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RECORDANDO

06-05-2016 - Matos Serra

A minha memória está, hoje, a recuar mais de quarenta e três anos e, desta forma, retrocede até ao mês de abril de 1973. No princípio desse mês, longínquo, perspetivava-se o III CONGRESSO DA AÇÃO DEMOCRÁTICA que haveria de decorrer na cidade de Aveiro, entre os dias quatro e oito, no dia oito decorreria o encerramento do congresso…

Eu vivia, então, no Entroncamento e prestava serviço no Regimento de Caçadores Paraquedistas, como militar profissional, com o posto de Tenente Paraquedista.

No Entroncamento a Pastelaria Ribatejana era o ponto de encontro de um grupo de amigos… alguns militares milicianos, oficiais e sargentos, alguns operários da CP, dois irmãos, melhor dizendo, irmão e irmã, ambos trabalhadores estudantes e eu próprio, único oficial do quadro. Havia, também, com ligação a este grupo, dois ou três oficiais milicianos da Base Aérea n-º 3, que nunca cheguei a contactar pessoalmente, mas que, por ligação a elementos do grupo, estavam no mesmo barco.

Com antecedência combinamos que, cedo, na manhã desse oito de abril, partiríamos do Entroncamento a Aveiro para assistirmos ao encerramento do Congresso. Na véspera reunimos e, aí, por ser o único militar do quadro envolvido, fui desaconselhado de participar diretamente mas, nessa noite, depois do regresso dos participantes, reunimos, pelas 22H00, na Pastelaria Ribatejana para fazermos o ponto da situação e concluímos – o povo tinha perdido o medo, as várias fortes cargas policiais não tinham desmotivado a resistência dos participantes que se reconstruia logo que a polícia afrouxava as cargas, o regime dava sinais de estar em apodrecimento.

Uma parte dos componentes deste grupo eramos assinantes da Revista “Seara Nova” que, à-posterior, recebemos a brochura com as conclusões do congresso, que ainda guardo.

Recordo, agora, também, a intensidade desses dias e de como eles contribuíram para o desenvolvimento dos fatores subjetivos com que muitos de nós nos inserimos no processo do 25 de abril de 1974…

Recordo-me que, depois de termos analisado o que se passou em Aveiro termos almejado algo que nos trouxesse condições para darmos ao regime o empurrão final e fatal com que se resolvessem os problemas candentes do povo e do país e de como o ano de 1973 continuou a ser pródigo quando uns dois meses depois do Congresso de Aveiro nos ofereceu, de bandeja, as condições para esse empurrão quando um atabalhoado Decreto-Lei do regime, a contas com a resolução do problema dos quadros militares para a continuação da guerra colonial, congregou um grupo de capitães da Academia Militar que eram, face aos oficiais do Quadro do Complemento, prejudicados na ascensão da sua carreira militar… estava, assim, criada uma situação político-militar que não poderia ser desaproveitada.

Esse processo corporativista foi o caldo de cultura que cerca de 2% dos oficiais das Forças Armadas não deixamos de aproveitar e se transformou no processo político, gérmen da Revolução de Abril de 1974. Bendito seja o ano de 1973…

Recordo ainda, em termos de elementos congregadores do movimento militar que preparou ABRIL, o livro do General Spínola “Portugal e o Futuro”…A partir de 23 de fevereiro de 1974 passei a cotejar esses dois livros que foram de uma oportunidade incontornável: “Portugal e o Futuro” versos “Conclusões do III Congresso da Acção Democrática” que, cada qual à sua maneira, foram as guias de marcha do salazarismo caetanista.

Contudo, recordo que essas duas publicações tendo-se reforçado, reciprocamente, na sua contribuição para a queda do regime, também criaram, à partida, as duas vertentes fundamentais no MFA e nas visões do processo do 25 de abril que ainda hoje, de alguma forma, perduram…

Quanto a mim, uma é a que se espelha na Constituição da República Portuguesa de 1976… é aquela cujos elementos vêm sendo menosprezados e, até, vilipendiados, á medida que, com as suas já sete revisões, a Constituição da República vem sendo esvaziada dos seus mais genuínos e humanos princípios e valores.

Recordo como na declaração final do III Congresso da Acção Democrática, de abril de 1973, expressa na brochura produzida, se concluíam três objetivos fundamentais, imediatos e possíveis a atingir, através da ação conjunta das forças democráticas, que eram:

- Fim da guerra colonial;

- O desenvolvimento do país deveria ser inserido numa luta contra o capital monopolista;

- A conquista das liberdades democráticas, entendidas como meios de atingir o objetivo final – a conquista do socialismo.

Estes objetivos eram, precisamente, os mesmos que vieram a figurar no comunicado, conjunto, do Partido Socialista e do Partido Comunista Português de setembro de 1973 e estão em conexão com os objetivos que vieram a constar no Programa do MFA de 25 de abril de 1974 e que se podem consubstanciar nos três Ds do processo iniciado em abril/74 e que se desenvolveram e consubstanciaram na Constituição de 1976.

Recordo ainda que, a nova ordem do General Spínola preconizada nas teses desenvolvidas no “Portugal e o Futuro”, tão queridas pela direita neoliberal e por uma parte dos militares, no processo de abril, foram rejeitadas e repudiadas pelo povo português, com pronúncios evidentes em 28 de setembro de 1974 e no 11 de março de 1975, contudo, essa vertente, centrada e aglutinada nos partidos da direita, defensores de um neoliberalismo puro e duro privatizador das riquezas e dos setores estratégicos da nação, já ultrapassou, há muito tempo, as teses liberalizantes do General do monóculo.

Apesar dos vários ataques que a Constituição de 1976 já sofreu e porque ela continua, de alguma maneira, a refletir princípios e valores fundamentais do 25 de abril muito caros ao bem do povo português, uma vertente da luta política deve ser a defesa da Constituição, razão porque esse tema será o que tratarei no meu próximo texto no nosso “Notícias de Almeirim”

Um abraço fraterno do

Matos Serra

 

 

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