Para uma Federação Latina Europeia?
03-01-2014 - Eurico Figueiredo, Fernando Condesso
A classe política, que governou Portugal após o 25 de abril, tem a pesada responsabilidade de nunca ter referendado os diferentes passos que foram dados no processo de construção europeia. A situação actual, ao provocar uma enorme perplexidade e sentimento de impotência nos portugueses, agrava a crise de confiança na classe política e na Europa.
Talvez fosse o momento para fazermos um referendo sobre a Europa. Até porque a alternativa que nos parece garantir o não termos que vir em breve a ponderar a “saída” da zona euro é a perspectiva de um reforço federal que deve ser referendada.
Antes de se ter criado a zona euro, o debate sobre as diferentes alternativas à construção europeia eram especulações tecnocráticas, pouco participadas e não marcadas pelo dramatismo. Não se passa o mesmo na actualidade.
Foi uma irresponsabilidade a introdução de uma moeda única que além de criar, mal, uma Europa a duas velocidades, não foi acompanhada pela constituição de um estado democrático federal, que o garanta, com, mas não só, solidariedade entre estados nacionais e um orçamento capaz de combater as diferenças resultantes de situações de periferia. Este erro está a conduzir ao desespero praticamente todos os países da zona euro do Sul da Europa, mesmo a França.
Quando falamos de estado democrático federal pensamos sobretudo no modelo Suíço, como já o assinalamos em anteriores artigos no “Público”. Isso porque, além de respeitar integralmente o princípio de duas câmaras (que constituem a Assembleia Federal): uma, representando os cantões, em absoluta igualdade; e a outra os cidadãos; conseguindo integrar deferentes povos, vinte e seis cantões, quatro línguas federais, católicos e protestantes. Num regime parlamentar, em que o Conselho Federal é eleito pela Assembleia Federal, solução que nos parece mais compatível com a grande diversidade de línguas, nações e estados europeus. Com uma política económica e fiscal comum e todo o sistema bancário sujeito a regras federais.
O referendo que defendemos, deveria questionar os portugueses em relação à alternativa federal. O que era passível de ter uma resposta francamente positiva, se explicássemos a solidariedade (e o controlo) que um Estado federal implica. Solidariedade que, neste momento, não obriga a UE.
Qualquer governo almofadado por um referendo desta natureza ganharia capacidade de intervenção e credibilidade.
Poder-nos-ão dizer que esta é uma má altura para nos colocarmos este tipo de questões. Os países do Norte estarão, na actual crise, menos sensibilizados para assumirem uma perspectiva federal.
É provável. Mas o divórcio, entre o Norte e o Sul da Europa, também é uma possibilidade e pode vir a ser uma solução: a gravidade da actual situação obriga-nos a ponderar todas as alternativas.
A zona euro é incompatível com as realidades culturais e necessidades de desenvolvimento do sul da Europa, que têm estado e ficarão, cada vez mais satelizadas, dependentes, com empobrecimento paulatino ou mesmo brutal dos cidadãos e destruição das suas conquistas sociais.
Defendemos ser um núcleo óptimo para uma iniciativa federal dos Estados do sul da europa, o conjunto dos países latinos com continuidade territorial: Portugal, Espanha, Itália e França. Que desde “ontem” deviam actuar coordenadamente na UE com a Grécia, Chipre e Irlanda.
Estes países, com uma população de mais de 180 milhões de habitantes e uma história e cultura riquíssimas, têm uma enorme influência no mundo, sobretudo na América Latina e África. Unidos, contribuiriam para o diálogo cultural e desenvolvimento do mediterrâneo. Separados, ou nesta UE, pouco valem.
No plano formal, a criação de uma federação dos países latinos da Europa (ou do Sul da Europa) obrigaria a que fosse celebrado um tratado de secessão. Tratado que nos colocaria fora da União Europeia. Embora dentro do Espaço Económico Europeu (EEE). Com regras próprias derrogatórias de obrigações hoje persistentes e que integram países não aderentes à União, como a Suíça e a Islândia. Ou seja, encetaríamos uma negociação salvífica de saída conjunta da União e sua Zona Euro. Para criar politicamente uma Federação Latina (ou do sul da Europa), com o seu “euro-sul”, numa linha de continuidade com o actual Euro-UE. O tratado de secessão mantinha-nos no grande EEE, mas saindo dos órgãos da EU (e, portanto, deixando de ter contribuições financeiras), e negociando-se a não obrigação da transposição “automática” das regras da UE. Com a vantagem de não retroagirmos às moedas nacionais, o que nos seria altamente desfavorável. Mantendo um euro, numa zona euro do sul, e uma Reserva Federal, mas desvalorizando-o em relação ao da UE e outras moedas de mercados concorrenciais importantes. Assim, aumentaríamos a competitividade em relação às economias do norte, que agora, aprisionando-nos no euro “forte” nos provocam uma sangria irrecuperável nas balanças de pagamentos (por isso, também Victor Bento admite a saída do euro dos países do sul, in “Euro Forte, Euro Fraco” ).
Eurico Figueiredo, Fernando Condesso (Professores Catedráticos).
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