RECORDANDO
08-07-2016 - Matos Serra
Hoje recordo uma carta que, em abril de 2014, enviei à ASSOCIAÇÃO ABRIL e de que nunca recebi resposta.
A carta era no sentido de participar numa sessão sobre o tema “O 25 de novembro de 1975 e eu desejava participar para esclarecimento da verdade.
Tinha havido, através do FACEBOOK um convite à participação no evento.
Segue cópia da carta:
À ASSOCIAÇÃO ABRIL
Com consideração e o meu cumprimento a V. Ex.as, venho corresponder, na medida que me é possível, ao convite inserido na V. página do FACEBOOK e congratular-me pelo esforço que continua a ser feito para que o 25 de novembro não seja esquecido porque, do meu ponto de vista, essa é uma condição para que um dia a verdade… daquilo que então se passou, venha a ser clara, sendo que, para isso, também um dia sejam abertas as portas da informação àqueles que estiveram, como eu, no epicentro da borrasca mas, do lado que sempre silenciaram, abertamente ou de forma encapotada…
Há alguns anos um jornal, da nossa comunicação escrita, dita livre e democrática, teve a excecional abertura de convidar o meu fraternal amigo, Mascarenhas Pessoa, que, como eu, esteve no epicentro da borrasca de novembro de 1975… e digo novembro de 1975 sem me concentrar, tão somente, no próprio dia do zénite, porque o drama é muito mais vasto que a dimensão de um dia… o convite era para uma entrevista condicionada a um restrito número de perguntas, escolhidas a dedo pelo jornal e configuravam, não um exercício de liberdade e procura de uma verdade sincera sobre os factos… mas uma armadilha que o meu amigo não aceitou, porque lhe punha férreos limites e ele, como eu, e outros mais portugueses, já sabermos, dolorosamente, como se confecionam os vestidos com que esta democracia neoliberal se enfarpela, e… mandou esses jornalistas, livres e democratas, dar uma volta.
Eu, como o meu amigo Pessoa e mais uns quatro oficiais que estivemos no epicentro do drama dos paraquedistas desde o tempo em que, no 28SET74, pela mão do seu comandante Durão, o GEN. DO MONÓCULO, instrumentalizou a unidade contra a REVOLUÇÃO DE ABRIL ( escrevo revolução de Abril com maiúscula… não por acaso)… Passamos o drama do onze de março que adensou mais o estado psicológico e, desaguamos no sete de novembro de 1975 em que, mais uma vez, os paraquedistas foram usados, instrumentalizados, enganados, violentados… quando dois oficiais assumiram a missão filofascista de ir destruir à bomba, na presença de oitenta militares, sargentos e praças, que instalaram a montar guarda, os emissores da Rádio Renascença. Terá a verborreia radical e pseudo-revolucionária facilitado aos mandantes essa ação violentamente desproporcionada em que os deficientes que então ali operavam, nem tiveram tempo de retirar os seus haveres, indo tudo pelos ares, mas, o que é certo é que essa ação de censura, a mais violenta de todo o século vinte, mesmo contando os quarenta e oito anos do fascismo, foi a gota de água envenenada que desencadeou o drama. Mas, o mais grave, ao que sabemos hoje, lendo com atenção o livro “A RESISTÊNCIA”, de Gomes Mota, um soarista exacerbado antigonçalvista e anticomunista… e, lendo também a esclarecedora peça jornalística do Expresso Revista “FOI O VERMELHO OITO QUE ESPOLETOU O 25 DE NOVEMBRO – O caso dos 123 oficiais de Tancos, o 25 de novembro resulta de uma estratégia conjugada de forças anticomunistas, cegamente exacerbadas contra a perspetiva de uma mudança, via socialista que todos fingiam aceitar, porque, na altura, o povo a exigia sem tibiezas. Não devemos esquecer que, muito depois de novembro, a constituição foi aprovada, contemplando essa via, assinada por todos os partidos, apenas com engulhos expressos do hoje CDS-PP, o partido do táxi, representado, no governo de suicídio nacional em vias, não para o socialismo… mas, para um retrocesso civilizacional a caminho da barbárie social e económica, rumo á pobreza, à perda de independência nacional e ao afundamento da Mãe Pátria.
Hoje, os autores confessos do novembro do retrocesso, da implantação de um rotativismo neoliberal corrupto, rapace e inepto, são, alguns sem disso se aperceberem, os porteiros solícitos do capital financeiro feudalizante e das troikas que impõem, pela via neoliberal das privatizações de tudo… a entrega de toda a riqueza nacional às mãos dos seus donos e senhores.
Aqueles que, fingidamente como se pode constatar, lendo o livro que menciono, defendiam o processo rumo a uma sociedade mais justa, igualitária, produtiva pela via da ativação dos setores estratégicos da nação, que pusesse, á testa da gestão da Pátria, os mais capazes e honestos e, por isso, fingiam defender o socialismo que a primeira constituição de Abril consagrou… dizem, e basta ter retido os seus discursos e escritos… que não senhor, nunca esteve no seu plano uma via socialista. Em que ficamos então? Finge-se rejeitar o neoliberalismo que é a fase em que está, e não retrocede, o capitalismo financeiro explorador mas, rejeita-se o figurino social que pode ser resposta a esta barbárie e sonha-se com a humanização do capitalismo… Que fazer face a isto?
