Andaste
05-06-2015 - Mariana Mortágua
Imagine uma pessoa que quer comprar uma casa própria. Como tantas outras, não tendo dinheiro a pronto para a adquirir, tem que recorrer a um empréstimo bancário. Precavida e à procura da melhor proposta possível, vai a quatro bancos informar-se sobre as condições oferecidas por cada um. Escolhe, naturalmente, o banco que oferece melhores condições e um "spread" mais baixo. Qual não é o seu espanto quando, depois de assinar a escritura, repara que as condições são diferentes das que tinham sido acordadas e o "spread" muito inferior.
Parece impossível? Algo parecido está a acontecer no Porto. Não com o empréstimo à habitação de um qualquer anónimo cidadão, mas com a forma como os transportes coletivos da cidade estão a ser atirados para a mão de interesses privados. Entre a apresentação do caderno de encargos e a assinatura do contrato, muito mudou. Em primeiro lugar, o número de candidatos, que, vendo determinadas condições, desistiram de uma privatização que, para ser atraente para os privados, tem sempre que meter dinheiros públicos. Em segundo, as regalias oferecidas pelo Governo ao concorrente vencedor. Onde antes não existia qualquer referência a indemnizações financeiras do Estado ao vencedor da concessão, elas passaram a existir no contrato. Baixaram as exigências e aumentou a remuneração entregue ao privado. Os riscos, que já eram mal repartidos, passaram a recair em cima do suspeito do costume - o Estado.
O que se está a passar no Porto, à vista de todos, viola as mais elementares regras de transparência no processo de decisão, de confiança no Estado e possibilita as leituras mais perigosas sobre a honestidade deste negócio.
Para ser viável para um operador privado, qualquer privatização ou concessão dos transportes coletivos terá sempre como contrapartida a garantia de dinheiros públicos para a concessionária privada. O Governo, empenhado em "vender" a necessidade de se desfazer dos transportes coletivos, sempre o negou. Aliás, mesmo contra todas as evidências, continua a fazê-lo, refugiando-se em jogos de palavras e em desculpas como a impossibilidade de conhecer o dia de amanhã.
Está à vista o que vale a palavra do Governo. O mesmo que diz que não permitir o aumento descontrolado das tarifas ou a supressão de ainda mais carreiras e composições. Acredita quem quiser.
Mariana Mortágua
Fonte: JN
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