Memórias (13)
20-03-2015 - Henrique Pratas
A época de exames aproximava-se e as dores de barriga apertavam, como devem estar recordados fazíamos exames ao liceu e à escola técnica, comercial ou industrial era preciso saber a matéria na ponta da língua, escrever sem dar erros e fazer composições bem elaboradas, era uma fase terrível, as datas dos exames chegaram e lá se fizeram, depois foi o compasso de espera para saber os resultados, para grande espanto meu tirei melhores notas no exame ao liceu do que à escola técnica, mas aqui tomo uma das minhas primeiras decisões sem ter sido influenciado por quem quer que seja, decidi que queria ir para Económicas e para isso era melhor ir para a escola técnica, na altura Escola Comercial do quer para o Liceu, associado a este processo de tomada de decisão esteve as condições económicas dos meus pais eu não era filho de pais ricos e pensei para comigo se a meio da “viagem” isto der para o torto estou mais bem preparado para começar a trabalhar.
Nos dias de hoje comentava este processo de tomada de decisões com um psicólogo do Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P. (IEFP), sem lhe identificar a pessoa que tinha tomado a decisão recebi como resposta que não tinha memória de ninguém que tomasse decisões, sorri e não lhe disse mais nada era uma menino de família a quem as coisas nunca lhe custaram, nem custam na vida, não valia a pena perder tempo o que deveria ter feito e não fiz foi dar-lhe uma carga de porrada para ver se ele abria a pestana, é esta gentinha que está na selecção do IEFP, a seleccionar desempregados para oportunidades de trabalho ou a entrevistá-los para avaliarem as aptidões/competências para o exercício de funções profissionais que possam surgir.
Mas voltando ao nosso tema matriculei-me na Escola Comercial Veiga Beirão e fui de férias este ano primeiro para a praia, Costa da Caparica, para a então fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT) hoje Inatel, o local ao tempo era óptimo ficávamos instalados em pequenas vivendas, tínhamos um refeitório comum, um espaço para a prática desportiva, um cinema ao ar livre, estava nas minhas sete quintas à solta e tínhamos praia que hoje não existe devido à intervenção dos HOMENS que decidiram construir molhes para cortar a força do mar e acabaram com tudo.
Nesses 15 dias só via a minha mãe ao deitar porque logo arranjei amigos e de manhã cedo levantávamo-nos para irmos tomar o pequeno-almoço e ir para a praia de bicicleta, era espectacular a rapaziada nova não tem este privilégio nos dias de hoje a distância até à praia era considerável e o aldeamento tinha caminhos em cimento por onde deslizávamos rapidamente a caminho da praia. Chegados à praia deixávamos as bicicletas em qualquer lado, formei um grupo de 8 ou 9 rapazes e raparigas e cedo lá estávamos todos porque havia que aproveitar o tempo. Nesta praia tive o privilégio de conhecer um dos melhores banheiros que conheci na minha vida, não sei o nome dele sei como era conhecido, TARZAN, talvez devido à sua compleição física e ao respeito que impunha à rapaziada, pois quando nos dizia que não nos queria dentro de água era melhor cumprir, porque se não havia sequelas e eu que o diga.
A rapaziada tinha um toldo alugado pelos nossos pais onde colocávamos as nossas roupas e parcos haveres, depois quando a maré estava vazia jogávamos a tudo o que se podia praticar envolvendo as raparigas, nas nossas brincadeiras, mas e há sempre uma mas eu nesse ano soube o que era a paixão. Apaixonei-me pela rapariga mais bonita que tinha aparecido nesse ano na Colónia de Férias, mais tarde vi a saber que vinha da Covilhã. Andei mesmo “parvinho” de todo nesse ano, brincava com os meus amigos quando ela não estava mas assi que chegava passava o tempo todo com ela, não me cansava, um dia sentada à beira-mar disse-me que era melhor eu arranjar outra namorada porque ela tinha um problema de saúde e que seria melhor eu encontrar outra rapariga, resposta cá do “cavalheiro” não faz mal eu gosto de ti como és com os teus problemas, não faz mal, recebi um valente sorriso e se as coisas já estavam “pegadas”, mais pegadas ficaram, a partir desse dia passámos a andar de mão dada indiferentes a tudo e a todos, porque nessa altura, 1968, os adultos não viam com bons olhos estas libertinagens, mas nós como eramos jovens e inconsistentes nãos nos importávamos com nada, rigorosamente nada, tínhamos um Mundo só nosso foi muito bom.
