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REVALORIZAÇÃO ESTRATÉGICA DE PORTUGAL

27-11-2015 - Neto Simões

“ Nenhum vento será favorável se não soubermos o Porto de destino” (Sêneca, Ano IV a-C).

1. - A Europa está rodeada de crises e passou a ser ela própria a crise - produtora de crises - com contradições insanáveis e clivagens na geografia dos povos, que conduz à desconfiança e rejeição da unidade europeia. Crise de confiança! Renovação ou declínio.

É tempo de revisitar os fundamentos da integração europeia. Não pode haver aprofundamento da UE sem reforço da democracia com fuga à vontade dos povos e escrutínio democrático.

As disrupções no modelo económico, político, social e de segurança na UE, tem vindo a criar perplexidades, problemas endógenos e ambiguidades, que os diferentes Estados têm encontrado. As hesitações, tensões e dúvidas que persistem, exigem pensar o posicionamento estratégico dos Estados.

A falta de conceito estratégico há muito reclamado – causa essencial das dificuldades que a UE enfrenta -, com os “interesses comuns” deslaçados dificulta a consolidação do projecto mobilizador só por estadistas.

É de avisada prudência a reconfiguração da arquitectura de defesa da UE sem condicionar a capacidade militar autónoma dos Estados . E, as Forças Armadas, como instrumento da política externa devem assegurar os interesses permanentes e o património geoestratégico.

2. - A aceleração da globalização gerou a nova desordem internacional, caracterizada pelo aumento de conflitualidade, com subversão das hierarquias do sistema mundial e disfunções nos equilíbrios entre poderes e centros de decisão. E alterações do ambiente estratégico que condicionam o interesse nacional.

As transformações registadas ao nível da geopolítica, da economia e do desenvolvimento tecnológico combinadas e interligadas com os efeitos da glo­balização, estão a conduzir ao declínio do Estado-Nação, à emergência de novos actores não estatais. A crise global do sistema capitalista acentua-se com a emer­gência de uma espécie de “desordem financeira global” em que a política e a economia se submetem à geofinança. A crise financeira e económica transforma-se também numa crise de segurança, comprometendo o exercício da autoridade do Estado e as funções de soberania (Segurança, Defesa, Justiça e também se devia incluir a Educação). Existe a possibilidade da crise financeira se poder conjugar com uma grave crise ecológica. Neste contexto, importa salientar o perigo de interconexão dos riscos globais e a incapacidade de lhes fazer frente.

Por isso, o poder executivo, não deve estar condicionado apenas em função de critérios financeiros ou estranhos ao interesse nacional. A necessária racionalização de custos não pode ser confundida com iniciativas meramente economicistas ou contabilísticas, redutoras da Segurança Nacional (1).

No actual ambiente estratégico prevalecente e previsível, impõe-se a adopção de políticas públicas sérias, no âmbito da Segurança Nacional, que é essencial para assegurar condições ao crescimento económico e desenvolvimento e, sem este, não é possível gerar recursos para garantir a segurança ao nível internacional, na Europa e em Portugal. Isto é, a segurança e desenvolvimento são um binómio indissolúvel.

Nestas circunstâncias, e considerando a necessidade de uma melhor articulação entre segurança e defesa, o País necessitaria um Conceito Estratégico de Segurança Nacional (CESN), que substituísse o novo Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN), englobando as diferentes dimensões do desenvolvimento e segurança.

O CEDN assume-se com “presunção” como Estratégia Nacional com sectores do Estado que nem sequer foram consultados. A Estratégia Nacional – ainda não estabelecida ao nível do Estado - devidamente consensualizada é que permitirá enquadrar a visão do futuro, as reformas estruturantes, integrando as estratégias sectoriais e assegurando a continuidade das opções assumidas.

O referido CESN possibilitaria ainda um levantamento, mais rigoroso, das capacidades para enfrentar os riscos e as novas ameaças - militares e não militares que com probabilidade podem afectar o País -, tornando sustentável um novo modelo estratégico para a segurança e defesa nacional. Contudo, existem constrangimentos de ordem legislativa que urge resolver, designadamente o conceito de segurança nacional, ameaças transnacionais e a cooperação entre as FA e Forças de Segurança.

