Reformar o Estado (II)
03-01-2014 - Humberto Neves
No meu último artigo para o “Notícias de Almeirim” (publicado aqui ) afirmei «que as sociedades não são imutáveis; elas modificam-se. A vários níveis. Demográfico, económico, social, cultural.». Nem a propósito, o jornal “Público” publicou, nos últimos dias de 2013, um trabalho intitulado “Portugal 1973-1993-2013”, e que retrata as alterações ocorridas nestas quatro décadas na sociedade portuguesa.
A evolução das mentalidades ocorrida, nomeadamente, a partir de 1974, teve implicações directas nas alterações demográficas que se registaram ao longo destas quatro décadas. A emancipação da mulher, a sua entrada no mercado de trabalho (o que leva à redução do tempo para cuidar dos filhos), a difusão de métodos anticoncepcionais e do planeamento familiar, os casamentos cada vez mais tardios, o aumento do número de pessoas que não constitui família e, também, os elevados encargos com a educação dos filhos reflectem-se na diminuição do Índice Sintético de Fecundidade[1] (2,76 filhos por casal em 1973 para 1,28 em 2012) e da Taxa de Natalidade[2] (de 20 em 1973 para 8,5 em 2012).
Se por um lado existem menos nascimentos, por outro a esperança média de vida aumentou significativamente (de 67,6 em 1973 para 79,8 em 2012), graças à melhoria da assistência médica, medicamentosa e hospitalar, a uma melhor alimentação, a uma maior divulgação da importância da higiene e das condições sanitárias, à melhoria das condições laborais e das condições habitacionais e ao alargamento dos sistemas de protecção social. O Índice de Envelhecimento[3] passou de 34 (em 1970) para 127,8 (em 2011). Menos jovens e mais idosos são o retrato oposto do que ocorria há 40 anos. «Em 1973 (…) Portugal tinha a população mais jovem da Europa.»[4]. Em 2013, «Portugal é o país mais envelhecido da Europa. No ano 2000, o número de idosos ultrapassou o de jovens. Há cerca de 1,5 cidadãos activos por cada pensionista.»[5]
O facto do sistema português de Segurança Social ser meramente contributivo, isto é, quem está a trabalhar contribui para as pensões actuais, associado à evolução demográfica que temos assistido no nosso país (redução da taxas de natalidade e aumento da esperança média de vida), está a contribuir para que, desde há alguns anos a esta parte, se coloque em causa a sustentabilidade do próprio sistema. Apesar das medidas que os sucessivos governos tomaram ultimamente, nomeadamente a introdução do factor de sustentabilidade ligado à esperança média de vida e a alteração da fórmula de cálculo das novas pensões, é de supor que, se nada for feito até lá, o sistema possa entrar em falência.
Negar estas evidências, cruzar os braços e não fazer nada significa colocar em causa, não só o sistema público de previdência mas, também, os sistemas público de saúde e de ensino. O aumento da população idosa, bem como a maior esperança de vida, fazem com que os gastos com os cuidados de saúde sejam maiores. Nestas quatro décadas e segundo a infografia disponibilizada pelo “Público” neste trabalho, o peso das despesas com saúde passou de 0,3% do PIB (1973) para 6,3% (2012). O mesmo aconteceu com as despesas relacionadas com a educação: 1,3% do PIB em 1973 para 4% em 2012. No entanto, estas sofreram uma redução se compararmos os números de 2012 e de 1993 (4,6% do PIB). Para esta redução concorre, por certo, a redução nos nascimentos e, consequentemente, do número de alunos matriculados nos diferentes níveis de ensino.
Se, ao longo destes quarenta anos, a nossa sociedade se alterou radicalmente, por que razão deve o Estado Social permanecer imutável?
[1] Número médio de crianças vivas nascidas por mulher em idade fértil (dos 15 aos 49 anos de idade), admitindo que as mulheres estariam submetidas às taxas de fecundidade observadas no momento. Valor resultante da soma das taxas de fecundidade por idades, ano a ano ou grupos quinquenais, entre os 15 e os 49 anos, observadas num determinado período (habitualmente um ano civil). O número de 2,1 crianças por mulher é considerado o nível mínimo de substituição de gerações nos países mais desenvolvidos.
[2] Número de nados-vivos ocorrido durante um determinado período de tempo, normalmente um ano civil, referido à população média desse período.
[3] Relação entre a população idosa e a população jovem, definida habitualmente como o quociente entre o número de pessoas com 65 ou mais anos e o número de pessoas com idades compreendidas entre os 0 e os 14 anos.
[5] “1973-1993-2013: Três olhares no feminino para quatro décadas de um país”, in O Público de 28/12/2013 ( http://www.publico.pt/sociedade/noticia/197319932013-tres-olhares-no-feminino-para-quatro-decadas-de-um-pais-1617792#/4 )
[5] idem
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