GANHEM VERGONHA
10-04-2015 - Joaquim Pisco
A contratação laboral atípica, e muitas vezes ilegal, tem vindo a intensificar-se ao longo dos últimos anos, nomeadamente através do recurso a empresas de trabalho temporário ou a falsos recibos verdes e ultimamente através de estágios simulados ou de relações laborais não declaradas.
Determinada pelos números loucos da emigração e pelo desemprego real que afecta mais de um milhão de trabalhadores, aconjuntura em tudo ajuda para a bárbara sujeição de quem trabalha a empregadores menos escrupulosos e, no seu verdadeiro íntimo, autênticos esclavagistas sem alma.
É neste preciso contexto apocalíptico,em que o Estado, teoricamente, garante daJustiça, da Igualdade e dos Direitos Sociais constitucionalmente consagrados e que deveria dar o exemplo de moralidade, que em 2009, em pleno Governo PS e com o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social encabeçado por essa personalidade impoluta de nome José Vieira da Silva, que se nos surgem os CEI (Contratos Emprego-Inserção) e os CEI+, herdeiros dos Programas Ocupacionais (POC), sendo que os CEI se destinamaos que recebem o subsídio de desemprego e o CEI+ para os que recebem o Rendimento Social de Inserção.
Segundo os últimos números oficiais, já existem mais de 100 mil cidadãos que prestam o seu contributo, pelo trabalho, no Estado e em IPSS sem salário ou direitos laborais, naquilo que comumente é apelidado de “trabalho socialmente útil” e em face das últimas estatísticas verifica-se que os contratos de emprego inserção se estão a disseminar a um ritmo alucinante atingindo já mais de 100 mil pessoas que, apesar de desempregadas, não contam para as estatísticas do desemprego.
Resumidamente, omodus operandi destes programas passa pela colocação de trabalhadores, ao abrigo de CEI e CEI+, a cargo do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) e em que se podem candidatar a recepcionar estes trabalhadores as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e os serviços públicos do Estado, através de candidaturas junto do IEFP. De seguida o IEFP contacta as pessoas inscritas no Centro de Emprego que considera apropriadas à requisição e escolhe os candidatos, que têm obrigatoriamente que aceitar a colocação no CEI ou CEI+ sob pena de perder o subsídio de desemprego ou o RSI.
Estes desempregados, no período de um ano, trabalham para o Estado e para IPSS, com horários e deveres iguais aos restantes trabalhadores, auferindo, em troca, o subsídio a que já tinham direito e para o qual legalmente descontaram, sendo que a esse subsídio acresce um complemento de 20% do Indexante de Apoios Sociais, pago pelo"promotor" (assim designado o patrão ou empregador), correspondente, sensivelmente, a 83 euros por mês, mais subsídio de transporte e alimentação.
Estes cidadãos são sujeitos a uma das mais agressivas formas de exploração laboral, o “trabalho socialmente útil” materializado nos contratos de emprego inserção (CEI).
A legislação em vigor, proíbe queos CEI e CEI+ determinem a ocupação de postos de trabalho líquidos, mas a pratica evidencia que as situações de abuso ocorrem e em sítios onde menos se esperava, nomeadamente nas tarefas prestadas e asseguradas por auxiliares de acção médica, administrativos do Serviço Nacional de Saúde e auxiliares educativos nas Escolas, sendo por demais evidente que estas se concretizam em funções permanentes e que, portanto, estas pessoas deveriam ser contratas. O mesmo se passa nas IPSS que recorrem por demais a CEI e CEI+ para asseguram funções inerentes a estas instituições, escusando-se assim a pagar um salário a trabalhadores.
Tentando abstrair da imoralidade deste tipo de relação laboral/social, em que o desempregado se apresenta, para esta gente que nos (des)governou e/ou (des)governa, como alguém que deve ser regenerado e que, por isso, não merece uma qualquer ideia de políticas activas de criação de emprego ou no ardil estatístico que visa retirar estas pessoas dos números do desemprego, concentremo-nos apenas nesta “ternura” comportamental legalística e sociológica em que para manter o desempregado em acção se força o mesmo a ocupar um posto de trabalho (qualquer posto de trabalho) sem o rendimento a que teria direito como trabalhador, colaborando assim para o seu próprio desemprego.
Ora que diabo, se o posto de trabalho existe, se o candidato existe eestá habilitado para o lugar e está desempregado, qual o propósito de aquela função não ser ocupada por ele em relação laboral normal? Apenas porque com este subterfúgio lhe podem pagar muito menos e exclui-lo de quaisquer direitos e estabilidade, continuando a ser “motivado” a trabalhar e a agradecer quem o propôs para o programa com o seu voto nas próximas eleições.
Tal como bem sintetiza Daniel Oliveira em artigo de opinião no Expresso, “Através do CEI, o Estado e as IPSS aproveitam-se do estado de necessidade do desempregado, exploram a sua capacidade de trabalho, pagam-lhe abaixo do salário normal e recorrem, para esse pagamento, ao dinheiro que ele próprio descontou ao longo da sua carreira profissional. Quando o Estado dá este exemplo é difícil esperar que seja ele a garantir que o direito laboral seja cumprido nas empresas.”.
E mais grave, obviamente que nesta decorrência se criam expectativas naturais, junto das pessoas desempregadas, de que a sua experiência lhes permita poderem ser empregadas por estas instituições, o que é um erro, uma vez que tais expectativas nunca corresponderão à realidade fáctica, não só porque essa não é a intenção de fundo dos identificados programas, como também em face da imensa multidão de pessoas desempregadas prontas a serem voluntários/obrigados a trabalhar, recebendo o seu próprio dinheiro dos descontos anteriores ou seja de forma gratuita, quando aquele reeducado desempregadocaducar no seu prazo.
Isto não é uma sociedade a funcionar decentemente e somente o medo e a necessidade de suprir as carências mais básicas do ser humano impede uma revolta grave e definitiva.
Joaquim Miguel dos Santos Pisco
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