Nesses 15 anos que passavam a correr tínhamos tempo para tudo, mas o tempo era sempre pouco e quando acabava o tempo de permanência ficavam sempre congeminações para o ano seguinte. O engraçado disto tudo é que se encontrava rapazes e raparigas de todos os pontos do País e vivíamos e conhecíamos hábitos diferentes.
Uma vez por outra íamos à Costa da Caparica de bicicleta era a nossa grande aventura pois estávamos em S. João da Caparica, mas ao tempo as viaturas eram poucas e os riscos eram pequenos, a Costa era uma pequena vila piscatória onde gostávamos de ir ver os barcos de pesca artesanal descarregar o pescado.
As actividades que desenvolvíamos e cujos meios eram postos à nossa disposição iam desde o campo de futebol ao ringue onde podias jogar voleibol, basquetebol, futebol, hóquei em patins e ainda fazer gincanas de bicicletas com prémios, a “luta” era feroz, estávamos na idade de querer agradar às raparigas e às vezes era com cada espalhanço, por causa das manias e aí saiamos pela esquerda baixa.
Foi um tempo precioso e rico de experiências, um belo dia decidimos atacar os vaidosos do Clube de Campismo de Lisboa, (CCL), dê-nos para ali arrasámos tudo partimos vidros e depois de descobertos tivemos que nos andar a esconder dos nossos guardas para não sermos apanhados eu recordo-me que tive que correr para um pavilhão, fechar-me dentro da casa de banho e ter de saltar a janela, que era alta enquanto o guarda rebentava com a porta, ainda ouvi quando cai no outro lado da parede, “fica descansado que eu conheço-te não te apanhei agora, apanho-te mais tarde”. Os próximos dias foram vividos com muito medo e sempre alerta, não me aconteceu nada mas que andei “encolhido” andei, mas como era eu sempre o das ideias, saía de uma para entrar noutra.
Relativamente ao banheiro que vos mencionei anteriormente, de nome TARZAN, devido aos factos que vos indiquei, um belo dia cheguei à praia com os meus amigos e como ele nos conhecia, assim que nos viu disse-nos logo, “hoje não quero ninguém dentro de água, porque não quero ter aborrecimentos”, o mar estava a bater com uma força brutal, as ondas eram muitas e a corrente forte. Eu apesar de ter muito respeito pelo banheiro, naquele dia, resolvi não fazer caso, andámos na brincadeira e depois suado e cheio de calor vá de dar um mergulho, a força do mar era tanta que vim três vezes à areia e fui sempre enrolado nas ondas, até que à 4.ª o TARZAN, agarra-me por um braço e tira-me do mar, posso-lhes escrever que já estava aflito pois não conseguia pôr-me em pé tal era a força do mar assim que tentava caia logo outra vez e andei para trás e para a frente, escusado será escrever que já estava aflito até como vos escrevi ele deita-me a mão e eu senti-me seguro, levei foi um calduço e um ralhete um voz grossa e alta que se ouvi na praia toda “ eu não vos disse que não queriam que fossem para a água, o que é que vocês merecem?”, calámo-nos todos que nem uns “ratos” e ficámo-nos pela areia, eu nunca mais lhe desobedeci, quando ele não nos queria na água nem o pezinho lá metia, tamanho foi o susto e devo-lhe a vida porque já engolia água por todo lado e a areia era mais do que muita por tudo quanto era sitio safei-me, tive sorte ou foi a experiência dele que me livrou, pois era conhecido por ter livrado muitas pessoas de morrerem afogadas e de entrar no mar nas piores condições.
