Memórias (17)
17-04-2015 - Henrique Pratas
Ultrapassada mais esta experiência era tempo de voltar à Escola Comercial, seguiam-se os dois anos de Secção Preparatória, tinha que me aplicar havia que tirar boas notas, pois o objectivo era entrar em Económicas e na altura ou se tirava média de 16 valores ou então teria que se fazer exame de admissão à Faculdade e farto de exames já estava eu, nunca esperei que a vida me colocasse tantas vezes à prova como o fez, faz e continuará a fazer até morrer.
Nesses dois anos as disciplinas eram poucas e era possível gerir os interesses académicos com os meus interesses pessoais.
Voltei a ter tempo para ir jogar bilhar que tanto gostava, era uma forma de obter “rendimentos” ou proveitos para os bifes, croquetes e imperiais da Trindade. Entretanto continuei a dar-me com pessoas que não tinham nada a ver com regime da altura, fui conhecendo muita gente que não gostava do regime, mas só o podíamos manifestar em locais devidamente “vasculhados” e com redobrado cuidado, porque os PIDES proliferavam e eram provenientes de todos os níveis sociais, apareciam de onde menos se esperava. Dei-me com muita gente como o, Soeiro Pereira Gomes, o José Gomes Ferreira, a Natália Correia, o José Cardoso Pires, o Luis de Sttau Monteiro, frequentei o bar da Natália, ali na Graça, com o nome de BOTEQUIM onde muitos escritores se encontravam, inclusive o José Saramago, o Diniz Machado, o Mário Zambujal e o David Mourão Ferreira, não os enumero todos porque provavelmente iria ser fastidioso e corria o risco de me esquecer de algum, o que seria ingrato, eu continuava a ser o “benjamim” da rapaziada que me acolheu no seu seio e como era tímido perante tanta pessoas com tanta experiência reduzia-me à minha insignificância, até que um belo dia começaram a perguntar-me a minha opinião sobre textos que elaboravam e alguns deles que não tinham paciência para os reler começaram a pedir a mim para o fazer e emendar o que fosse susceptível de emendar, fiquei apavorado com tamanha responsabilidade, lia os textos e assinalava a lápis as correcções que entendia que deviam fazer mas não as passava a definitivo sem falar com eles para falarmos sobre as sugestões que queria fazer, primeiro por uma questão de respeito, depois porque achava que as alterações a realizar deveriam ser faladas, discutidas com os autores dos textos, por algumas vezes e já com alguma confiança em mim alguns deles diziam-me que avançasse com as correcções pois para eles estava bem o que eu alterasse, era mais uma prova de confiança e simultaneamente mais uma responsabilidade para mim, não podia falhar se falhasse pensava eu perdiam a confiança em mim e eu não queria isso.
Fui bastantes vezes levar artigos escritos por eles aos jornais e às editoras porque muitas das vezes não lhes apetecia fazer esta tarefa e a mim nada me custava.
Foi nesta altura também que comecei a equacionar a história do serviço militar obrigatório, gosto de pensar as coisas com antecedência, a designada Guerra Colonial não me fazia sentido, porque via portugueses dos dois lados e achava que os portugueses se estavam a matar uns aos outros, era estúpida aquela Guerra, por outro lado achava que os originais da Guiné, de Angola e de Moçambique tinham direito a viver em condições condignas na sua terra Natal, não achava muito bem ao tempo que os “colonizadores” portugueses, guardassem o melhor para eles e o que sobrava ficavam para os nativos daquelas terras, isto na minha cabeça não fazia sentido, não entendia, apesar de ter frequentado um Curso no Ciclo de Províncias Ultramarinas, não foi por opção própria, foi mais uma vez imposto, há época os melhores alunos das diferentes Escolas e Liceus com melhores notas eram “empurrados” para um coisa que não sabiam ao que iam, descobrimos mais tarde que estávamos a ser preparados para ser os futuros Governadores dos diferentes distritos, nas diferentes províncias Ultramarinas, para além de aprendermos os hábitos e costumes das diferentes etnias, aprendemos também a conhecer todas as etnias e diferenciá-las umas das outras, conhecendo os seus costumes, os seus gostos, a sua história, as suas raízes e o seu enquadramento nas diferentes Províncias Ultramarinas.
