Uma análise SWOT ao Orçamento de Centeno
19-02-2016 - Rui Peres Jorge
Na opinião de Ricardo Paes Mamede, aqui está uma análise isenta e convencional quanto baste sobre o OE2016 - o que tem de bom e menos bom - que vale muito a pena ler.
É um documento com demasiados riscos, mas que tem também importantes virtudes e que, em todo o caso, não justifica a crispação que se gerou em torno dele como bem apontou há dias Manuela Ferreira Leite.
A algaraviada orçamental das últimas semanas levantou tanta poeira sobre a proposta de Orçamento do Estado para 2016 que se tornou difícil avaliá-lo. É um documento com demasiados riscos, mas que tem também importantes virtudes e que, em todo o caso, não justifica a crispação que se gerou em torno dele como bem apontou há dias Manuela Ferreira Leite.
Sejamos claros, o Orçamento não vira a página da austeridade: é um orçamento que continua a reduzir o défice público, mesmo o estrutural, e isso significa um estímulo contraccionista sobre a economia. Mas é igualmente verdade que o faz no contexto de algum crescimento económico, como mandam os livros e, talvez ainda mais importante, que procura um caminho autónomo para Portugal, que se desmarca do "ir além da troika" e assume um ajustamento orçamental mais lento, e por isso mais sensato, das contas públicas portuguesas.
É também um orçamento mais equilibrado na concepção dos factores de crescimento de um país que, no contexto das economias avançadas, é pobre, desigual e pouco produtivo. Deixa por isso, e bem, cair a ideia radical de atribuir prioridade máxima à redução da carga fiscal sobre as empresas para relançar a economia, como se estas merecessem privilégios institucionais face às famílias ou ao Estado. Todos são importantes, a todos o Governo deve procurar facilitar a vida.
Na procura desse equilíbrio, recompõe a carga fiscal (que deixa ainda assim abaixo dos planos do anterior governo para 2016) penalizando impostos sobre consumo e importações, e empenha-se em acelerar a reposição da normalidade económica no pós-troika, tornando prioritários apoios sociais à pobreza mais severa, no que, isso sim, é o virar de uma das páginas mais negras do período de ajustamento.
Mas é também um orçamento com vários problemas. É pouco transparente e até trapalhão em muita da informação que veicula, com incoerências entre o esboço orçamental e a proposta final, o que gerou um sentimento de desconfiança entre os observadores qualificados (da Comissão Europeia, à UTAO e ao Conselho das Finanças Públicas) o que, necessariamente, transparecerá para a sociedade, para os credores e para os investidores.
Assume também riscos excessivos para uma economia numa situação frágil. Promete muita eficiência, mas assume poucos compromissos sobre como a garantirá, confiando num jackpot orçamental com as receitas de contribuições sociais e em poupanças difusas no funcionamento do Estado. A estes riscos de execução, acresce ainda a ideia de que os preços vão acelerar, inflacionando o país para longe da insustentabilidade da dívida, o que é uma hipótese arriscada em qualquer exercício.
Como reconheceu o discreto secretário de Estado do Orçamento será a credibilidade da execução deste orçamento que dará a Portugal a tranquilidade que necessita para ultrapassar as muitas dificuldades que enfrenta. Tem muita razão. Esperamos que também a tenha nos planos que agora apresenta ao país.
Aqui ficam a minha análise SWOT – a sigla em inglês para Forças, Fraquezas, Oportunidades e Ameaças – ao orçamento de Centeno:
FORÇAS
Apoio ao ajustamento mínimo de Bruxelas
A prioridade à devolução de cortes salariais à função pública, ao alívio da tributação sobre o rendimento das famílias, e ao reforço de algumas prestações sociais como o RSI, o CSI ou taxas moderadoras dão um sinal de tentativa de normalização da situação económica e social, e invertem uma tendência que a própria OCDE identificou em Portugal que cortar apoios aos mais pobres dos mais pobres. Esta é também a chave para uma das principais forças políticas do documento: a capacidade de manter o Bloco de Esquerda, o PCP e os Verdes num barco socialista que prevê uma redução estrutural do défice orçamental, o que evita conflitos em campo aberto com Bruxelas – um luxo a que o país não se pode permitir pelo menos por enquanto.
Mecanismos económicos inteligentes
O Orçamento prevê um conjunto de mecanismos que procuram calibrar a política económica de forma inteligente e saudável – embora não isentos de riscos de execução. Devolve salários no Estado, mas compensa com ganhos de eficiência na máquina pública; devolve rendimentos às famílias, mas tributa o crédito, automóveis e combustíveis que são essencialmente bens importados; e, finalmente, compensa descidas de IRS com subidas de impostos indirectos específicos, em particular carros, combustíveis e tabaco.
Almofadas de segurança significativas
O Orçamento conta com quase mil milhões de euros de almofadas de segurança entre a dotação provisional inscrita no orçamento do Ministério das Finanças (501,7 milhões de euros), a reserva orçamental exigida à maior parte dos serviços (193,2 milhões de euros) e ainda 356 milhões de euros de cativações de despesa na Administração Central que carecem de aprovação das Finanças para serem gastas. Além disso, as análises de risco inscritas no Orçamento concluem que os impactos de um abrandamento da economia (crescimento de 0,8% em vez de 1,8%), de uma subida de juros no curto prazo (de 0% para cerca de 1%); ou de menos procura externa (um aumento de 3,3% em vez de 4,3%) não levariam o défice acima de 2,5% do PIB.
