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Estamos em guerra

20-11-2015 - Dominique Moisi

PARIS – Desde os ataques terroristas, em Janeiro, na revista satírica Charlie Hebdo e num supermercado kosher, que os parisienses sabiam que a barbárie espreitava ao virar da esquina e que iria atacar novamente. Mas uma coisa é ter conhecimento de algo, antecipá-lo, e outra é ser confrontado com a dura realidade. Na sexta-feira à noite, a realidade atacou-nos com uma vingança. Estamos em guerra. Seria errado - até mesmo perigoso - não admiti-lo. E vencê-la exigirá clareza, união e firmeza.

A clareza de análise é o que mais precisamos agora. Nós mal conhecemos o nosso inimigo, excepto pela intensidade do seu ódio e pela profundidade da sua crueldade. Para entendermos a sua estratégia, temos de reconhecê-lo pelo que ele é: um adversário inteligente - e, à sua maneira, racional. Durante muito tempo, desprezámo-lo e subestimámo-lo. É urgente que agora mudemos a linha de acção.

Nas últimas semanas, a estratégia de terror do Estado Islâmico levou a morte para as ruas de Ancara, Beirute e Paris, e aos céus de Sinai. A identidade das vítimas não deixa dúvidas sobre a mensagem. “Curdos, russos, xiitas libaneses, franceses: Vocês atacam-nos, por isso nós vamos matar-vos”.

O timing dos ataques é tão revelador quanto a nacionalidade dos alvos. Quanto mais o Estado Islâmico é derrotado no terreno e perde o controlo do território na Síria e no Iraque, mais ele é tentado a exteriorizar a guerra para impedir futuras intervenções. Os ataques sincronizados em Paris, por exemplo, coincidiram com a perda para o Estado Islâmico da cidade iraquiana de Sinjar.

É claro que a célula terrorista que atingiu Paris não foi criada no rescaldo das recentes perdas no campo de batalha do Estado Islâmico. Ela já estava pronta, à espera de ser activada (como outras podem estar). Isso demonstra a flexibilidade táctica do Estado Islâmico, já para não falar da disponibilidade de pessoas dispostas a cometerem suicídio.

Se o Estado Islâmico escolheu desta vez, em Paris, atingir pessoas que não são satíricas, policias ou judeus, é precisamente porque a sua “normalidade” as deixou desprotegidas. Desta vez, os atacantes escolheram “quantidade” em vez de “qualidade” (se é que alguém pode ser desculpado por esta crua expressão). O objectivo foi matar o maior número possível de pessoas.

Esta estratégia é possível porque o território controlado pelo Estado Islâmico providencia um lugar sagrado e campo de treino. Os territórios do autoproclamado califado representam para o grupo o mesmo que o Afeganistão controlado pelos Taliban representava para a Al-Qaeda na década de 1990.

É imperativo recuperar o controlo deste território. E destruir as “esferas de ação”do Estado Islâmico na Líbia, no Sinai e noutros lugares deve-se tornar a prioridade número um da comunidade internacional.

Além da clareza analítica, há uma necessidade de união, começando por França, onde os cidadãos rejeitariam a sua classe política se os seus membros continuassem a comportar-se de modo dividido neste ponto de viragem histórico tão óbvio.

A união também deve ser alcançada dentro da Europa. Estamos constantemente a ouvir que a Europa está no meio de uma crise de identidade, necessitando de algum projecto novo. Bem, agora a Europa encontrou um. Ser europeu significa enfrentarmos todos juntos o flagelo da barbárie, defendermos os nossos valores, o nosso modo de vida e o nosso modo de vivermos juntos, apesar das nossas diferenças.

Também é necessário que a união do mundo ocidental funcione como um todo. A declaração do presidente Barack Obama, após os ataques de Paris, demonstra que o que une a Europa e os Estados Unidos é muito mais significativo do que o que nos divide. Estamos no mesmo barco, confrontados com o mesmo inimigo. E este sentimento de união deve ir além do mundo europeu e ocidental, porque o Estado Islâmico ameaça tanto – ou mais - os países como o Irão e a Rússia, para não mencionar a Turquia, como ameaça o Ocidente.

Claro, temos de ser realistas. A nossa aliança de circunstância com estes países não irá superar todos os problemas que existem entre eles e nós. Assim, além da clareza e da união, precisamos de firmeza, tanto para enfrentarmos a ameaça do ISIS, como para defendermos os nossos valores, especialmente a adesão ao Estado de direito.

O Estado Islâmico espera de nós uma combinação de covardia e de reacção exagerada. A sua derradeira ambição é provocar um conflito de civilizações entre o Ocidente e o mundo muçulmano. Não devemos cair nessa estratégia.

Mas a clareza vem em primeiro lugar. Quando Paris é atacada, como foi na sexta-feira passada, deve-se falar de guerra. Ninguém quer repetir os erros dos EUA, durante a presidência de George W. Bush; mas usar esses erros como álibi para evitar o confronto com o mundo como ele é, seria apenas um outro tipo de erro. A resposta da Europa deve ser dura, mas não deve desviar-se do Estado de direito. Estamos, afinal, a travar uma batalha política com o Estado Islâmico, na qual o nosso amor à vida deve prevalecer sobre o seu amor à morte.

Dominique Moisi

Dominique Moisi, professor da L'Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po), é consultor sénior no Instituto Francês de Relações Internacionais (IFRI) e professor visitante do King’s College London. Ele é o autor de Geopolítica da Emoção: como as culturas de medo, humilhação e de esperança estão remodelando o mundo.

 

 

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