Os ensinamentos aprendidos foram muito importantes para mim, pois fiquei a saber mais do que eram os povos africanos e as suas origens e mais facilmente e devidamente fundamentado, agora, tinha a certeza a Guerra não fazia sentido nenhum os territórios eram deles, nós apenas os invadimos, desculpem “os descobrimos”, senti então que não devia fazer parte de uma Guerra que não era justa apenas servia para aumentar o pecúlio de poucos, com os esforços de muitos, não, não, tinha nada a ver com esta Guerra, como é que me iria livrar dela aí comecei com uma angústia que levou algum tempo a resolver, morrer não me apetecia, como já escrevi não me fazia sentido aquela Guerra, o que fazer à minha vida.
Há esqueci-me de mencionar que a “oferta” de final de curso era uma visita de barco a todas as colónias portuguesas na altura. Eu enquanto fui aprendendo alguma coisa de novo fui-me deixando andar, quando começou a “venda” do produto e os objectivos que pretendiam de nós comecei a não aparecer, certo que apesar de ter aproveitamento não fiz a viagem com os meus companheiros, porque eu nisto e não só muito radical ou estou ou não estou, gosto ou não gosto, não tenho meio-termo, não atraiçoo-o os meus princípios ou forma de pensar é certo que tive pena de não ir era mais uma aventura, mas já concluíra que não concordava em nada com os métodos que o Estado Novo se propunha para continuar com as Colónias.
Depois de muitas noites em branco, encontrei três alternativas, uma era ir-me embora de Portugal, como muitos fizeram, outra era ir para a Academia Militar, tinha essa possibilidade o meu avô tinha participado na I Grande Guerra Mundial e eu ao abrigo de uma legislação existente podia entrar para os Pupilos do Exército, pois se ia para uma Guerra teria que estar muito bem preparado para matar e não ser morto a outra alternativa era continuar a estudar e pedir adiamento até concluir o meu Curso Superior, mas para isso tinha que ter sempre aproveitamento escolar não podia chumbar. Falei com os meus pais e coloquei-lhes os diferentes cenários, o meu pai achava bem que eu me fosse embora e disse logo que me ajudava, a minha mãe ficou lavada em lágrimas e eu que procurava apoio para a minha decisão, estava cada vez mais baralhado, no meio desta “conferência” o meu pai sai-se como uma solução de compromisso que era eu continuar a estudar e quando terminasse o meu curso ele arranjaria forma de eu ficar cá numa posição de retaguarda, na minha ingenuidade, acreditei na sua palavra e assumi a sugestão que me fez ele conhecia muitos militares bem colocados e já tinha safado alguns de irem parar ao Ultramar, acreditei nele como sempre porque aí somos iguais quando nos propúnhamos fazer um a coisa só se de todo não fosse possível é que não a fazemos, éramos muito determinados e como agora se diz muito focados nos nossos objectivos, somos os dois do signo “touro”, não sei se isto ajuda a explicar alguma coisa.
Continuei a minha por cá, estudando e pedindo os adiantamentos a que tinha direito, a par disto como era um frequentador assíduo do campo onde os paraquedistas saltavam no Arripiado via a instrução que lhes era dada e bem para que estivessem minimamente preparados para enfrentar uma Guerra, não imaginam o que é em dias de calor, no pino do Verão assistir aos soldados a saltarem e quando chegavam ao chão estavam completamente secos e cheios de calor, muitas vezes fui por o motor para tirar água de um poço artesiano que o meu pai tinha numa horta, a água saía fresca e ver aquela rapaziada a refrescar-se de uma forma prazerosa era como dar-lhes a melhor coisa que podiam ter, muitas vezes e dado que possuíamos árvores de fruto também dávamos uma frutinha fresca, laranjas, que era o que mais existia naquela altura, melancia e outros produtos que os ajudava a refrescar-se e a recompor-se do esforço que tinha que fazer quando carregavam com todo o material necessário para estar vários dias em cenário de guerra, era um carrego dos diabos, comparados com os dias de hoje, mas era assim.
