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BREVE DISCURSO SOBRE A LIBERDADE

14-10-2016 - Francisco Garcia dos Santos

Desde adolescente que admiro e cultivo Eça de Queiroz -primeiro como uma das referências da Língua Portuguesa, e depois enquanto crítico mordaz da sociedade e política nacionais da segunda metade do Séc. XIX.

Sem pretensões diletantistas ou de proselitismo, direi que a minha “iniciação” em Eça, mas também noutros grandes escritores portugueses românticos e realistas de “novecentos” (v. g. Camilo e Oliveira Martins), e ainda noutros europeus, como os franceses Stendhal (O Vermelho e o Preto), Flaubert (Madame de Bouvary) e Vítor Hugo (Os Miseráveis), o italiano Lampedusa (O Leopardo), os russos Tolstói e Dostoiesvski, etc., se deu por inato gosto pela leitura e de conhecimento da realidade pretérita.

Em comum, todos eles, de uma forma ou de outra, retrataram a sociedade e a política do seu tempo ou de que proximamente tiveram nota.

Voltando a Eça, quem leu O Crime do Padre Amaro, O Primo Basílio e Os Maias (trilogia conhecida como Cenas da Vida Portuguesa), mas também A Ilustre Casa de Ramires e O Conde de Abranhos (não mencionarei outros para não ser fastidioso), em tais obras ficou a conhecer a hipocrisia social e a “baixa” política de antanho, as quais, convenhamos, em tudo se assemelham às hodiernas, a que acrescentarei o atual e execrável “politicamente correcto”.

Após esta algo extensa introdução, passo ao tema deste artigo, embora previamente ainda refira que cada um dos autores, e a seu modo, amou e defendeu a Liberdade.

Ocorreu-me escrever estas linhas devido ao facto de os portugueses serem em breve “chamados às urnas” -no próximo Domingo para elegerem os seus representantes políticos na Região Autónoma dos Açores e em 2017 nas autarquias a nível nacional.

A minha memória sócio-política vivida data dos últimos anos da década de 1960 e início da de 1970, sendo que mais concretamente de 1974 e “seu” 25 de Abril.

Só desde então comecei a ouvir (e com que insistência) a palavra Liberdade, mas sempre que sem que alguém, de forma desapaixonada e minimamente objectiva, me explicasse em que tal consistia. Daí também na juventude ter começado a ler filósofos e a interessar-me pela política.

Porém, o que de tudo concluí foi que o conceito de Liberdade é subjectivo, podendo cada um gostar ou identificar-se mais com “aquele” do que com “outro”, dependendo de o respectivo autor ser de “esquerda” ou de “direita”, mais demo-liberal ou totalitário; indo até ao extremo de na tradição cristã se considerar livre o antigo eremita ou o monge de clausura no seu tão íntimo quanto solitário relacionamento com o Divino.

Recuando historicamente à “democrática” República de Atenas (cerca de 508 A. C. – 322 A. C.), Liberdade era o direito de os cidadãos (masculinos) discutirem e decidirem na Ágora os “negócios” do Estado e ascenderem a cargos governativos.

Prosseguindo para a clássica República de Roma (cerca de 509 A. C. – 27 A. C.), Liberdade consistia, à semelhança de Atenas, nos cidadãos (masculinos) aristocratas (cavaleiros/patrícios) e plebeus exercitarem o direito de discutir os assuntos do Estado, de elegerem e serem eleitos “democraticamente” para cargos públicos (v. g. senadores, tribunos da plebe, sacerdotes, cônsules) -donde decorre o lema de Roma (ainda hoje usado pela respectiva Comuna ou município): SPQR, i. e. “Senatus Populus Quae Romamus” (O Senado e o Povo de Roma).

Saltando a passos largos para a Baixa Idade Média e Renascença europeias, que por facilidade situo nos Séc. XIV e XVII, assistiu-se à emergência da burguesia, a qual, conjuntamente com a nobreza e o clero tinha direito a debater os assuntos do Estado, e caso das Repúblicas da península itálica, como Florença e Veneza, terem sido governadas por banqueiros e grandes mercadores. Continuou pois Liberdade a ter significado político.

No final do Séc. XVIII, com a Revolução Americana e sua independência em 1776, os Estados Unidos da América elegeram o seu primeiro Presidente da República, o General George Washington (mandato de 30-04-1789 e 04-03-1797); e em 1789 a França conheceu a sua Revolução, em cuja sequência, após turbulentos governos republicanos, um general corso de obscura ascendência nobre italiana, em 02-12-1804, se auto-coroou Imperador dos Franceses -Napoleão Bonaparte.

A parir de então a Europa veio assistindo a substituições de monarquias por repúblicas mais ou menos democráticas, e mesmo as primeiras democratizando-se, ou seja, “ganhando” o povo cada vez mais relevância na intervenção política e no exercício dos mais altos cargos públicos, embora, não raras vezes, de forma oligárquica.

Com isto não quero significar que desde início do Séc. XIX a Europa tenha vivido sempre em Liberdade; antes pelo contrário, muitos foram os casos de opressão mascarada de “democracia”, das autocracias e totalitarismos de “esquerda” e de “direita”.

Por fim, em nome da coerência do texto, cabe referir o que subjectivamente entendo por Liberdade.

Hannah Arendt, filósofa judaico-alemã (14-10-1906 a 04-12/1975), escreveu em Entre o Passado e o Futuro – Oito Exercícios Sobre o Pensamento Político (4 -O que é a Liberdade):

“Na sua forma mais simples (a Liberdade) …pode ser resumida pela contradição entre, por um lado, a nossa consciência e o nosso conhecimento, e nos dizem sermos livres e por isso responsáveis, e, por outro, a nossa experiência quotidiana no mundo exterior, no qual nos orientamos segundo o princípio de causalidade. Em todos os assuntos práticos e especialmente nos assuntos políticos, tomamos a liberdade como uma verdade auto-evidente, e é sobre este pressuposto axiomático que se promulgam as leis e se aplicam sentenças ”…

Onde os homens desejam ser soberanos, enquanto indivíduos ou grupos organizados, têm de se submeter à opressão da vontade, seja esta a vontade individual com a qual me constranjo a mim mesmo, ou a «vontade geral» de um grupo organizado. Se os homens querem ser livres, é precisamente à soberania que devem renunciar”.

Escolhi os trechos acima por não só gostar muito dos mesmos, mas sobretudo por os achar reveladores do que se pode entender por Liberdade e substancialmente com esse conceito de Liberdade me identificar.

Em bom rigor, Liberdade é um sentimento primeiro e exercício de vontade interior, “sentido e pensado”, só inteligível e praticável na relação com o outro, mormente no âmbito comunitário e ou político.

Face à História e ao pensamento de H. Arendt, que, como ressalta do que escrevi, muito admiro, direi que, do meu subjectivo ponto de vista, Liberdade será algo de pessoal manifestado colectivamente, devendo sobretudo sê-lo com vista à realização do “bem comum”, ainda que isso, por vezes, possa acarretar alguma penosidade individual.

Se nesta perspectiva cada um souber ser livre, todos o serão.

Francisco Garcia dos Santos

 

 

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