Acabadas as férias de praia dado que nesse tempo as férias eram de 3 meses, vai de “caminhar” no sentido do Arripiado.
Nesse Verão comecei a utilizar uma flaubert, dada pelo meu tio para apanhar uns passarinhos, actividade em que me revelei exímio, porque aprendi com um homem que aguentava horas agachado debaixo das laranjeiras à espera que eles pousassem, para na melhor oportunidade os deitar abaixo o seu nome era António Ângelo.
Para este o seu pequeno-almoço era uma chávena de café de 16 como se dizia na altura com aguardente, isto logo pelas 6 h da manhã, era um homem tranquilo, educado, mas muito assertivo e aparentemente calmo, nesse ano acompanhei-o muito era o pai de uma prima minha, aprendi muito mais uma vez, tanto na lavoura como noutras actividades e nos petiscos.
Como já referi não sei como ele aguentava estar tanto tempo agachado debaixo de que árvore fosse para caçar eu era mais novo e não aguentava, ficava logo com as pernas dormentes, nunca consegui aguentar tanto tempo como ele apesar de me dizer para não me mexer, pois era aí que estava o segredo do “negócio”, passado um bocado tinha que me levantar e ele lá continuava na sua posição predilecta para o desempenho do seu lazer.
Esse ano foi o ano de outra aprendizagem a de estar com as pessoas de compartilhar com elas os seus afazeres na lavoura e nos seus tempos lúdicos. Como lhes escrevi anteriormente nesse ano aprendi a apanhar pássaros que depois íamos entregar a um dono de uma taberna na Carregueira que os cozinhava de uma maneira deliciosa, com temperos à maneira acompanhado por vinho da sua produção, era uma delicia, voltávamos sempre ao Arripiado montados numa mota às horas a que a taberna fechava, que era tarde e muitas das vezes o dono só nos fazia companhia depois de acabar o seu trabalho, foi outra coisa que aprendi quando estamos a desempenhar uma função não devemos misturar o trabalho com o lazer. Quando acabava o trabalho aí sim tínhamos o verdadeiro João, já não dono nem patrão, mas sim como nosso companheiro e como para petiscar e para beber estava por ali era um fartote até às tantas, sim porque naquela altura depois de fechado o estabelecimento ao público ninguém nos incomodava mais, estávamos por nossa conta e risco. Muitas das vezes bebi mais do que a conta mas as histórias eram mais do que muitas e eu tinha de acompanhar com os homens e entre tantas histórias, petiscos e vinho, por vezes bebia mais do que a conta, mas era Verão e como íamos de mota e ainda estou para saber como nunca caímos e nos magoámos, certo era que íamos muito devagar, o fresquinho que apanhávamos fazia-nos bem.
Esse Verão foi à séria, tanto que eu aprendi, com tanta gente humilde que a única coisa que tinham para vender era a venda da sua força de trabalho, foram tempos bons recordo-os com saudade, nos dias de hoje já são difíceis de praticar, as histórias de experiência de vida foram mais do que muitas, absorvia tudo e o que contavam eram sempre lições de vida, tive essa oportunidade e não a descartei, aproveitei-a muito bem, aprendi a estar, a ser, a respeitar, a expressar a minha opinião, absorvi os valores que tinham a palavra, o compromisso, a honra e no final em algumas situações me perguntavam a minha opinião queriam ouvir o que pensava sobre determinados assuntos, foi desta forma que dei continuidade à minha formação enquanto cidadão, foi em grande parte as oportunidades que os homens me deram de poder participar nos eu convívio que me ajudou a crescer da forma como eu queria, conhecendo a realidade prática da vida, complemento importante aos conteúdos teóricos que recebia na Escola.
Lisboa, 11 de março de 2015
Henrique Pratas
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