil encarar a vida com outras capacidades. Vejam como era este País, para alguns dos sodados o cumprimento do serviço militar obrigatório constituía uma mais-valia, pois dava-lhes uma “enxada” para um desempenho profissional futuro, tal eram os níveis de participação na vida escolar. Neste tempo contavam-se pelos dedos os que faziam a instrução primária completa, porque pura e simplesmente os pais ou não tinham dinheiro ou precisavam dos filhos como mão-de-obra para as suas atividades agrícolas que garantiam o seu sustento, podemos não gostar mas era assim a realidade vivida neste País.
Apesar de ser muito jovem que existiam famílias quando tinham filhos, primos e parentes mais chegados não deixavam sequer abrir a televisão enquanto eles não chegavam de volta ao seu Portugal, todos chegaram de forma diferente, porque quer queiramos não temos que contabilizar os que morreram, temos que considerar aqueles que ficaram afetados física e psicologicamente por uma guerra que não era a deles e assim era a vida das famílias nesse tempo sempre à espera de aerograma para saber noticias e isto durava anos. Sofria quem estava na Guerra e também as famílias que cá ficavam “amputadas” dos seus entes queridos, viviam as duas partes na corda bamba, uns lutavam para não morrer os familiares ansiavam que nada lhes acontecesse durante o período do serviço militar obrigatório, esta fase durou o tempo suficiente para desorganizar famílias na verdadeira aceção da palavra.
Mas existiam uma coisa muita boa que poucos falam mas que era pura e muito frequente a educação, os princípios e os valores da amizade, da fraternidade e da ajuda ao próximo estavam mais presentes do que estão hoje e não deveria ter sido assim, entendo que as pessoas de hoje com melhores condições sem a referida obrigação deviam a meu ver ter desenvolvido e cultivado mais os atributos que referi. Mas isto não aconteceu, recordo-me que quando existia um fogo, para além dos bombeiros também acorriam os vizinhos e a população em geral porque pura e simplesmente não sabiam quando é que o mesmo lhes podia acontecer a eles e assim com este comportamento já sabiam que podiam pelo menos contar com a ajuda destes.
O Francisco Pereira, chamou-lhes filhos da guerra eu chamar-lhes-ia filhos dos afetos, porque eles existiam de facto, as pessoas eram pessoas no verdadeiro sentido da palavra, os afetos pesavam muito nesse tempo na sociedade portuguesa. Nos dias de hoje vale mais o dinheiro, uma coisa tão banal que se gasta e deteriora a vida das pessoas, para além de obrigatoriamente ter criado níveis dentro da mesma estrutura de sociedade hoje podemos afirmar que existe uma parte da sociedade que tem dinheiro e outra que não tem.
Nos tempos que lhes descrevi as pessoas davam mais valor às terras que podiam cultivar e daí obter o meios para o seu sustento e fazer trocas entre eles porque se uns tinham umas coisas outros tinham outras, mas a salutar convivência faziam com que estes atos fossem normais, vivíamos numa sociedade que tinha futuro contrariamente aos dias de hoje onde vivemos sem saber como é vai ser o dia seguinte estamos todos a curto prazo.
Mas voltando aos tempos em que se dava valor à terra do que aos luxos imediatos e sumptuosos, sempre ouvi dos meus avós que mais valia ter um bocadinho de terra, porque sempre podiam cultivar produtos para depois colher o resultado e alimentarem-se convenientemente do que ter dinheiro. Muitas vezes ouvi o esforço que fizeram para poder comprar terrenos e a forma como os tratavam, era como se fosse um filho para eles. Estas gentes humildes, sabedoras e conhecedora ao contrário do que muita gente pensa eram pessoas de afetos, dando valor inestimável à palavra dada, hoje perante o avanço civilizacional temos o que está à vista e que não vou sequer escrever algo.
Esta é a minha visão do que era a sociedade portuguesa nos tempos que já lá vão, não quero generalizar, mas é raro encontrar pessoas de afetos hoje em dia, as pessoas tornaram-se mais racionais e mais descartáveis é um pavor mas é assim. Eu posso dar-vos um exemplo do que se está a passar comigo, a minha mãe morreu e muito recentemente o meu tio também faleceu e estamos perante a situação da divisão patrimonial dos haveres dos meus avós, os filhos do meu tio querem vender tudo, assim desta forma fria, eu não sei se foi por ter andado com os meus avós por ter ouvido as suas histórias, o esforço que fizeram e a dedicação com que trataram o património que cá deixaram ando a balouçar não me apetece nada trocar os terrenos por dinheiro, porque em meu entender eu passei grandes momentos da minha vida com os meus pais e avós naqueles terrenos, ouvi histórias, vivemos momentos de alegria, recordo-me de um momento de felicidade extrema que experimentei com a minha mãe, quando um dia fomos a uma propriedade chamada de corticeira onde só existem pinheiros, mas os meus avós, fizeram o que se chama dois em um, adquiriram um terreno no meio desse pinhal, fizeram um poço e arranjaram uma pequena área de cultivo, que dava tudo. Quando escrevo dois em um refiro-me ao facto de o poderem cultivar e poderem vender os pinheiros quando estes cresciam e era assim que arranjavam uns dinheiros extras para outras coisas.
Neste momento somos nós que apenas temos o nosso terreno tudo o resto já foi vendido a uma só pessoa que que dedica à criação de gado bravo, questionados sobre o nosso interesse em vendê-lo já vos descrevi reação da outra parte eu ando de alguma forma triste pois como vos disse a última vez que lé estive com a minha mãe foi um momento de felicidade único para ela e para mim, ela parecia uma miúda rindo-se a bandeiras despregadas, calcorreámos o tereno todo a pé e ela contando-me histórias tenho a certeza fomos os dois muito felizes nesse dia e não gastámos nada usufruímos daquilo que a natureza coloca à nossa disposição. Pois é meus caros eu não sou muito racional, sou muito mais emotivo e gosto destes simples que passamos com quem gostamos e custa-me muito não poder voltar a fazer de novo o mesmo percurso com os meus avós, com os meus pais e recordar os momentos felizes que vivemos, sou um saudosista mas não reacionário e dou muito valor aos bons momentos que passamos com as pessoas que me fizeram feliz e me deixaram esta responsabilidade de ser como sou, com o acabar destes locais por onde passei começo assentir o meu espaço onde me desloco cada vez mais reduzido, começo-me a sentir “engaiolado”, coisa que nunca gostei, pois como já vos contei fui criado num ambiente sem grades nem grilhetas e com pessoas humildes mas de uma grandiosidade que os próprios não tinham noção.
Pois é meus caros estou a viver novas experiências e a experimentar novas sensações de ver que não tenho condições para tratar o que os meus avos cá deixaram e a outra parte que pouco ligou ao que os avós deixaram a querem vender e eu com o constrangimento que já lhes descrevi a ficar numa posição que ando a tentar gerir com alguma racionalidade mas onde o emotivo se sobrepõe, chegando mesmo a pensar que preferiria deixar tudo como está só para poder passar por lá quando me desse na real gana e recordar e viver todas a minhas memórias, do que alienar.
Estes filhos da guerra por todos os motivos e mais um tinham motivos para serem mais racionais, mas não o foram, continuaram a ser emotivos, quando as razões para o serem vinham à tona.
Henrique Pratas
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