O PS e a economia Leopardo
15-05-2015 - Jorge Bateira
Em tempos, António Costa disse:
Não tenhamos dúvidas: se pensarmos como a direita pensa, acabamos a governar como a direita governou.
Com a recente publicação do relatório “Uma década para Portugal”, realizado por um grupo de economistas que colaboram com o PS, é possível verificar que, no essencial da política económica, este continua a pensar como a direita. Logo no primeiro parágrafo do sumário, diz-se que “a crise que se abateu sobre Portugal resultou de um acumular de desequilíbrios estruturais – público, demográfico, institucional e financeiro – para o qual a resposta foi um corte não estrutural e drástico nos salários da Administração Pública, a que se seguiu “um brutal aumento de impostos” e o consequente empobrecimento do país.” Vejamos.
O desequilíbrio estrutural que, em última análise, explica a situação em que nos encontramos – a integração de Portugal numa união económica e monetária com países muito mais desenvolvidos, ela mesma promotora da globalização comercial e financeira – é referido no diagnóstico como sendo um constrangimento superável com os instrumentos de política de que dispomos. Tratar-se-ia apenas de aplicar as políticas certas, em vez de ir além da troika . Mas isto é espantoso. Tendo abdicado de todos os instrumentos de política económica que permitiram aos países desenvolvido industrializar-se, gerindo a sua abertura externa e articulando política industrial com cambial, como é possível vir dizer que “o sucesso da sociedade portuguesa tem que passar por um crescimento sustentado no aumento das qualificações” (p. 14)? Este discurso, típico do simplismo da ‘economia da oferta’ que inspirou a Estratégia de Lisboa, só convence quem está imerso no paradigma que gerou esta crise (ver Dani Rodrik, The Return of Industrial Policy ).
É bem provável que estes economistas já tenham esquecido que o pensamento de Gunnar Myrdal apontava à ortodoxia económica a sua incapacidade para entender os processos circulares e cumulativos que explicam o desenvolvimento, ou a sua ausência. Também devem ter esquecido que um dos principais instrumentos de promoção da mudança estrutural de que mais precisamos – corrigir “uma excessiva concentração de investimento em sectores de bens não-transacionáveis” – é a alteração dos preços dos produtos e serviços importados relativamente aos produzidos no país. Isso consegue-se com a desvalorização da taxa de câmbio, um instrumento precioso de que não dispomos. Por isso mesmo, a troika insistiu numa política geradora de desemprego em massa, acompanhada da liberalização e embaratecimento dos despedimentos. A finalidade nunca foi escondida: dar competitividade às exportações através da redução dos salários e outros encargos, a “desvalorização interna”.
Ora o relatório dos economistas do PS assume o quadro institucional em que nos encontramos (ver entrevista de Vieira da Silva ao Observador) e, por conseguinte, propõe novas medidas de “flexibilização”, com destaque para “um regime conciliatório de cessação do contrato de trabalho”, à semelhança do que já existe na Alemanha. Se juntarmos a trapalhada da TSU, é o socialismo-terceira via em todo o seu esplendor. Sem política orçamental, sem política monetária, tutelados pelos especuladores, os economistas do PS prometem-nos uma “ desvalorização interna ”, talvez com mais consciência social, completada pela política de investimento, inovação e internacionalização das empresas que foi sendo declinada pelos sucessivos governos do arco da “desgovernação” com os resultados que conhecemos.
Nem é preciso discutir em detalhe cada um dos pressupostos do modelo que foi usado. Basta ver o quadro conceptual assumido no relatório (défice estrutural, taxa natural de desemprego, segmentação do mercado de trabalho), para perceber a natureza da proposta. Como disse Thomas Palley (“ Gattopardo economics ”), mesmo que subconscientemente, os profissionais da economia dominante também têm um interesse privado (maximizador de utilidade) na manutenção das ideias neoliberais na medida em que investiram intelectualmente nessas ideias e sobre elas construíram as suas carreiras.
Jorge Bateira
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