3. - Portugal não conseguiu fortalecer a sua posição na UE, fazendo prevalecer a sua mais valia oceânica e o seu potencial estratégico. Os líderes têm que ser exigentes com intervenção firme na defesa dos interesses do país sem subalternização. A saída da crise só será viável com uma acção concertada dos países do Sul.

Contudo, Portugal não pode ficar refém da Europa, condicionada pelas decisões da hegemonia defensiva da Alemanha, cujo projecto de solidariedade e coesão social – concretizados nos Tratados internacionais - foi “subvertido” pelo euroliberalismo conservador e uma visão imprópria das relações internacionais.

Pior que a humilhação da submissão é aceitar a mediocridade e a austeridade sem alternativa. E a falta de dimensão da política externa sem aproveitar os recursos e a posição geográfica única de Portugal. Quais as grandes opções da nossa política europeia no âmbito da imprescindível e consensual Estratégia Nacional ?

Portugal reclama uma nova presença na globalização. O modelo económico a construir no contexto do Euro-Atlantismo deve ter um enquadramento mais flexível e diversificado, privilegiando o desenvolvimento e modernização dos sectores produtores de bens transaccionáveis – produtos e serviços susceptíveis de vencer a concorrência nos mercados interno e externo em virtude das suas características de inovação, tecnologia e valor.

Por outro lado, a extensão do espaço marítimo no Atlântico resultante da fusão da ZEE e da extensão da Plataforma Continental (PC) será equivalente à dos países da UE (ou Índia). Ou seja, o território sob jurisdição portuguesa aumenta mais de 40 vezes o território nacional, passando 97% do território a ser de natureza marítima. Esta dimensão conjugada com os factores estratégicos, da posição dos arquipélagos, com toda a rede de portos, rotas comerciais e rotas energéticas conferem a Portugal um elevado potencial estratégico que tem de ser devidamente valorizado e integrado numa Estratégia Nacional.

Além do mais, a crise que o país enfrenta exige um novo paradigma de desenvolvimento, que só uma adequada concepção da Estratégia Nacional (ou grande Estratégia global do Estado) permitirá enquadrar, de forma coerente, as reformas estruturantes que o País reclama, alicerçada na integração das várias políticas nacionais para cada sector do Estado. Possibilitaria ainda a integração apropriada dos diversos factores de potencial estratégico, através dos objectivos a alcançar e das principais orientações sectoriais, garantindo a prossecução das opções adoptadas.

Em Portugal existem vários documentos ao nível estratégico, mas os diversos governos não têm garantido continuidade às opções assumidas, o que limita o desenvolvimento articulado de políticas sectoriais.

Todavia, p arece ter esquecido o método da estratégia. Isto é, formular uma visão e objectivos a atingir, de acordo com o País e aquilo que somos, no seu espaço, população, recursos e estruturas, para avaliar capacidades, potencialidades e vulnerabilidades - num exercício prospectivo de médio e longo prazo -, tendo em conta o enquadramento do ambiente estratégico.

O CEDN identifica como objectivo nacional a valorização da vocação Atlântica, cuja unidade antecipa a necessidade de uma nova comunidade transatlântica para garantir a segurança não só das linhas de comunicação marítimas, mas também das reservas energéticas e de matérias primas cuja importância se vai consolidar com o desenvolvimento da nova economia do mar.

O oceano Atlântico adquire renovada importância geoestratégica emergindo uma nova ordem energética que disputa a influência dos países dos Médio Oriente e da Federação Russa no sistema internacional. Os recursos são significativos: 91 % das reservas de petróleo localizadas no offshore no mundo estão no oceano Atlântico. A produção hoje do deep offshore já é cerca de oito milhões de barris por dia. Reúne, por isso, condições para vir a constituir uma plataforma essencial para o fluxo de recursos energéticos.

Neste contexto, a segurança marítima e energética do Golfo da Guiné (GdG) tornou-se uma prioridade estratégica para os EUA e UE empenhados na segurança africana e reforço da segurança atlântica face à necessidade de diversificar fontes de abastecimento energético. O GdG representa 70% da capacidade de produção de petróleo e gás de toda a África, sendo que o continente, globalmente, é responsável, respectivamente, por 13% e 7% da produção mundial, tendo a 4º e a 5ª posições mais importantes. O projecto de gasoduto entre a Nigéria e o Mediterrâneo deverá intensificar as exportações de gás para a Europa, que se efectuam por via marítima.