O rapaz cá foi andando, aparecem as namoradas e com o eram mais do que muitas tive que aprendi a gerir bem os tempos, pois para estar com todas elas tinha que me dividir por muitos lados porque aí escolhia em função do local onde moravam, não podia ser perto umas das outras porque senão podia dar confusão para o meu lado e eu gosto muito de viver em paz.
Apercebi-me nessa altura porque é que os prédios que o meu avô construiu em conjunto com os irmãos, tinham normalmente uma sobre cave com a janela quase rente ao passeio apetrechada com um degrau interior que permitia saltar directamente para a rua, ele nunca mo disse eu é que descobri para que servia, um belo dia uma vizinha aa minha rua que morava numa destas sobre caves, chamou-me o marido já tinha saído e ela que não era nada de se deitar fora atreveu-se a chamar e convidou-me a entrar, solicitação que satisfiz de imediato sem pensar em mais nada, naquela altura havia que prestar assistência técnica a quem precisava e eu não idade que estava não aceitava tudo mas o que me interessava, fazia o meu esforço e o meu melhor, só que um belo dia o marido voltou atrás e eu tive que sair pela janela rapidamente para não levar uma carga de porrada, aí apercebi-me perfeitamente para que servia o degrau. Um dia mais tarde tentei tirar nabos da púcaro e perguntei ao meu avô para que é que eram aqueles degraus ele não me respondeu, mas riu-se e perguntou-me não sabes para que é, perguntou-me ele?
Mias tarde um belo dia tinha acabado sair de casa e uma rapariga que era bem gira e com muito bons atributos, desafiou-me para ir para casa dela porque não tinha lá os pais, eu como tinha muita sorte nestas situações ou então prolongámos mais o tempo que achávamos que tínhamos disponível, aprecem os pais dela e eu ah palhetas, tive que desta vez sair pelas traseiras como era lesto nem pelas escadas desci, desci através do corrimão que suportava as escadas, ela vivia num 4.º andar e lembro de chegar ao quintal, porque todos aqueles prédios tinham nas traseiras um quintal, com uma rapidez nunca vista, naquele tempo era muito ágil, coisa que não sou hoje, chegado cá abaixo compus-me e vá de saltar em quintal, para conseguir chegar ao quintal de minha casa para puder subir as escadas de serviço e entrar em casa pelas traseiras, isto passou-se perto almoço e o meu pai que já estava sentado à mesa começa-se a rir de uma forma desalmada e perguntei-lhe o que se passava e ele nada à primeira vez, depois disse-me vai-te ver ao espelho e vê a figura que andaste a fazer na rua. Em frente do espelho verifiquei que a minha Lacoste preferida, azul escura com uma tira branca na manga curta, estava vestida ao contrário, a minha mãe também se riu e disse-me tu quando saíste de casa levavas o polo bem vestido, apressei-me a compor-me, tal tinha sido a aflição.
Com estes episódios percebi uma coisa que a minha avó paterna me tinha dito quando eu era pequeno, 6, 7 anos, porque quando ela me via eu estava sempre muito bem, arranjado penteadinho e como tenho os olhos verdes ela um belo dia disse-me “hás-de deixar muitas cadelas sem ceia”, na altura não percebi nada e como não era de perguntar nada a ninguém sempre gostei de aprender as coisas à minha custa, nesse belo dia fez-se luz e percebi o que ela me tinha dito.
Henrique Pratas
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