FRAQUEZAS
Falta visão de longo prazo
O orçamento padece do mesmo problema identificado por Mário Centeno na dura resposta que escreveu a Bruxelas sobre as reformas dos anos da troika: falta uma perspectiva de médio e longo prazo no documento. O Governo está ainda no início, teve um arranque de mandato complicado, mas ninguém perceberá que esta lacuna se mantenha no Programa de Estabilidade a apresentar em Abril.
A descida do IVA na restauração
Um ponto em que o Orçamento se perde no labirinto dos acordos à esquerda é na descida do IVA da restauração. Que sentido faz optar por baixar o IVA neste sector por oposição a uma descida generalizada da TSU dos trabalhadores com salários mais baixos? Se a prioridade é criar emprego, então reduzir generalizadamente os custos do trabalho seria uma medida mais eficaz, e mais justa. Este é porventura o maior erro de política económica do documento.
Muitos riscos nas previsões e promessas
O documento é pouco transparente em várias dimensões, e uma delas, talvez a mais arriscada orçamentalmente, é a promessa de poupar 800 milhões de euros com ganhos de eficiência da máquina pública. Não é por acaso que a Comissão Europeia continua a apontar para saldo orçamental mais próximo dos 3% do PIB, do que dos 2,2% do Governo. Mas há uma outra previsão que precisa de ser melhor explicada: um crescimento de 6,3% das contribuições para a Segurança Social, quase 1300 milhões de euros, isto quando as remunerações na economia avançam apenas 3%. Estes são riscos e avisos sérios à execução do orçamento.
AMEAÇAS
Mercados não estão para brincadeiras
A economia e os mercados financeiros internacionais não estão para imprudências, especialmente para uma economia frágil como a portuguesa. A banca europeia continua sob forte pressão, mantêm-se dúvidas sobre a capacidade do BCE e das políticas nas várias capitais europeias solidificarem a tão esperada recuperação da Zona Euro; e ninguém sabe muito bem para onde vai o preço do petróleo ou que instabilidade política pode gerar e onde. Acresce que três importantes economias parceiras de Portugal nos últimos anos (Angola, Brasil e China) estão a enfrentar dificuldades. Não admira que o risco da dívida portuguesa tenha subido. E assim se percebe que o Conselho das Finanças Públicas tenha sublinhado a importância da prudência.
Pressão excessiva de Bruxelas
Pelo menos nesta fase a Comissão Europeia procura um equilíbrio difícil: garantir a pressão externa suficiente para que as regras europeias de défice sejam cumpridas, mas evitar pressão excessiva que conduza a instabilidade política num governo que, embora confrontacional, garante que cumprirá as regras mínimas de participação na Zona Euro. Após o recente embate em torno do esboço orçamental, um teste de fogo chegará já em Maio com a avaliação do Procedimento dos Défices Excessivos (que coincidirá com a avaliação do Programa de Estabilidade) no qual a Comissão terá a possibilidade de aplicar sanções ao país. Um dos comissários veio já dizer que a saída do PDE em 2016 não está garantida.
Instabilidade da coligação
Provavelmente este foi o orçamento em que o apoio do PCP, Bloco de Esquerda e Verdes foi mais fácil de garantir. Um desentendimento apenas três meses após a tomada de posse do Governo seria desastroso. Mas se a execução orçamental correr mal, e Bruxelas exigir mais medidas de consolidação, o governo pode ter de escolher entre as regras europeias que sempre disse que iria cumprir, e as prioridades dos partidos que lhe dão apoio no Parlamento e que se opõem às directrizes de Bruxelas. A dificultar ainda a estabilidade política está um menor número de medidas políticas caras à esquerda que facilitem negociações bem sucedidas.
OPORTUNIDADES
Uma emancipação intelectual face à troika
É tempo de Portugal pensar pela sua própria cabeça que reformas estruturais necessita e como as poderá implementar. Os últimos anos foram confrangedores: a reforma do Estado foi apresentada num texto com duplo-espaço deduz-se que para ocupar mais páginas de onde nunca saiu, as instituições internacionais prevêem hoje um crescimento potencial menor do que antes da crise, e o pós-troika fica marcado pelos vários desaires bancários que custaram o défice de dois anos e desacreditaram o Banco de Portugal. Mário Centeno tem várias vezes nas últimas semanas elencado quatro áreas prioritárias de reforma: administração pública; regulação financeira, segmentação do mercado de trabalho e financiamento da segurança social, e financiamento das empresas. Venham as propostas.
Terminar com a economia do medo
Umas das consequências mais nefastas da crise dos últimos anos foi o surgimento do que tendo a chamar de "economia do medo", assente em generalizações excessivas pós-traumáticas da forma como funciona a economia. "Os mercados vão fulminar o país por ousar desafiar as recomendações de Bruxelas"; "os consumidores levarão o país à bancarrota"; "não há forma de reformar o Estado sem terapias de choque"; "O serviço público fica ameaçado com qualquer a redução do número de funcionários " ; "Portugal vai ser vendido ao desbarato ao capital estrangeiro" são exemplos de más ideias, que paralisam a criatividade e o debate . É preciso voltar a confiar nos portugueses e vencer preconceitos. Este é o primeiro governo após a intervenção externa, tem essa oportunidade. Esperemos que a aproveite.
Fonte: negócios.pt
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