ABRIL
22-04-2016 - Henrique Pratas
Solicitado a escrever sobre o 25 de abril de 1974, faço-o com todos o gosto apesar de alguma nostalgia que tenho dentro porque entendo que as coisas podiam ser tomada um rumo bem diferente se se de facto existisse uma sintonia ente a sociedade civil e os militares.
Eu assisti a tudo em direto porque na altura frequentava a Escola Comercial Veiga Beirão situada no Largo do Carmo, com as aulas começavam às 8 horas da manhã, levantei-me às horas habituais e dirigi-me para a Escola, não fui informado do que se iria passar, mas recebi uma mensagem em papel para não arredar pé do Largo do Carmo, estranhei ter recebido este tipo de mensagem pois tal não era habitual, mas face à informação que me entregaram não arredei pé dali, então pude assistir à saída de quatro pequenos carros de combate com lança granadas colocadas na parte superior do veículo blindado. Estes carros saíram do Quartel da GNR, no Largo do Carmo a toda a pressa e passados instantes que foram estavam a entrar de novo no quartel com a mesma aceleração e foi aí que se fecharam os portões as portadas das janelas, o quartel parecia um bunker. Só instantes depois fiquei a saber que os “rapazes” se tinham deslocado a Monsanto às antenas de comunicação da Força Aérea e como lhes deram sopa regressaram imediatamente para trás antes que fossem apanhados no meio da tomada de forças, entretanto recebia a informação que Salgueiro Maia enfrentava na Rua do Arsenal, forças fiéis ao Governo, que ainda protegiam os Ministros e Secretários de Estado que se refugiaram nos Ministérios, mas a negociação levou tanto tempo que quando lá entraram eles já tinham escavado buracos na parede para puderem fugir, soube que a negociação foi dura e que na altura o comandante das forças que pretendiam ocupar e derrubar o regime esteve por um triz não fora um soldado desobedecer a uma ordem de fogo e os caminhos teriam sido outros certamente, resolvido que foi este episódio, receberam instruções para se deslocarem para o quartel da GNR, no Largo do Carmo, onde se encontravam o Presidente do Conselho, Rui Patrício e outros Ministros que lhes eram fiéis.
A coluna militar acompanhada dos carros de combate dirige-se então para o Largo do Carmo, não conhecendo as ruas por onde deviam passar para lá chegar e atendendo ao facto de que as mesmas não podiam ser muito ingremes por causa dos carros de combate que eram de lagartas e como há época as ruas eram em basalto a aderência destes era muito reduzida sendo difícil de os controlar. Com maior ou menos dificuldade lá conseguiram chegar à Calçada do Sacramento e pelas razões que já vos descrevi tentaram-na subir era o caminho mais direto, não conseguiram subir ¼ da Calçada, fui aí que entrevi e sugeri-lhes que deixassem descair as viaturas, subissem mais um pouco da Rua Garrett e que voltassem na segunda à direita porque a subida era menos ingreme e ficavam em posição, quero dizer mesmo em frente ao quartel do Carmo e assim foi.
Quando lá chegaram apareceram em simultâneo muitas pessoas, que se manifestavam ruidosamente contra a queda do regime e que com a sua força, tentavam que o mesmo caísse, o Largo do Carmo estava pejado de pessoas, vindas de todas as ruas, não cabia mais ninguém, foi aí que as coisas começaram a aquecer.
