Panama Leaks: falsos Escândalos e verdadeiros Escandalizados
08-04-2016 - Blog O Economista
Comecemos pelo começo. O Panama Leaks é a primeira divulgação não autorizada de informações internacionais que resulta do assalto a uma empresa privada legal e não da penetração num Estado ou num serviço secreto estatal. Até aqui, as vítimas eram o Estado.
Os dados foram divulgados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ) e obtidos pelo Süddeutsche Zeitung , de Munique, por certo um dos mais enfadonhos diários deste mundo. Os autores da fuga de informação preferem dar-lhe o nome oficioso de Panama Papers mas O Economista Português julga mais exata e verdadeira a designação de Panama leaks . É ignorado o autor da fuga de informação . Talvez seja o ministério das Finanças alemão ou a Transparency International. É alguém com acesso a espionagem eletrónica de alto gabarito. É certo que não quer revelar-se, o que é mais do que compreensível, como o leitor a seguir verá. A vítima da fuga de informações é conhecida: é a Mossack Fonseca , um escritório de advogados no Panamá, especializado em questões financeiras, incluindo constituir sociedades, muitas das quais atuam em paraísos fiscais, perfeitamente autorizados pelo nosso governo, pelos governos de todo o mundo e pelas Nações Unidas. Entre nós, a divulgação escandalosa convence os informados (nós) que houve ilícito, escândalo de corrupção universal. O escândalo resulta apenas daquilo a que Jean-Paul Sartre (1905-1980), um filósofo e analista social francês, chamava «colocar em situação»: o inocente, posto na situação de acusado, parece culpado . Nos ficheiros secretos do Panama Leaks haverá culpados, se houver. Até agora, foi-nos contada apenas uma história de fadas más, cujo anti herói é o Sr. Putin e um violinista – tudo assente em deduções tão belas que dispensam a menor prova. O escândalo está na encenação e não na revelação encenada . Os jornalistas que a divulgam dizem que têm muito cuidado, não dizem nomes, vão «enquadrar» tudo. O espetador ou o leitor não percebem o que significa este «enquadrar» mas como são jornalistas a entrevistarem colegas jornalistas, poupam-lhes perguntas difíceis. No caso, enquadrar é averiguarem, com base nos dados rapinados àquela firma de advogados, se esses dados revelam alguma atividade delitual de alguém mediático. O cuidadinho é sensato da parte deles: as operações denunciadas são em princípio lícitas mas os jornalistas «colocam em situação» as suas vítimas e apresentam-nas como delinquentes. Correm o risco de terem que lhes pagar chorudas indemnizações em vistosos processos. Talvez até tenham que indemnizar a firma roubada por usarem informações dela sem autorização.
Para lá dos Pirinéus, o escândalo é a elite mundial recorrer a paraísos fiscais. Os maus da fita são as estrelas mediáticas, chefes de Estado do terceiro mundo e da Islândia (coitadinha!) e e máfias para todos os gosto mas, extraordinariamente, as empresas salvam-se: só as multinacionais são acusadas. A surpresa é falsa : todos sabemos que os países das Nações Unidas toleram os paraísos fiscais e ninguém supunha que os seus clientes residissem nos bairros da lata de Mumbay. Só que o recurso aos paraísos fiscais é suscetível de ser perfeitamente legal. O Panama leaks desvendará aqui um conflito entre o legal e o moral? Veremos. Mas é uma ilusão pensar que a União Europeia (UE) conseguirá tributar os ricos com taxas comunistas ao passo que os Estados Unidos e a Ásia os deixam ficar com a maior parte dos seus rendimentos. Como qualquer ingénuo sabe, na UE os paraísos fiscais preenchem a função de conciliar taxas marginais de IRS muito elevadas, para agradar a socialistas e comunistas, com taxas efetivas de imposição aos muito ricos aceitáveis por eles. De outro modo, ir-se-iam embora – como estava a acontecer em Inglaterra desde o final dos anos 1970, com evidentes prejuízos para o crescimento económico.
A nossa comunicação social não percebeu bem o que estava em causa . A pequena parte que percebeu manteve-se nas encolhas e nada explicou. Vejamos. Os Panama leaks são suscetíveis de difundirem dois tipos de ilícitos: movimentação ilegal de capitais e fraude fiscal. Mas as televisões julgam mais vistoso fcontar-nos um conto dos irmãos Grimm com terrorismo, tráfego de armas, tráfego de carne branca, corrupção dos nossos partidos políticos, e Deus sabe que mais. Compreende-se: as questões de moeda são complicadas e as do fisco são apenas um pouco mais singelas.
É possível elaborar desde já um balanço sumário dos Panama Leaks . O Economista
Português sumaria-o em quatro pontos:
- A opinião pública revelou-se insensível à violação da privacidade de cidadãos inocentes (é certo que a pobrezinha foi cuidadosamente intoxicada pela matilha dos mass media );
- A opinião pública acreditou sem provas que tinha sido desvendado um processo de criminoso universal;
- Um revolucionário quererá que do Panama Leaks resulte a justiça universal. Um reacionário quererá que do Panama Leaks resulte o castigo universal dos canalhas. Na opinião dos leitores, a comunicação social empurra o leitor para a justiça universal ou para o castigo dos canalhas?
- O descrédito da UE revela-se total. Com razão. O leitor lembra-se do Luxemburg leaks , que há uns meses denunciou a evasão fiscal patrocinada pelo Grão-Ducado com a tolerância da UE? Sabe quantos processos criminais foram abertos? Foi aberto um. Sabe a quem? Aos jornalistas que denunciaram a evasão fiscal.
O leitor é o verdadeiro escandalizado deste falso escândalo. Mais tarde veremos se tanta parra esconde alguma uva.
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