Importa também potenciar as vantagens competitivas únicas, que os portos podem proporcionar, como porta Atlântica da Europa em articulação com a rede de plataformas logísticas, quando se perspectiva uma enorme revolução nos fluxos do comércio mundial provocada pela ampliação do canal do Panamá e a conclusão do projecto ferroviário chinês entre as duas margens da Colômbia.

Nestas circunstâncias, Portugal tem um potencial relevante para dar um contributo útil à operacionalização de uma visão integrada do Atlântico. E tem experiência da região, com proximidade política dos principais intervenientes, relações privilegiadas com o Sul, e tem a ambição de desempenhar um papel activo .

Estas alterações geoestratégicas devem levar Portugal a alargar a liberdade de acção, com uma estratégia euro-atlântica para se aproximar das regiões e actores globais mais inovadores, que possam ver no país actividades que permitam ascender a patamares elevados de, conhecimentos, competências e conexões.

Todavia, as elites não têm revelado capacidade transformadora de modernização do país com reformas e investimentos direccionados para um projecto de mudança.

Desde a integração na UE que temos vivido de costas para o mar. É preciso encontrar um equilíbrio numa estratégia articulada com a utilização do mar como principal vector estratégico para o desenvolvimento.

O país tem uma dupla necessidade vital do mar. Por um lado, a manutenção da sua própria identidade, e ainda a importância económica do mar, o seu conhecimento, inovação, tecnologia e a sua segurança são indispensáveis à ligação das actividades marítimas e essenciais à sobrevivência do país.

Portugal é a porta da Europa para Américas, África e Oriente. O país só pode ter futuro, se souber conciliar e consolidar a inserção geopolítica na Europa e, simultaneamente, reforçar a sua posição na globalização que obriga às mudanças estruturais. “Portugal conseguirá ser na Europa o que conseguir ser fora dela”.

Além do mais, a liderança política tem de saber reforçar o peso negocial compensando a perda parcial de soberania. E influenciar a participação nas soluções, designadamente a resolução das assimetrias provocadas pelo euro, competitividade e mutualização de algumas despesas sociais.

4. - O problema da Europa além de ideológico é geográfico. Existe uma clivagem entre as decisões dos países do Norte (credores) e as preocupações dos países do Sul (devedores) com uma transferência de valor efectivo dos países deficitários para os países excedentários sem politicas de compensação.

Urge evitar a mistura explosiva entre o medo, sofrimento, empobrecimento e arrogância. Uma inversão deste rumo destruidor passará por fazer novas alianças para encontrar soluções de interesse comum.

Nesse sentido, parece ser estratégica uma aliança da posição a adoptar com os países do Norte. A criação de uma parceria dos países do SUL (EUROSUL) – como a Iniciativa da Europa Central (Mitteleuropa)-, potenciando as relações com a bacia mediterrânica e Norte de África. Esta iniciativa poderá ter persuasão sobre Berlim.

Os governos tinham obrigação de pensar o futuro, através de uma visão e pensamento estratégico sem alienação da sua vontade de participar activamente na política internacional, quando os mecanismos da geofinança e euroburocracia anulam os interesses dos países periféricos.

Portugal terá de pensar nos seus interesses – não os outros por nós – com novas parcerias de geometria variável (Norte de África, Médio Oriente e Ásia), que podem maximizar o nosso “poder funcional”(2)

É este “ poder funcional”, concedido pela posição geográfica privilegiada do território português, especialmente na sua valência marítima e arquipelágica, que tem caracterizado o poder internacional de Portugal face à carência de capacidade material. O “Triângulo Estratégico Português” (Continente – Açores – Madeira), constitui um ponto charneira entre o Continente Europeu, as Américas e o Continente Africano, por ele transitando grande parte do tráfego aéreo e marítimo intercontinental

Os interesses vitais de Portugal devem ter em conta a Nação marítima que sempre foi e continuará a ser, pelas nossas potencialidades que são o território, posição geográfica e carácter do povo. E a diáspora.

Diáspora que representa um activo precioso com um enorme potencial ainda não explorado. São quase 5 milhões de portugueses, verdadeiros embaixadores de Portugal e o vértice primeiro da defesa e afirmação da cultura portuguesa além-fronteiras.

