Os quadros de Miró
07-02-2014 - Humberto Neves
Vamos por partes. Se não tivesse havido o escândalo BPN ninguém saberia que existia, em Portugal, uma colecção de 85 quadros do pintor catalão Joan Miró! Quadros esses que, após a nacionalização do banco, ficaram na posse do Estado por intermédio de uma sociedade anónima criada para gerir os activos da instituição bancária (Parvalorem). Esta empresa «tem por objetivo gerir, criteriosamente e com o sentido bem presente do “Interesse Público”, a carteira de créditos adquiridos no âmbito do processo de reprivatização do BPN por forma a contribuir para a minimização do esforço financeiro do Estado associado a esta operação.»[1]
Sendo a colecção um dos activos da empresa é natural que esta tente proceder à sua alienação pelo melhor valor possível, por forma a minimizar os custos que todo este processo acarretou (e acarretará) para todos nós, contribuintes. Sei que os 36 milhões de euros de base de licitação para a venda da colecção são uma gota de água no enorme buraco que é o BPN. Mas, se a venda não ocorrer, será o Estado (i. e., todos nós) a ter que pagar mais este valor. Mais de cinco anos após a nacionalização do BPN, as contas estão longe de estar feitas mas todos nós, com o dinheiro dos nossos impostos, teremos já suportado um valor situado entre o 1,7 e os 3 mil milhões de euros![2]
Na ciência económica existe um conceito que se denomina “Custo de Oportunidade”. Este conceito enuncia que, dada a escassez de recursos económicos e a imensidão de necessidades dos agentes económicos (famílias, empresas, sector público), cada um tem que renunciar a algumas delas, através da hierarquização, com vista a satisfazer as necessidades mais prementes. A venda destes 85 quadros trata-se, não apenas, duma questão de bom senso mas, também, de prioridades.
Bom senso que alguns, mesmo depois de terem colocado Portugal numa situação de pré-falência que conduziu a um resgate financeiro, não têm. E que agora se arvoram em grandes defensores da cultura ao falarem de “turismo cultural”. Não chegou a construção do Museu de Foz Côa, que prometia milhares de turistas ansiosos por visitar as pinturas rupestres mas que, passados todos estes anos, se revelou um verdadeiro fiasco? Não chegou o contrato celebrado com Joe Berardo para a instalação da sua colecção no CCB, com a possibilidade do Estado ter que vir a pagar 100 milhões de euros para ficar com ela?
De prioridade porque se o Estado tiver que pagar para ficar com esta colecção, serão 36 milhões de euros que não poderão ser utilizados em algo bem mais importante para os portugueses.
Sobre este assunto já muito se escreveu e se irá escrever, até porque foi interposta uma nova providência cautelar para impedir a venda dos quadros (qualquer dia, passamos a ser governados através de providências cautelares). Num artigo que escreveu no blogue que tem no Expresso Online, Henrique Monteiro afirma que «há gente que ainda não percebeu que o seu gosto, por refinado e educado que seja, não tem de ser pago pelos contribuintes.»[3]. Esta frase resume bem a mentalidade de alguns sectores da nossa sociedade em que, para eles, o Estado deve ser omnipresente e tudo deve prover.
[1] https://www.parvalorem.pt/pt/parvalorem/Paginas/default.aspx
[2] Jornal de Negócios, edição de 31 de Outubro de 2013, “ Cinco anos após a nacionalização do BPN os custos ainda estão por apurar”
[3] http://expresso.sapo.pt/deixem-la-os-miros=f854193
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