Este processo, que decorreu, na fase pré-novembro e pós novembro, envolveu muitos companheiros de Abril que eu considero de dimensão humana elevada e, não obstante termos estado em polos diferentes da barricada, homens de grande preocupação social… e, por isso, apesar do que sofri e das amarguras e frustrações por que passei… continuo a dispensar-lhe a minha sincera amizade e a ver na sua ação sinais de esperança mas… o tempo não é de continuarmos a invocar feridas e a fragilizarmo-nos, o tempo é de união contra a barbárie que tende a instalar-se, mas, também, tem que ser um tempo da verdade dos justos. Os militares de Abril continuam divididos e o povo fraccionado por partidos que têm a sua razão de ser (não sou contra os partidos) mas esta democracia que se tem estribado na mentira e nas falsas promessas para se sustentar… do meu ponto de vista, continua a ser formal mas deixou de ser legal e justa porque assentou arraiais sobre os escombros das mentiras de novembro. A sua razão de ser deixou de ser justa razão e, por isso mesmo, não tem razão de ser e não é com ela que se encontrarão os justos caminhos da Pátria.
Em novembro de 1975 eu, em desespero de causa, aceitei participar numa ação de enquadramento da minha unidade, que, depois de em 12Nov ter chefiado uma delegação que foi a Lisboa pedir intervenção de Otelo junto do PR para que ele pusesse os páras traumatizados com a ação da Rádio Renascença e a ordem de destruição da unidade pelo Conselho da Revolução e fizesse regressar á unidade os oficiais sediciosos e, como os sargentos e praças exigiam, a reintegração dos conselheiros saneados à esquerda, que eram o ónus da sua confiança e, em 18Nov75 chefiei outra delegação de páras que nos deslocamos ao Forte de S, Julião da Barra, onde estava reunido o Conselho da Revolução presidido pelo PR, Gen. Costa Gomes, mandatados pelo Comandante Mascarenhas Pessoa, para falarmos diretamente com o Presidente no mesmo sentido de resolver o problema da unidade traumatizada e prestes a sublevar-se, mas o PR em vez de nos receber mandatou o Chefe do Estado Maior da Força Aérea em seu lugar em função da estratégia conjugada que, hoje sabemos pela boca dos seus autores, tinha sido planeada já com comissão liquidatária nomeada para destruição da BETP, (BASE ESCOLA DE TROPAS PARA-QUEDISTAS) com um certo sadismo pois desta comissão nomeada faziam parte dois dos oficiais solidários com os seus sargentos e praças. Este facto é abjeto em termos de ser uma violência atroz aos próprios princípios e valores implementados com a Revolução de Abril. Pela minha parte fiz um esforço até ao desespero pela unidade de Abril. Nas movimentações operacionais em que acedi participar, no sentido de forçar o PR a assumir o nosso comando, para salvar a unidade…
tendo tomado pacificamente, com cerca de sessenta Homens, a base mais numerosa da Força Aérea, ao que me disseram, mais de dois mil efetivos… foi ainda com o espírito de contribuir para defender a instituição que sempre servi, pondo as minhas capacidades, que sempre foram reconhecidas ao serviço de uma Pátria que pretendia e almejava justa, humanizada, feliz, e com janelas promissoras abertas ao futuro.
Hoje, quando os que sonhamos e pusemos Abril em marcha, nos encontramos divididos por várias correntes e grupos eu, que me vejo ultrapassado no meu sonho de um Abril coeso, fraterno e forte… estou em todas… Estou na nossa Associação 25 de Abril, a casa primordial dos que mantêm o sonho, estou na Associação Conquistas da Revolução onde pretendemos não deixar que estas conquistas que conseguimos se deixem esvair por completo, o que está em vias de acontecer, nessas conquistas, uma delas, a REFORMA AGRÁRIA que eu, propositadamente, escrevo com maiúsculas, participei com empenho ajudando antigos companheiros do trabalho árduo dos campos e das jornas, como antigo operário agrícola, lenhador, ceifeiro e corticeiro, a organizar-se para que se pusesse o Alentejo improdutivo do latifúndio a produzir mais riqueza para o seu povo e seu país… por isso estou, também no Grupo VAH, “VIVER ABRIL, HOJE, um grupo de gente honrada, lutadora, abnegada e muito indignada com os descaminhos da Pátria. Deste grupo faz parte um grande amigo e amigo da minha terra alentejana, que como eu, fomos praticamente os únicos…esteve solidário e ajudou muito o meu Alentejo trabalhador e sonhador, refiro-me ao meu amigo Coronel Andrade da Silva, que no Abril já distante era como eu um jovem tenente com uma talegada de sonhos… Também estou na nossa AOFA, onde militam extraordinários companheiros no sentido de defenderem as gentes e as causas militares e na ASMIR e sempre solidário com as outras organizações de sargentos e praças, onde outros combativos e altruístas camaradas defendem as causas de Abril, da justiça, da moral da fraternidade e dos direitos e deveres da cidadania. Como também pertenço aos corpos gestionários da Delegação do Alentejo da A25A como vice-presidente e do Núcleo do Norte Alentejano como presidente, onde já tive o prazer de convidar o meu amigo, camarada de armas e presidente da nossa A25A, que aí esteve presente e, correspondendo a uma orientação da Direção da A25A, enviada com a sua chancela, para prepararmos a comemoração condigna dos quarenta anos da nossa, maltratada revolução de Abril, irei, por um destes dias envidar esforços para reunião, debate e traço de perspetivas nesse sentido, sendo que, da minha parte irei propor realizações que congreguem e harmonizem as vontades dispersas no sentido e uma união destes grupos para uma atitude comum que ajude e concorra para a constituição de uma frente por Abril.
No que diz respeito a essa iniciativa que aí decorrerá… no sentido de envidar um pequeno esforço para que a verdade acabe por vir ao de cima e se saiba quem foi quem no processo de novembro envio o documento das mensagens
liquidatárias, para uma ajuda no esclarecimento da verdade.
Matos Serra.
Esta carta foi escrita em abril de 2014
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