As forças sitiantes deram ordem de rendição às forças sitiadas por três vezes e das três vezes receberam um não como resposta, na última resposta negativa o comandante das tropas sitiantes decidiu dar uma rajada de metralhadora, que por acaso ou não, não acertou em nenhuma janela, porta ou outra parte mais frágil do edifício. Aqui eu fiquei a pensar. Depois disto vem à porta de armas um GNR com uma bandeira branca e informa o comandante das forças sitiantes que sua Excelência o Presidente do Conselho, só entrega o poder a um oficial que tivesse a patente de general e não a um mero capitão que tinha ocupado aqueles terrenos e que queria um avião no Aeroporto para o levar para o Brasil. As pessoas continuaram a pressionar através de palavras de ordem, enquanto o comandante das forças sitiantes falava com os diferentes envolvidos contando-lhes as exigências feitas, par que se chegasse a um consenso, foi aí que a população que estava no Largo do Carmo pressionou ainda mais, aproveitei par dar uma volta pelo perímetro de segurança que tinha sido montado em redor do Largo do Carmo, que já tinha sido invadido pacificamente pelas pessoas que continuavam a pressionar com as suas palavras de ordem a queda do Governo e fim da Guerra Colonial, fui encontrar um companheiro de escola que como não tinha aproveitamento, foi incorporado mais cedo e tinha acabado de fazer a recruta, tremia que nem varas verdes, questionei-o porque razão se encontrava naquela situação, já que a seu lado tinha uma G3, pronta para o que desse e viesse foi aí que ele me disse que não tinha munições, aí sentido medo se existisse uma reação militar dos GNR’s que estavam aramados até aos dentes, tenho dúvidas que aquilo não se tornasse numa matança. Desde essa altura fiquei com uma dúvida no meu espirito, então um comandante sitiante com as bocas-de-fogo que cada um dos carros de combate tinha em vez de mandar uma rajada de metralhadora inofensiva, tinha dado instruções para que fosse deparado os canhões que cada um dos carros de combate era portador e o Quartel do Carmo ter-se-ia esboroado todo e resolvia-se o problema de uma vez por todas. Penso eu que quem quer tomar derrubar um Governo não dá três oportunidades de rendição e todas elas são negadas e não existe uma reação à altura.
Depois de este aparato eis que surge o general Spínola num Peugeot preto pertencente, às mordomias dos oficiais das altas patentes das forças militares portuguesas, conduzido por um ordenança.
Entra no Quartel do Largo do Carmo e rapidamente sai, pois já tinha acordado as condições de rendição, entra o carro de combate que garante a integridade física de quem vai lá dentro e ruma direi ao aeroporto, não sem antes terem apanhado um valente susto, pois a população não queria deixar sair a viatura e com a intervenção e proteção dos militares ela lá foi saindo, mas sempre com a população com a intenção de a fazer parar ou em alternativa a fazer tombar, mas os militares não deixaram, passado este episódio e limpo que estava o Quartel do Carmo e com o Governo entregue a Spínola, os militares desmobilizaram e foi aí que apareceram as floristas com cravos que os militares colocavam nos canos do seu armamento, outras pessoas ofereciam cervejas, outras sanduiches, café, leite e outros produtos alimentares e o desfile vitorioso iniciou-se, até que alguém se lembrou dos PIDES, ali bem perto na António Maria Cardoso, chegados lá alguns militares foram recebidos a tiro e se a memória não me atraiçoa dois ou três civis foram mortos. Alpoim Galvão então comandante dos fuzileiros assumiu a tomada das instalações da PIDE e até aos dias de hoje “ninguém” sabe o que aconteceu lá dentro, o que aconteceu ao espólio desta policia politica. O que sabemos é que eles foram presos, nem julgados pelos crimes que cometeram e que um belo dia desaparecem da prisão em Alcoentre.
Tinham-se esquecido de outras forças paramilitares os Legionários que se encontravam situados na Rua Penha de França, perto da Igreja, lembram-se deles já passava das 14 horas, quando vejo passar os carros de combate a toda a velocidades subindo a Rua onde os meus pais moravam, com escorregadelas aqui e acolá lá subiram a Rua e chegaram ao seu objetivo, que tomaram conta prontamente, então com tanto tempo depois de tudo se ter passado tinham tido tempo, para colocar tudo a salvo e desaparecerem.
Mais haveria para contar pois eu nesse dia passei por todos os locais onde havia borrasca e vi muita coisa, fiquei obviamente como todos os Portugueses crentes de que se tinham criado uma janela de oportunidade para que se construísse um País diferente com a envolvência do Povo, alimentei e alimento essa esperança, porque se deixar de acreditar nela deixo de sonhar e ao deixar de o fazer morri.
Termino escrevendo que nunca pensei que chegássemos onde chegámos, por mais imaginação fértil que possua nunca pensei em passar por aquilo que todos passámos e estaremos para passar.
Henrique Pratas
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