A diversificação das fontes de energia da UE com valorização da Bacia Atlântica, do Mediterrâneo e Norte de África também valoriza a nossa posição geográfica com infraestruturas que deverão ser modernizadas.

Há coisas que jamais poderemos alterar: a geografia e a história. Por isso, o reforço da nossa integração na UE tem de ser vista também na geografia atlântica, que vai regressar ao centro da política mundial com acordo de livre comércio entre EUA e UE onde o Atlântico adquire renovada importância.

É tempo de diversificar as nossas relações. Portugal não é pequeno e periférico se considerarmos a Plataforma Continental e a posição de charneira entre três continentes – Europa, África e América – em que o mar altera a nossa periferia em centralidade Atlântica.

Pela geografia , e pela definição dos interesses dos Estados e dos grandes espaços em que estão incluídos, Portugal está na articulação da segurança do Atlântico Norte com a segurança do Atlântico Sul, na sua articulação com a segurança do Mediterrâneo e com os Estados de Língua Portuguesa na CPLP, que têm no Atlântico Sul uma importante e forte presença. Dos nove países da CPLP cinco pertencem à região GdG.

A Lusofonia institucionalizada na CPLP contém elevado potencial na língua pessoas e no mar, mas também ao nível económico (cerca de 4% do PIB mundial), através da projecção estratégica na globalização.

A Lusofonia, enquanto contexto estratégico com elevado potencial de desenvolvimento, é um vector que pode, potenciar o valor estratégico, mas também político e económico. A Lusofonia, institucionalizada na CPLP, possui três activos fundamentais com elevado potencial de desenvolvimento e afirmação: a língua, as pessoas e o mar.

Sendo o mar um elemento comum dos países da CPLP - com costas importantes e extensões arquipelágicas-, situados muito perto das grandes linhas de comunicação marítimas globais, seria de grande alcance estratégico a promoção de uma visão estratégica integrada, que permitisse estabelecer uma Estratégia Marítima da CPLP consequente.

A criação de uma Força naval de apoio humanitário poderia constituir um instrumento decisivo dessa estratégia. Neste contexto, o mar poderá conferir projecção estratégica a Portugal na ligação à Europa e Atlântico Sul, bem como Sudeste Asiático e à Oceânia.

A CPLP devia também constituir para Portugal uma plataforma estratégica para a sua inserção na globalização reforçando as relações bilaterais e multilaterais e potenciando relações económicas e empresariais dos seus Estados-membros, através da diplomacia económica.

O reforço do vínculo transatlântico, da maritimidade europeia, com a valorização do Atlântico Sul, contribui para a revalorização geoestratégica de Portugal no Sistema Internacional sendo concedida centralidade nos “grandes espaços” conferindo-lhe assim maior autonomia estratégica.

O Mar a Lusofonia e o Atlântico devem constituir um desígnio nacional em que o funcionamento em rede - característica decisiva do sucesso da expansão marítima - com as Comunidades Portuguesas e a CPLP conferem a Portugal maior projecção estratégica intercontinental. Essa projecção poderá potenciar relações com a Ásia, centro de gravidade da economia mundial, que é a chave para fortalecer a posição de Portugal na Europa.

A elite politica, não tem sabido conduzir o que é estrategicamente decisivo para Portugal. Só com enquadramento mobilizador e unidos com patriotismo, consciência cívica e determinação, conseguiremos enfrentar o momento difícil da nossa história para a construção de um futuro melhor.

(1) A Segurança Nacional tem evoluído para um conceito mais alargado e integrado da segurança e defesa, segurança cooperativa e segurança humana. Inclui a resposta a ameaças militares, mas também de natureza não militar e riscos que possam afectar o País. Considerando o conceito estabelecido pelo IDN, a Segurança Nacional é o objectivo do Estado e a Defesa Nacional é uma actividade para a alcançar, cujo carácter intersectorial permite a individualização de uma das suas componentes, a Defesa Militar, que é assegurada pelas Forças Armadas.

(2) “Capacidade de submeter as grandes potências, usando a função mundial desempenhada pelos países interessados, a uma razoabilidade que a prática da ética não tem conseguido consideração de todos os interesses envolvidos – em contraposição à lógica meios - fins” (Adriano Moreira).

José Manuel Neto Simões

Capitão-de-Fragata (Res)

 

 

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