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Notícias e Opinião do Concelho de Almeirim de Portugal e do Mundo
 

RECORDANDO
MULHERES VISÍVEIS

26-08-2016 - Matos Serra

VOU DEDICAR DOIS POEMAS A DUAS MULHERES EXTRAORDINÁRIAS, UMA, A RUTH QUE NESTES TEMPOS DE LUTA DECISIVA SE ELEVA À DIMENSÃO DAS HEROÍNAS… OUTRA, A HELENA, UMA POETISA DE FINO ESTRO, POETISA DO AMOR… QUE CONJUGA, NOS SEUS EXCELENTES VERSOS, UMA CONSTANTE PREOCUPAÇÃO COM AS QUESTÕES CANDENTES DO NOSSO TEMPO EM TERMOS DA JUSTIÇA, EQUIDADE, LIBERDADE E FRATERNIDADE HUMANA.

O PRIMEIRO POEMA É, POR SUA VEZ, DE UMA MULHER QUE MARCOU INDELEVELMENTE O PASSADO SÉCULO, CUJA VIDA E OBRA NÃO É, COM PREJUÍZO CULTURAL PARA NÓS, REFERENCIADA NO NOSSO PAÍS EM CONFORMIDADE COM A SUA DIMENSÃO HUMANA. O SEU NOME É “VIOLETA PARRA” UMA LENDA DA MÚSICA E DA POESIA LATINO-AMERICANA QUE DEDICOU A SUA VIDA, RELATIVAMENTE CURTA, A ESPALHAR PELO MUNDO UM CANTO PARA TODOS OS OPRIMIDOS TENTANDO INSUFLAR, NA LUTA POR UM MUNDO MAIS JUSTO, ALEGRE E FELIZ, A FORÇA E A CORAGEM DO SEU CANTO.

O POEMA DE VIOLETA É, POR ELA, DEDICADO A OUTRA MULHER VISÍVEL QUE O PASSADO SÉCULO TAMBÉM PROJETOU PARA A HISTÓRIA DO FUTURO – “VALENTINA TERESHKOVA”, COSMONAUTA RUSSA.. ESTE TEMA INTITULA-SE TAMBÉM: QUE VAMOS A HACER?. JUNTAMENTE COM OUTROS TEXTOS SEUS – A CARTA e EL SANTO PADRE, FOI CENSURADA PELOS ESBIRROS DO SEU CHILE NATAL.

O SEGUNDO POEMA TRATA UM TEMA BÍBLICO, QUE JÁ FOI TRATADO, NO SÈCULO XVI; PELO NOSSO GRANDE LUÍS VAZ NUM DOS SUS GENIAIS SONETOS… O MEU POEMA, TRATADO NUMA MODALIDADE DIFERENTE, PRETENDE SER UMA DESCOMPROMETIDA RÉPLICA AO SONETO DO NOSSO GENIAL LÍRICO E É BASTANTE MENOS LÍRICO, NELE SE REFEREM DUAS FIGURAS FEMININAS DE QUE FALA A BÍBLIA SAGRADA, RAQUEL E LIA AS, AO QUE DIZEM OS INCUNÁBULOS, LINDÍSSIMAS FILHAS DE LABÃO, LOGO, O POEMA TRATA NÃO DE UMA COMOVENTE HISTÓRIA DE AMOR, COMO CAMÕES A TRATOU NO SEU SONETO… MAS DO CAMBALACHO ENTRE LABÃO E JACOB A QUE AMBAS FORAM ALHEIAS.

PRIMEIRO POEMA:

TÍTULO: AJUDA-ME, VALENTINA.

Que havemos de fazer com tantos e tantos oradores
uns valem-se de livros, outros de bonitas razões.
Alguns de contos vários, milagres e aparições
e alguns outros da presença de esqueletos e escorpiões
mamita mia.

Que havemos de fazer com tanta prece sobre nós,
que alega em todas as línguas sobre glória e isto
e aqueloutro.
De infernos e paraísos, de limbos e purgatórios,
édens e vida eterna, arcanjos e demónios
mamita mia.

Que sim, que adorem a imagem da Senhora
Maria
que não se adore nenhuma senhora nem senhorita,
que sim, que não, que amanhã que
uma sexta-feira de madrugada,
que para entrar na glória, dinheiro se necessita
mamita mia.

Vê-se que não são muito limpos os trigos nesta
vinha
e o joio pretende comer-lhe toda a espiga.
Pouco lhe diz a forma com que há-de cravar o
seu lenho
para chupar o mais débil, que diaba a
levandija!
Mamita mia.

Que havemos de fazer com tanto tratado do
alto céu,
ajuda-me Valentina já que tu voaste a grande
distância,
diz-me de uma vez por todas que lá em cima
não há tal mansão,
amanhã a há-de fundar um homem com a sua
razão,
mamita mia.

Que havemos de fazer com tantos embaixadores de
deuses,
saem-me a cada passo com os seus caninos
ferozes
extrema-te, Valentina, que aumentam os
pastores
porque já aí vem o derrube do conto dos
sermões
mamita mia.

Que havemos de fazer com tanta mentira
Esparramada, Valentina, Valentina, pratiquemos a
Escobillada.
Senhores: debaixo da terra a morte fica selada
e a todo o corpo, na terra, o tempo torna
nada
mamita mia.

NOTA: Violeta Parra suicidou-se em Fevereiro de 1967, pouco antes de eu partir para a minha segunda comissão na guerra colonial. Soube da sua morte através de “RÁDIO MOSCOVO. Os masse-média fascistas não noticiaram esta perda trágica.

Matos Serra

SEGUNDO POEMA

OS CASAMENTOS DE JACOB - PELA DIGNIFICAÇÃO E LIBERTAÇÃO DA MULHER

Este despretensioso poema, reconta, com um cheirinho de ficção, uma história da Bíblia, e reescreve a ideia que Luís Vaz tratou num dos seus mais belos sonetos, contar em poesia, o cambalacho acordado entre Labão e Jacob, em que este pastor comprou ao amo, as duas filhas, Lia e Raquel. Luís Vaz dourou bastante a pílula, com o extraordinário romantismo que lhe era peculiar, enquanto que eu pensei pôr a tónica na crítica à poligamia da época que a Palavra de Deus tem continuado a aceitar.

A possibilidade das mulheres poderem decidir sobre os seus problemas, nomeadamente, sobre o estabelecimento das suas próprias relações conjugais, foi muito difícil, através dos séculos, como esta história, que Camões cobriu com o manto diáfano da fantasia, comprova.

TÍTULO: OS CASAMENTOS DE JACOB

Jacob, um rapagão que era pastor
e guardava as ovelhas de Labão,
era mais que pastor, um pingamor,
não controlava o fogo da paixão.

A filha de Labão, linda donzela,
às vezes passeava pelo prado,
o sol iluminava o rosto dela...
Jacob quase ficava deslumbrado.

Um dia, vai Raquel a ver o gado,
esvoaça-lhe a saia com o vento,
o pobre do pastor fica excitado
e vai pedir Raquel em casamento.

Envolvido nas teias da paixão,
tornou-se para além de guardador
do rebanho de ovelhas de Labão
num promitente genro do senhor.

Jacob foi recebido por Labão
e Labão que era mente muito astuta
e propôs a jacob a condição
de a pagar com sete anos de labuta.

Sete anos a partir deste momento
a guardares as ovelhas dia a dia...
manténs-me em equilíbrio o orçamento
e, no fim, tê-la-ás por companhia.

Jacob apaixonado por Raquel...
sete anos a pagar... chegou o dia...
lá vai p'rá receber... mas, pobre dele,
Labão guardou Raquel e deu-lhe a Lia.

Fica o pobre pastor desapontado
que Labão o contrato não cumpria,
p'ró negócio não ser tão desastrado
lá se conformou... levou a Lia.

A força da paixão não se esvaía...
só Lia que era doce como o mel,
com o Jacob na cama conseguia
fazê-lo esquecer-se da Raquel.

Se a Raquel ia ao campo e se esquecia
de aconchegar um pouco os tornozelos...
tinha sonhos à noite e não dormia...
às vezes, mais que sonhos, pesadelos.

Quem pagava era a Lia que dizia:
meu amor, eu, assim, não aguento...
por isso ele voltou, um certo dia,
a pedir a Raquel em casamento.

Vai daí... o amor tirou-lhe o ócio,
o Jacob andava mesmo apaixonado
e, propôs a Labão outro negócio,
mas, a pensar num preço moderado.

Trabalharás sete anos sem soldada
que eu cá me arranjarei mais a velhota,
senão... vou vender a tua amada
a outro, que me pague em boa nota.

O ativo pastor ficou sem fala...
ter que esperar sete anos pela boda... mas...seja como for... eu vou levá-la
nem que eu seja pastor a vida toda...

Foi assim que Jacob acasalou
com as duas belas filhas de Labão...
só assim a paixão se moderou
e controlou o fogo da paixão.

Foi sempre um bom marido que cumpria
e, além de cumprir, era fiel...
uma noite de amor era de Lia
outra noite de amor a de Raquel.

Contrato entre Jacob e o Labão
que as mulheres não contavam p'ró tratado...
para eles foi uma boa solução
e Deus... abençoou este noivado.

Matos Serra, in Poesia de Cariz Social

 

 

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